por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 13 de junho de 2014

Na Liberdade: uma mocinha com uma orquídea

Recendia  um frescor que se lhe escapava por todos poros. Aquele mesmo que se pressente no primeiro desabrochar do lírio na primavera ou no  amadurecer do fruto opimo no pomar. Como se a vida explodisse em toda sua fúria, naquele interlúdio único: entre a promessa do passado e  a perspectiva evanescente   do futuro.  A mocinha ali estava  na Feirinha da Liberdade e vestia-se do seu despojamento e do seu frescor. Os demais adereços e penduricalhos, naquela idade, pareciam todos perfeitamente supérfluos. Um shortinho jeans , um tênis All Star, uma blusinha curta, deixando antever a barriga tanquinho. O cabelo liso, algo revolto, caía-lhe, por sobre os ombros, delicadamente, como uma cascata. Os olhos vivíssimos, negros, observavam, inquietamente, ao derredor, sem se demorarem muito em qualquer foco, cobrindo, avidamente, os  cento e oitenta graus. A mocinha carregava consigo aquele bulício típico da idade, como um  pássaro , na árvore, tremeluzindo entre os galhos, arisco, temendo o caçador.

                        Na mão esquerda, em concha, estendida  na altura da coxa, a mocinha sustentava um jarrinho com uma orquídea que acabara de comprar. Com  flores de quatro pétalas brancas, fortemente  chamuscadas de lilás e um tubérculo central rubro, em formato de fechadura, a orquídea enchia os olhos de quem a visse, olhos já meio  transbordantes  pelo frescor da menina.  Havia um pacto tácito entre as duas imagens que se somavam, tal dois viços que se fundissem e pipocassem:  como a fusão  dos dois núcleos de hidrogênio na Bomba H. E resplandeciam na certeza de que o ciclo natural da vida ali se iniciava com todo no seu fragor. Aquela visão fazia-se única atemporal e eterna.  Depois , também para a mocinha e a orquídea, viriam o verão , o outono , o inverno. As pétalas murchariam, ressecariam e tombariam pelo solo, prontas para um novo renascimento, para a sucessão de vibrações regulares e  infinitas de um   mesmo pêndulo.    Até que um dia, por fim, a ferrugem do tempo emperraria o pêndulo e subsistirá  apenas a lembrança da mocinha, da orquídea que, como num alinhamento de planetas, um dia se reuniram na Liberdade e passaram a ser apenas uma entidade  una e resplandecente, imune às traças das horas e à oxidação, aparentemente inexorável , dos segundos.

J. Flávio Vieira