por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 24 de maio de 2012

Acalanto


No último dia 17 de Maio,  a Academia Cearense de Medicina  resolveu homenagear um dos luminares da Medicina no Ceará : o Dr. Napoleão Tavares Neves. A justíssima homenagem  o fez adentrar nas hostes daquela instituição como Membro Honorário e deixou todo o Cariri de dentes à mostra. As  Academias têm uma enorme importância em elevar ao pedestal figuras de  grande merecimento e que tantas vezes passam quase que desapercebidas na Sociedade. Como organizações humanas , no entanto, têm política própria e tantas e tantas vezes deixam-se influenciar por pressões de grupos e terminam por cometer injustiças e desvios impensáveis. No caso do Dr. Napoleão, possivelmente, houve apenas um pequeno erro de timing: ele já merecia o Título há muitos e muitos anos. Talvez o fato de ter se estabelecido no interior do Estado tenha contribuído para o esquecimento. Todos os que clinicam longe do litoral fazem parte daquilo que se pode chamar Face Oculta da Medicina Brasileira.  Perdura um certo preconceito embutido : aquele mesmo que alimenta o primeiro mundo contra o terceiro, o Sul contra o Nordeste, a Capital contra o Interior. A simples lembrança da Academia para com o nosso Dr. Napoleão já quantifica a importância dele, capaz de dirimir fronteiras  até então intransponíveis.
                                               São 81  anos de vida e mais de 50 dedicados à Medicina. Nascido no Jardim, criado em Porteiras, radicado em Barbalha, Dr. Napoleão nunca se imiscuiu em briguinhas bairristas: como um Confederado sempre compreendeu a unicidade do Estado do Cariri. Percebe claramente que nossas  diferenças são mínimas e necessárias e que existem imensas similiaridades a nos unir. Sempre teve uma visão bastante sociológica  nas questões que envolvem o Juazeiro do Padre Cícero e também a saga do Cangaço.  Todas estas matérias podem parecer distantes da Medicina, mas não para o Dr. Napoleão que faz parte da última geração de esculápios  para quem a profissão médica estava umbilicalmente ligada ao Humanismo. A Sociologia , a História, a Filosofia,  a Geografia para ele são tão importantes para sua atividade como um livro de Anatomia de Testut. Hoje, diante de tanto aparato tecnológico, os novos profissionais esquecem a complexidade da vida que lhe é posta às mãos. Receitam, prescrevem como se estivessem consertando um Rádio ou uma TV. Não conseguem perceber  que além do enfarte, para lá da úlcera,  existe um espírito atormentado suplicando ajuda. Dr. Napoleão, ainda em plena atividade, seguiu sempre o grande preceito Jungiano:  “ Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.”
