por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 27 de julho de 2025

 OS “HUNOS” DO CONGRESSO    (editorial do ESTADÃO, de 24.07.25) 

“A título de salvar seu encalacrado líder, parlamentares bolsonaristas não se importam em tumultuar o País com ameaças de impeachment de ministro do STF e a defesa de uma inaceitável anistia. 

A horda bolsonarista instalada no Congresso reagiu às medidas cautelares impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro para gritar a quem quis ouvir: a partir de agosto, com o fim do recesso parlamentar, a prioridade dessa turma será trabalhar pelo impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), reavivar o projeto de anistia aos golpistas envolvidos no 8 de Janeiro, definidos por eles como “presos políticos”, e desengavetar um projeto de emenda constitucional que acaba com o foro especial por prerrogativa de função para crimes comuns, mantendo-o apenas para a cúpula dos Três Poderes e o vice-presidente da República – engenharia nada sutil para tirar do Supremo processos como o que está em curso contra Bolsonaro. O grupo de parlamentares, liderado pelo PL, partido do ex-presidente, também planeja organizar um discurso “unificado” e organizar atos pelo Brasil em apoio a Bolsonaro e contra as decisões do STF. 

Nenhuma dessas iniciativas tem grandes chances de prosperar na Câmara e no Senado, mas esses liberticidas estão mais interessados em outra coisa. Apostam, antes de tudo, em sua capacidade de espalhar brasas onde já há fogo e levar adiante pautas que funcionam como bandeiras simbólicas para mobilizar a militância, difundir a falsa ideia de que o País está sob uma ditadura do Judiciário, servir de arma para o discurso vitimista de Bolsonaro e, sobretudo, produzir inimigos e criar um ambiente de convulsão social. Para essa tropa, como resumiu a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), só há dois inimigos a enfrentar: Lula da Silva e Alexandre de Moraes, como se culpados fossem pelas sanções impostas ao Brasil por Donald Trump. 

Nada surpreendente para um grupo que representa um ideário que se fez no caos, na mentira e na distorção da realidade – e disso se alimenta. Não se deve tirar-lhes o direito de espernear e produzir factoides para satisfazer os próprios delírios, pois afinal vivemos numa democracia. Mas não nos deixemos enganar pela natureza da coisa. Assim como ocorreu com os vândalos golpistas que, entre o fim de 2022 e o início de 2023, ultrapassaram a fronteira da liberdade de expressão e de mobilização, está-se diante de mais um capítulo do longo enredo de desprezo do bolsonarismo pelas instituições. 

Fiel à violência política congênita do seu principal líder, o bolsonarismo sempre se mostrou como um ideário retrógrado, personalista e antinacional, mas hoje seus sabujos só se prestam a uma causa: proteger o encalacrado padrinho. 

Para tanto, vale tudo, especialmente a retórica destrutiva que afronta instituições, intimida adversários e despreza a paz social e política desejada pela maioria dos brasileiros. Pugnar pelo impeachment de ministros do STF, demonizar o Judiciário, pregar uma anistia “ampla, geral e irrestrita” ou alinhar-se vexatoriamente a Trump em sua ofensiva para prejudicar o Brasil hoje equivale àquilo que, no passado recente, destinou-se a desacreditar as urnas eletrônicas, instilar dúvidas sobre o processo eleitoral e criar o clima para a ruptura. 

Vale tudo, desde que seja a serviço de uma causa que nada tem a ver com as reais necessidades do País nem com o suposto vezo autoritário do STF. É tudo apenas para salvar Bolsonaro da cadeia – algo que, na sintaxe bolsonarista, equivale a salvar a democracia. Mas é pura malandragem, pois, como se sabe, o mito fundador do bolsonarismo jamais pensou em outra coisa senão nele mesmo e na sua família. 

Esse método está no manual do guerrilheiro bolsonarista, que ensina a tumultuar para triunfar. Bolsonaro passou a vida destilando ódio em seus atos e falas – seja como mau militar, quando manchou a farda com sua indisciplina, seja como deputado, quando defendeu o fechamento do Congresso e o fuzilamento de adversários, seja como presidente, quando ameaçou jornalistas, desacreditou o sistema de votação e sabotou a vacina contra a covid-19 só porque foi produzida por um adversário político. 

