por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



segunda-feira, 22 de outubro de 2018

O RISCO BOLSONARO


O Jornal de todos Brasis

por Juliana Moreira, Carolina Bueno e Grazielle Cardoso
Enquanto estivermos em uma democracia, é possível discordar do governo, fazer oposição, escrever textos, ir a manifestações. Deve-se temer um candidato que sempre afirmou não ter existido ditadura no Brasil, negando a história e incitando ódio e violência abertamente.

Na década de 1980, quadros de todos os campos políticos, da direita à esquerda, como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Leonel Brizola, Miguel Arraes, André Franco Montoro, Dante de Oliveira, Mário Covas, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, lutavam pela redemocratização do país e por eleições diretas.
No entanto, depois de 21 anos de ditadura militar, foi somente com a promulgação da Constituição de 1988 que a democracia foi restaurada e tivemos pela primeira vez na história do país garantidos os direitos sociais.
Por que voltar tão longe na nossa história? Para mostrar que, depois de 30 anos, é justamente o pacto democrático de 1988 que está ameaçado pela candidatura do deputado Jair Bolsonaro nessas eleições.
Instituições e especialistas, através de notas, opiniões, entrevistas, estudos etc., tanto de projetos da direita quanto da esquerda, alertam do perigo à democracia caso um presidente de extrema-direita suba à cadeira de presidente do país.
Os mais conceituados jornais do mundo publicaram textos nas últimas semanas alertando sobre o risco. O Washington Post aponta que ascensão de Bolsonaro é um novo golpe para a democracia liberal. The Guardian diz que a democracia está em perigo no Brasil. A revista The Economist afirmou que o deputado é uma “ameaça para América Latina” e suas propostas para o Brasil são “brutais“. “Um populista de direita, defendeu a deplorável ditadura militar que governou o País entre 1964 e 1985 e justificou o uso da tortura”, no New York Times.
As declarações feitas pelo deputado Bolsonaro:
Em entrevista, o deputado afirma que o economista Chico Lopes, que junto com Pérsio Arida, André Lara Resende e Edmar Bacha, formulou o Plano Cruzado, deveria ser submetido a um “pau de arara”; se declara a favor da tortura e da sonegação de impostos, diz que fecharia o congresso nacional e daria um golpe no primeiro dia de governo; afirma não acreditar no voto, e que o país só irá mudar quando houver uma guerra civil e matar 30 mil, começando com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
O ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, que deixou o PSDB e foi para o Partido Novo assumir o programa do João Amoedo, afirmou em entrevista que a convocação de Paulo Guedes é mais uma jogada oportunista, pois não crê que o deputado Jair Bolsonaro tenha nenhuma afinidade com agendas pró-mercado e que “o risco de vitória desse populismo nacionalista militarista é preocupante”.
Alguns exemplos desse populismo militarista:
O deputado encoraja os pais a ensinarem os filhos de cinco anos de idade a atirar. Ele próprio começa a ensinar uma criança, de cerca de 4 anos, a fazer o sinal de uma arma, e brada “temos que rasgar o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e jogá-lo na latrina”.
Exalta um dos maiores torturadores do regime militar, o Coronel Brilhante Ustra – aquele que além de torturar, levava os filhos para verem suas mães serem torturadas; deseja a morte da Dilma “infartada, de câncer ou de qualquer maneira“, exalta o fuzilamento da “petralhada do Acre“, se diz contra as minorias, e encoraja os pais a darem uma palmada, uma cintada, um “côro” nos filhos para “entrarem na linha” e mudarem o comportamento sexual.
Ou seja, trata-se de um candidato que declara fuzilar adversários; que exalta e homenageia torturadores. Formas explícitas de incentivo à violência e tortura, do uso da moral e da religião (que contradição, hein?), compõe sua campanha eleitoral, e levaram Bolsonaro ao segundo turno na corrida presidencial, com mais de 40 milhões de votos.
Qual o risco da naturalização de atitudes desumanas, autoritárias, e de violência explícita?
Há trinta anos, todos os presidentes desde a redemocratização – Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula, Dilma – respeitaram e cumpriram o padrão democrático selado em 1988. Nenhum deles despreza abertamente o sistema de liberdades e garantias selado em 1988, como faz o deputado Bolsonaro.
Em palestra na Fundação Fernando Henrique Cardoso, o professor da Universidade de Harvard, Steven Levitsky, autor do livro “Como morrem as democracias”, alertou para o risco de o Brasil eleger um potencial autocrata:
Se um candidato, em sua vida, carreira política ou durante a campanha, defendeu ideias antidemocráticas, devemos levá-lo a sério e resistir à tentação de apoiá-lo, ainda que, diante de circunstâncias momentâneas, pareça ser uma opção aceitável”.
Devemos fazer todo o possível para evitar que um candidato antidemocrata conquiste o poder, pois, ao chegar lá, não tenha dúvida de que ele colocará em prática suas ideias autoritárias. Para impedir que isso ocorra, vale até mesmo se aliar a adversários políticos com opiniões diversas, desde que firmemente comprometidos com a democracia”.
É importante lembrar que o Partido dos Trabalhadores foi fundado em 1980, justamente lutando pelo fim do regime militar e pela democracia do país. Não faz sentido histórico associar o PT com qualquer tipo de ditadura. Muito embora não concordemos com esse ou aquele projeto, posições partidárias diferentes, PT e PSDB, ou qualquer outro partido, mesmo que muitos de seus quadros estejam presos ou envolvidos em escândalos de corrupção, é preciso reconhecer a importância desses partidos para a consolidação das instituições brasileiras, de programas e projetos.
Os partidos políticos, com seus defeitos e qualidades, suas contradições, são instituições da nossa democracia e nenhum deles feriu isso. O deputado Bolsonaro sim. Que também apresentou ser contra as instituições multilaterais, como a ONU (Organização das Nações Unidas) e defendeu a saída do Acordo de Paris. Não podemos negar a história e, sim, aprender com ela. E a democracia é uma das maiores conquistas, não só do Brasil, mas de vários países em todo o mundo.
A quem interessa, em nome de “exterminar a corrupção”, fragilizar e destruir as instituições e os partidos políticos?
Se conseguirmos nos afastar por um minuto do argumento “a corrupção é o maior problema do Brasil e o PT é maior expressão do que é ser corrupto” talvez seja possível recuperar a capacidade de julgar e entender o risco à nossa frágil e recente democracia. E que ainda estamos caminhando e aprendendo com ela.
O empresário Ricardo Semler, que não compartilha dos pressupostos programáticos do PT e até pouco tempo era filiado ao PSDB, escreveu em artigo de opinião intitulado “Alô companheiros de elite. Não vamos deixar o pavor instruir nossas escolhas”, que é estarrecedora a tese de que “qualquer coisa é melhor do que o PT”. Ele dá o exemplo da eleição de Lula em 2002, quando as elites diziam que 800 mil empresários deixariam o país caso o PT ganhasse as eleições, e em seguida os principais empresários viraram conselheiros próximos de Lula.
No final do artigo, Semler faz um apelo: “Colegas de elite, acordem. Não se vota com bílis. O PT errou sem parar nos 12 anos, mas talvez queria e possa mostrar, num segundo ciclo, que ainda é melhor do que o Centrão megacorrupto ou uma ditadura autoritária. Foi assim que a Europa inteira se tornou civilizada. Precisamos de tempo, como nação, para espantar a ignorância e aprendermos a ser estáveis. Não vamos deixar o pavor instruir nossas escolhas. O Brasil é maior do que isto, e as elites podem ficar, também. Confiem”.
Pode haver discordância dos caminhos trilhados nos dois governos de FHC ou nos mandatos de Lula e Dilma, mas, cada um à sua maneira, contribuiu para fazer valer o que pactuamos em 1988:  “um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias” (preâmbulo da Constituição).
No entanto, agora estamos em uma encruzilhada histórica.
Enquanto estivermos em uma democracia, é possível discordar das opções políticas do governo, fazer oposição, escrever textos, andar nas ruas se manifestando contra as políticas econômicas e sociais do governo. O deputado Bolsonaro fez sua trajetória política afirmando não ter existido ditadura no Brasil, ou seja, nega a história e desrespeita a democracia. Apoia e homenageia um dos maiores torturadores do regime militar, fala em fuzilar adversários em evento de campanha, acabar com o congresso, e ainda incita o ódio e a violência abertamente. Recentemente, questionou a legitimidade das urnas gerando desconfiança eleitoral na população.
Na democracia é que é possível convivermos e expressarmos nossas ideias. O aumento do grau de intolerância nas ruas já é sinal do enorme risco que estamos expostos.
No campo democrático, a gente sempre joga melhor.
Juliana Moreira - É economista pela UFRJ, especialista em Políticas Públicas, doutoranda em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp e integrante do GT sobre Reforma Trabalhista IE/Cesit/Unicamp
Carolina Bueno - É pesquisadora pelo Núcleo de Economia Agrícola e do Meio Ambiente da Unicamp e doutoranda pelo Instituto de Economia da Unicamp
Grazielle Cardoso - é economista pela Universidade Federal de São Carlos e mestranda em Desenvolvimento Econômico pelo Núcleo de Economia Agrícola e Meio Ambiente da Unicamp