                                               Nosso médico segue uma genealogia profundamente humanística : Dr. Leão Sampaio, Dr. Pio Sampaio, Dr. Lírio Callou, Dr. Joaquim Fernandes Teles, Dr. Joaquim Pinheiro Filho.  Para todos eles, o atendimento era pronto , rápido, independentemente das condições econômicas do paciente.  E são muitas as histórias que envolvem sua vida profissional. Há alguns anos Dr. Napoleão assumiu uma equipe de PSF em Barbalha. Um sobrinho seu, médico, exercia a função de Secretário de Saúde na cidade e foi ele quem me relatou o acontecido. A relação do Dr. Napoleão com ele era de Tio para sobrinho :  uma cobrança pertinaz pelos direitos da população. Falta de medicamentos, exigüidade de exames complementares era uma coisa inconcebível. Um dia , me contou o sobrinho, ele lhe ligou exigindo que mandasse urgente uma Cesta Básica para uma família da sua área que estava sofrendo de uma doença terrível chamada fome.A Cesta era um remédio imprescindível para curar a grave doença. De outra feita, passando pelos corredores da emergência do Hospital São Vicente, ouviu um jovem médico receitando um pobre matuto. A queixa principal era que tinha sido mordido pro uma lagartixa. O jovem esculápio, sorrindo, liberou o paciente: podia ir para casa, não tinha problema nenhum: lagartixa não é venenosa. Dr. Napoleão voltou, chamou o colega e alertou-o. Podia proceder  a aplicação do Soro Anti-Ofídico. Para Lagartixa, Dr. Napoleão ? -- Perguntou o colega confuso. Dr. Napoleão, então, explicou o que a Ressonância Magnética e a Tomografia Computadorizada não diagnosticam : -- Meu filho, o matuto tem a crença de que se disser que foi mordido por cobra, não escapa da mordedura, por isso nunca revela que  foi por jararaca ou cascavel, diz geralmente o nome de outro bicho. O rapazinho voltou e , através de gestos, descobriu a verdade revelada e o Soro salvador foi administrado.
                                               A Academia Cearense de Medicina , no mesmo dia, homenageou muitos Napoleões : o médico, o historiador, o escritor,  o humanista, o orador inspirado,  o pai de família exemplar, o defensor intransigente do Cariri, o humorista fino, a ética de jaleco branco e, mais que tudo : o Homem . É quase impossível conciliar tantas qualidades numa só pessoa. Em meio a tantas, no entanto, acredito que se sobressaia a pessoa do Dr. Napoleão, um exemplo de humildade e generosidade.  Ele  tem uma raríssima doença oftalmológica:  só consegue ver o lado bom das pessoas. Todos a sua volta só têm qualidades: são inteligentes, bons, sóbrios, estudiosos, direitos e alegres. Nunca o vi tecer críticas a quem quer que fosse.Nas conversas com os amigos é aberto, bem humorado e não tem falsos moralismos. Memória privilegiada, carrega consigo uma enciclopédia invejável  de histórias  do nosso doce quotidiano regional. 
                                               Dr. Napoleão já me confidenciou que fica meio cabreiro com as homenagens, segundo ele, elas são sempre um pouco póstumas. Acredito que todos os nossos atos nesta terra sempre o são. A cada noite, nunca sabemos se a música que nos embala é um acalanto ou uma incelença.  Mas diante de uma figura com tanta vitalidade como ele, certamente é a vida que pulsa em cada título que lhe é conferido. Chesterton dizia que há grandes homens que fazem os outros se sentirem pequenos, mas o grande homem mesmo é aquele que faz com que todos se sintam grandes diante dele. Pois bem, meu caro Dr. Napoleão, todo o Cariri se sente enorme, gigantesco  diante da homenagem merecida que a Academia Cearense de Medicina acaba de lhe outorgar. 

