por José do Vale Pinheiro Feitosa
Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.
José do Vale P Feitosa
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
Um dia de setembro- socorro moreira
Manhã nublada. Terra seca.
Árvores desfolhadas. Aquele pé de laranja da terra?Agora é pitombeira!
Vento quente. É
domingo no parque solitário.
Procuro os eucaliptos.
Aspiro memória. Paisagem antiga é foto.
Porco espinho, macaco,
arara, jacaré, onça...?
Algazarra infantil, aplausos,
vaias,assobios!
“Chuva traz o meu
benzinho...”
Chuva que se esqueceu
de pingar nesta manhã, dia último do mês de setembro.
È primavera!
As rosas não dizem.
Ando pelas rampas do
S.Francisco, hoje metálicas, marmorizadas, frias... Desde pequena percorro
estes labirintos com sentimentos e passos diferentes.
Curetagens, partos, aneurismas,
apendicite, vesícula... Deus abençoe quem vive por lá, no dia a dia!
Lembro o teto, o frio,
o verde das batas, o rosto de Doutor Eldon, Egberto, o suco de uva com biscoito
de maisena. O caminhar da saída... Aleijadinha!
Agora o anjo tem barba
e se chama Zé Flávio!
Lá fora ainda existem
propostas de vida, disputas políticas, o conforto de ficar em casa... O tédio
do lar!
Quero muito este
silêncio impositivo. A fala é o último sentido que para? Ou o único telepático?
Quero ainda fazer
muitas pontas de lápis, bolinhas de papel incontáveis...
Hoje é domingo. Meu
sorriso está encantado. Estou em contato com a dor humana. Aprendo o que não
sei: cuidar!
Concentro-me. Conselho
do Emersom...
-Eis o caminho da paz!
Novos dias virão. De
qualquer jeito precisamos passar batom para esperá-los!
Estraguei a horta?- por socorro moreira
Acompanho dia e noite
os processos do mensalão. Fim da impunidade?
A terminologia
jurídica nem sempre é convincente. Ausenta-me da poesia.
A música quase
pertence a um paraíso perdido.
O escritor Zé do Vale me
faz cantarolar, vez em quando...
Cinema, novela, gastronomia,
resgate de alegrias, parecem entorpecidas por um analgésico mortífero.
Vale um valium?
Não sinto dores. Nem
sei se é melhor viver ou dormir. Mas, vai passar... O coração ainda sabe amar.Ele é perfeito, na linguagem telepática.
A Faca e a Bainha
O
Coronel Sinfrônio Arnaud era sério que só um touro mijando. Homem de uma só
palavra, volta-seca e positivo como um pólo de bateria, sempre foi
respeitadíssimo em Matozinho. Trazia aquela sistemática do berço. Ainda menino,
entrou na cozinha de casa e, desavisadamente, encostou o cotovelo numa caçarola
quente, queimando-o. A mãe saltou de lá
com um “bem-feito ! Naõ sei o que é que quer menino em cozinha!” . O menino
Arnaud , ainda com rosto de sofrimento, rebateu : “Nem eu !” Já beirava os
oitenta e, desde aquele dia, nunca mais na vida entrou numa cozinha. Fazia
muitas vezes os percursos mais oblíquos, mas mantinha a decisão tomada na
infância. Quando perguntavam a razão de aquela opinião perdurar por tantos
anos, dizia :
---
Não é nada, não! Me dá sobrosso !
Arnaud
pôs no mundo uma récua de treze filhos e, como sempre acontece, alguns
terminaram lhe trazendo dor de cabeça. Viviam em tempos menos rígidos, onde as
amarras da moralidade já tinham se esfacelado e terminaram por colidir com as
leis inflexíveis do pai. Sinfrônio fechou-se como pequi verde , ignorou-os e, pior, fingiu que não existiam. Não mais quis saber
deles, sequer mencionava seus nomes em conversas informais e quando alguém os
citava , perguntava :
---
Quem ? Afrodízio ? Isabel? Conheço , não
senhor ! É daqui de Matozinho ?
Um
compadre seu, preocupou-se. Arnaud , por último, já negava a existência de
cinco filhos. Dizia, sempre: “Cortei um dedo ! Não quero mais saber!” O
compadre procurou o amigo e, usando da amizade que os unia há tantos anos,
pediu a Sinfrônio que abrandasse o coração, reconsiderasse, não havia condições
de afastar-se de tantos rebentos como ele vinha fazendo, Cinco dedos cortados ! Pediu para servir de
intermediário na reaproximação, os tempos eram outros e filho é assim mesmo ,
um criatório difícil e sem futuro. O Coronel, no entanto, deu o maior pulo:
---
Não sei que loucura é essa que você tá falando, compadre. Eu só tenho oito
filhos, não sei quem são esses outros aí,
não ! Eu já tô conformado mesmo, de tanto arrancar dedo, vou terminar
cotó !
Homem
vivido, com um Código de Ética tão rígido, Sinfrônio terminou por se tornar uma
espécie de conselheiro das novas gerações. Qualquer emboança em Matozinho e cercanias, terminavam batendo à porta do Coronel para
pedir sua abalizada opinião. Os interessados geralmente faziam um minucioso
relato da sinuca de bico por que estavam passando e , logo depois, vinham as
questões inevitáveis : Mato ou não mato ? Caso ou não caso ? Capo ou não capo
?
Pois
bem, naquele dia, ainda cedinho, bateu à porta de Sinfrônio, um tal de
Bartolomeu Calangro, vindo de Bertioga. Apeou-se, gritou um “ô de casa”
característico e aguardou a vinda da
velha empregada da casa. Solicitada a audiência, foi endereçado aos fundos , onde
encontrou o Coronel sentado, fazendo palitos de marmeleiro.