Como toda força reacionária e destrutiva, os bolsonaristas atuam como os hunos: por onde passam, nem grama nasce.”

 COISA DE MAFIOSOS (editorial do Estadão de 10.07.25)

"O presidente americano, Donald Trump, enviou carta ao presidente Lula da Silva para informar que pretende impor tarifa de 50% para todos os produtos brasileiros exportados para os EUA. Da confusão de exclamações, frases desconexas e argumentos esquizofrênicos na mensagem, depreende-se que Trump decidiu castigar o Brasil em razão dos processos movidos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro pela tentativa de golpe de Estado e também por causa de ações do Supremo Tribunal Federal (STF) contra empresas americanas que administram redes sociais tidas pelo STF como abrigos de golpistas. Trump, ademais, alega que o Brasil tem superávit comercial com os EUA e, portanto, prejudica os interesses americanos.

Não há outra conclusão a se tirar dessa mixórdia: trata-se de coisa de mafiosos. Trump usa a ameaça de impor tarifas comerciais ao Brasil para obrigar o País a se render a suas absurdas exigências.

Antes de mais nada, os EUA têm um robusto superávit comercial com o Brasil. Ou seja, Trump mentiu descaradamente na carta para justificar a medida drástica. Ademais, Trump pretende interferir diretamente nas decisões do Judiciário brasileiro, sobre o qual o governo federal, destinatário das ameaças, não tem nenhum poder. Talvez o presidente dos EUA, que está sendo bem-sucedido no desmonte dos freios e contrapesos da república americana, imagine que no Brasil o presidente também possa fazer o que bem entende em relação a processos judiciais.

Ao exigir que o governo brasileiro atue para interromper as ações contra Jair Bolsonaro, usando para isso a ameaça de retaliações comerciais gravíssimas, Trump imiscui-se de forma ultrajante em assuntos internos do Brasil. É verdade que Trump não tem o menor respeito pelas liturgias e rituais das relações entre Estados, mas mesmo para seus padrões a carta endereçada ao governo brasileiro passou de todos os limites.

A reação inicial de Lula foi correta. Em postagem nas redes sociais, o presidente lembrou que o Brasil é um país soberano, que os Poderes são independentes e que os processos contra os golpistas são de inteira responsabilidade do Judiciário. E, também corretamente, informou que qualquer elevação de tarifa por parte dos EUA será seguida de elevação de tarifa brasileira, conforme o princípio da reciprocidade.

Esse espantoso episódio serve para demonstrar, como se ainda houvesse alguma dúvida, o caráter absolutamente daninho do trumpismo e, por tabela, do bolsonarismo. Para esses movimentos, os interesses dos EUA e do Brasil são confundidos com os interesses particulares de Trump e de Bolsonaro. Não se trata de “América em primeiro lugar” nem de “Brasil acima de tudo”, e sim dos caprichos e das ambições pessoais desses irresponsáveis.

Diante disso, é absolutamente deplorável que ainda haja no Brasil quem defenda Trump, como recentemente fez o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que vestiu o boné do movimento de Trump, o Maga (Make America Great Again), e cumprimentou o presidente americano depois que este fez suas primeiras ameaças ao Brasil por causa do julgamento de Bolsonaro.

Vestir o boné de Trump, hoje, significa alinhar-se a um troglodita que pode causar imensos danos à economia brasileira. Caso Trump leve adiante sua ameaça, Tarcísio e outros políticos embevecidos com o presidente americano terão dificuldade para se explicar com os setores produtivos afetados.

Eis aí o mal que faz ao Brasil um irresponsável como Bolsonaro, com a ajuda de todos os que lhe dão sustentação política com vista a herdar seu patrimônio eleitoral. Pode até ser que Trump não leve adiante suas ameaças, como tem feito com outros países, e que tudo não passe de encenação, como lhe é característico, mas o caso serve para confirmar a natureza destrutiva desses dejetos da democracia.

Que o Brasil não se vergue diante dos arreganhos de Trump, de Bolsonaro e de seus associados liberticidas. E que aqueles que são verdadeiramente brasileiros, seja qual for o partido em que militam, não se permitam ser sabujos de um presidente americano que envergonha os ideais da democracia."