J. Flávio Vieira

Poder + Magnanimidade = "Fundação" - José Nilton Mariano Saraiva

Tornou-se recorrente a exposição sistemática, na mídia, de relatos sobre a história de vida de empresários famosos, jogadores de futebol, artistas de cinema, cantores, apresentadores de TV e por aí vai, que, originários de famílias paupérrimas (preferencialmente ex-moradores de favelas), conseguiram construir fortunas jamais imaginadas ou amealharam um capital que nem em sonhos se fez presente.
E por presumivelmente terem vindo “de baixo”, por teoricamente deterem conhecimento do “outro lado” da vida, hoje, “coração repleto de amor ao próximo”, fazem questão de “ajudar os necessitados”, (re)distribuindo o patrimônio com eles, e coisa e tal. Aqui, uma particularidade-questionamento: oriundos de mundos diametralmente opostos e atuantes em atividades que normalmente não guardam quaisquer similaridades, que estranha força é essa que empurraria tais figuras a descobrirem algo em comum, um elo inquebrantável a os unir, uma força a lhes guiarem numa mesma estrada, a magnanimidade ???
E aí é que surge o outro lado da moeda, a “face oculta” da história de todos eles: é que, pra viabilizar tão “desinteressada e generosa” ajuda aos carentes, estranhamente o caminho escolhido é um só (e de mão única): a criação de uma “FUNDAÇÃO” (logo providencialmente batizada com o nome do pai, da mãe ou de algum parente próximo, porque... “sempre se dedicou aos pobres”); algo tocante, comovedor, capaz de derreter corações, levar às lágrimas, enfim, balançar com a estrutura de qualquer mortal-comum. E tome propaganda, exposição na mídia, xaropadas, homenagens póstumas, blá-blá-blá e coisa e tal, a fim de difundir a atitude tomada e fixar a imagem da benquerença da família.
Só que, nas entrelinhas dessa história toda um precioso detalhe sempre é cuidadosa e estranhamente omitido, convenientemente resguardado e nunca, jamais, lembrado: o que realmente se esconde por trás da criação de uma “FUNDAÇÃO” ???  Por que, unanimemente, existe uma espécie de “preferência nacional” por tal caminho, por parte dos ricaços da vida ???
Pois saiba você, aí do outro lado da telinha, que uma “FUNDAÇÃO PRIVADA” (não aquelas que visam resguardar para a posteridade a história de personalidades ilustres) é uma pessoa jurídica NORMALMENTE USADA PARA MANTER A POSSE DE PROPRIEDADES, CONTAS BANCÁRIAS E OUTROS BENS, “SEM QUE A IDENTIDADE DO (PSEUDO) “BENFEITOR” SEJA REVELADA” (em português bem cristalino e objetivo: trata-se de um “enoooorme” saco sem fundo, onde você poderá armazenar não só o patrimônio pessoal, assim como possíveis doações de terceiros, sem que tenha de prestar contas a seu ninguém, e tudo dentro da lei).
Além do que, muito mais que manter a confidencialidade da identidade do “DISTINTO”, uma FUNDAÇÃO PRIVADA tem ainda  (olha só que beleza)  as seguintes vantagens: 01) PROTEÇÃO DE BENS:  bens colocados (ou doados) em uma fundação privada geralmente ficam “FORA DO ALCANCE” DE EVENTUAIS CREDORES que possam surgir, como resultado de dificuldades financeiras, divórcio, litígio, etc;  (legal, não ???); 02) RETENÇÃO DE CONTROLE: a fundação privada permite que você “retenha o controle” (é mole ou quer mais ???) e possa decidir para quem o controle sobre seus bens será entregue quando você não possa mais exercê-lo; 03) ECONOMIA VITALÍCIA DE IMPOSTOS (aqui, o autentico e verdadeiro “pulo do gato”, o objeto de desejo de todos eles): durante toda a sua vida o “benemérito” realizará economias substanciais (estará isento do pagamento) de “IMPOSTOS SOBRE RENDA E GANHOS DE CAPITAL” (que coisa maravilhosa, não ???), como resultado da utilização de uma fundação privada; 04) ECONOMIA EM IMPOSTOS SOBRE HERANÇA: em caso de morte, o imposto sobre herança, que normalmente incidiria sobre o valor de seus bens, “seria erradicado”;  05) CONTINUIDADE: a fundação privada oferece meios pelos quais seus bens podem continuar sendo administrados de acordo com o desejo do fundador, mesmo após seu falecimento, de modo que os membros mais fracos de sua família possam ser protegidos dos demais, do mesmo modo que o membro perdulário de sua família possa ser protegido de si mesmo (já pensou, até depois de você “bater-as-botas” os benefícios permanecem); e 06) EVASÃO DE LEGITIMAÇÃO: uma fundação privada oferece meios pelos quais os seus bens possam ser passados sem percalços para sua “PRÓXIMA GERAÇÃO” sem interrupções, atrasos, custos substanciais, perda de confidencialidade, associada com o procedimento de legitimação necessariamente subseqüente, caso você não utilize uma fundação privada.
Sacaram ??? Entenderam agora o “porque” de tanta caridade ??? A razão de tanto ”desprendimento” ??? A incrível, recorrente e desmesurada avidez à busca de se criar uma “FUNDAÇÃO” ??? Observaram que, no fundo no fundo, quem tem muito não está realmente nem um pouco preocupado com o pobre ou o carente, mas tão somente USANDO-OS como uma espécie de “MOEDA-DE-TROCA” ??? É decepcionante e constrangedor, pois, constatar que a “magnanimidade” incursa no ato de criação de uma FUNDAÇÃO tem “pés de barro”, já que mero papo furado, conversa pra boi dormir.
Portanto, trate de “se ligar”, mantenha as antenas bem direcionadas: da próxima vez que ouvir relatos piegas e lacrimejantes sobre o “enorme coração” de fulano ou beltrano (Xuxa, Raí, Cafu e outros), pense no que está por trás da equação “PODER+MAGNANIMIDADE=FUNDAÇÃO”: muita hipocrisia e segundas-intenções. E tudo isso cuidadosamente acondicionado em embalagens reluzentes e enganadoras. Na literatura da “ciência econômica”, definiríamos tal artifício de “fetichismo”.
Ou será que agora você vai preferir criar sua própria “FUNDAÇÃO”  ???