Identificou-se e, então, desfiou seu problema :
---
Coronel, vim aqui pedir sua opinião num caso chato que me aconteceu. Tenho uma
filha chamada Filismina , tá com uns vinte anos, naquela idade agoniada que
fica parecendo rolinha em galho de jurema, saltando de um lado pro outro com
medo de tiro de espingarda. Pois bem ,
caiu de namoro com um cabra sem futuro lá de Bertioga, desses que vivem com um
violão embaixo do braço e um disco de Roberto Carlos debaixo do outro, prá cima
e prá baixo. Pressionei de um lado, a mãe arrochou do outro, mas de nada
adiantou: aí é que o namoro pegou fogo. Ontem vieram me contar que o safado
ofendeu ela. Ela cresceu os peitos, anda vomitando pelos cantos, acho que tá
buchuda. Ele diz que quer casar. Resolvi matar o sem-vergonha e lavar a honra
da casa. Mas antes, resolvi vir falar com o senhor ! Me diga aí, eu num tô
certo ?
Sinfrônio
ouviu com atenção de psicanalista o relato de Bartolomeu. Com tanto desmantelo
mundo afora, vinha ficando especialista, nos últimos anos, na especialidade de
descabaçamento de donzela. Ao invés de emitir a opinião abalizada,
estranhamente, o Coronel voltou-se para o cliente e perguntou:
---
Bartolomeu, você tem uma faca aí ?
Calangro
estranhou, mas , que jeito ? Arrastou do
vazio uma lambedeira de doze polegadas e estirou na direção de Arnaud:
---
Tenho, sim ! Taqui, coronel !
Sinfrônio
desembainhou a jardineira , tomou a bainha nas mãos e devolveu a facona a
Bartolomeu.
---
Agora, Bartolomeu, eu quero que você embainhe essa faca aí nessa bainha que
está aqui na minha mão.
Calangro
não entendeu nada. Imaginou que o coronel estava tresvariando. Mesmo assim
seguiu sua ordem. Levou a faca até a
bainha que estava na mão do coronel, só que à medida que aproximava a lâmina,
Sinfrônio mudava subitamente a posição da bainha, ora pra baixo, ora pra cima,
ora de lado. Ficaram nessa luta por uns cinco minutos, até que Bartolomeu
desistiu:
---
Não Coronel, desse jeito não tem que embainhe faca não, o senhor num para num
canto, é só mexendo a bainha pra lá e pra cá...
Sinfrônio,
então, matou uma charada , até então insolúvel :
---
Tá vendo , Bartolomeu ? Se a bainha não quiser,
a faca não entra! Filismina gostou do movimento, ficou paradinha danada
! E você quer fazer uma besteira
dessas ? Mata o pai do seu neto, vai
preso, a família vai ficar desamparada e o pior de tudo, agora que a bainha de
Filismina tá acostumadinha, num pode viver sem a faca , não, homem de Deus !
Sem o noivo não vão faltar outras facas,
facões, canivetes e quicés...
J. Flávio Vieira
Leiloando o último hímen do final de um ciclo histórico - José do Vale Pinheiro Feitosa
É notícia destacada a história da Catarinense Ingrid Migliorini
que faz um leilão internacional de sua virgindade. Novidade alguma há nesta
história em termos deste matadouro entre homens e mulheres. Comer é o termo
ainda hoje usado por esta cultura.
No entanto esse fato é diferente: é o que se chama “produto”
para venda no mercado. Apenas lembra aquelas velhas práticas entre velhos babaus
de cabaré a disputar com suas riquezas as jovens debutantes do prostíbulo.
Agora é um produto com marketing internacional, a Catarinense encontra-se em
Sidney na Austrália, que é o “Sol Dourado” da juventude terceiro mundista.
É um produto tipicamente de mídia. Serve para vender notícia
e prender nossos cérebros às idiotices escapistas diante destas ruas cheias de
mágoas, revoltas e de loucos com armas nas mãos a ceifar vidas como se roçam
ervas no campo.
Hoje apareceu o mais perfeito babaca do machismo latino-americano:
um tal Oscar Maroni, que tem no currículo duas mil relações sexuais, diz que já
passou um final de semana com a menina mas não a “abateu” em face da
resistência criada por ela de um pagamento de 100 mil reais. O Maroni come de
graça, é dono do clube privê “Bahamas” atualmente sob mira da justiça.
O preço máximo para o “hímen de ouro” já foi apresentado e o
martelo bateu o lance: setecentos e oitenta mil dólares ou um milhão e meio de reais.
Dizem que um Japonês, parecido com aquele que ficou cinquenta anos escondido
numa floresta sem saber que a guerra tinha acabado, rematou o lance e terá seu “produto”
nos termos da virgem.
Os termos do leilão: uma hora com ela, não pode beijar, não
pode usar apetrechos de sex shop, usar preservativos, pagar adiantado, comprador
pode ter a identidade revelada e assim vai. Segundo os termos do lance a cópula
acontecerá à bordo de uma avião entre a Austrália e os EUA (conclui-se que num
jatinho particular).
Ente a Austrália e os EUA acontece a rota em que se faz
efetivamente os “produtos” globalizados de certa classe média, inclusive
brasileira, que gosta de falar inglês, só escuta música nesta língua, sonha com
a Austrália e a Nova Zelândia e trabalhar numa multinacional frente a um
computador, com telefones de orelha a vender coisas intangíveis e à distância.
É um produto, como diriam os velhos de hoje e jovens de
antigamente: um Produto Imperialista. Decadente como o exemplo, mas um produto
do final de um ciclo histórico.
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