AS TRÊS PALAVRAS MAIS ESTRANHAS                       Wislaya Szymborska 

Quando pronuncio a palavra Futuro
a primeira sílaba já pertence ao passado.

Quando pronuncio a palavra Silêncio,
destruo-o.

Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não-ser.
Tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves

A POESIA DE WISLAWA SZYMBORSKA

Wisława Szymborska (Kórnik, 2 de Julho de 1923Cracóvia, 1 de fevereiro de 2012) foi uma escritora polonesa.

Destacou-se como poetisa com uma obra que tem como tema as vicissitudes da Polônia moderna. Emprega uma linguagem simples e coloquial, herança do realismo social que dominou a Europa oriental, mas sua modernidade se revela no tom irônico e na complexidade formal de muitas de suas poesias.

Recebeu o Nobel de Literatura de 1996.   (Fonte: Wikipédia)


FOTOGRAFIA DO 11 DE SETEMBRO  
   
Pularam dos andares em chamas-
um, dois, alguns outros,
acima, abaixo.
A fotografia os manteve em vida,
e agora os preserva
acima da terra rumo à terra.
Ainda estão completos,
cada um com seu próprio rosto
... e sangue bem guardado.
Há tempo suficiente
para cabelos voarem,
para chaves e moedas
caírem dos bolsos.
Permanecem nos domínios do ar,
na esfera de lugares
que acabam de se abrir.
Só posso fazer duas coisas por eles-
descrever este voo
e não acrescentar o último verso.



Os filhos da época


Somos os filhos da época,
e a época é política.
Todas as coisas - minhas, tuas, nossas,
coisas de cada dia, de cada noite
são coisas políticas.
Queiras ou não queiras,
teus genes têm um passado político,
tua pele, um matiz político,
teus olhos, um brilho político.
O que dizes tem ressonância,
o que calas tem peso
de uma forma ou outra - político.
Mesmo caminhando contra o vento
dos passos políticos
sobre solo político.
Poemas apolíticos também são políticos,
e lá em cima a lua já nao dá luar.
Ser ou não ser: eis a questão.
Oh, querida que questão mal parida.
A questão política.
Não precisas nem ser gente
para teres importância política.
Basta ser petróleo, ração,
qualquer derivado, ou até
uma mesa de conferência cuja forma
vem sendo discutida meses a fio.
Enquanto isso, os homens se matam,
os animais são massacrados,
as casas queimadas,
os campos se tornam agrestes
como nas épocas passadas
e menos políticas.

CRIANÇA TEM CADA UMA...


Miguel, meu neto de 2 anos e 6 meses, “brincava”  com o cachorrinho da foto, ganho naquele dia, na frente da TV,  atrapalhando a visão do jogo Chelsea X Bayer no  último sábado.  O pai mandou que ele levasse o animal para o quintal e o deixasse em paz.  Logo depois, o cãozinho volta a latir na sala ao lado. O genro perguntou “Miguel , levou o animal para a casinha?”.  Ele respondeu “sim”.
Minutos depois novos latidos desesperados e o  pai perguntou: “Miguel, por que o cachorro está latindo? “
Resposta de Miguel:  “ Porque eu menti...”