por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 24 de agosto de 2014


domingo bílis.
ele estava sentado atrás de um balcão encardido de um bar encardido. o cara atrás do balcão, olhos chorosos, reclamava de uma dor de dente infernal e de uma noite que não terminaria nunca. ele sorriu. imaginou essa noite sem fim. o copo. uma dose de algo que nunca acabasse. o cara do balcão perguntou as horas pela vigésima vez. ele disse que não importava, visto que a noite não terminaria. ela apareceu com os olhos de quem já tinha tentado outras vezes. sorriu,... ou pensou que sorria. errou o nome dele, ele não se importou. abraçou-a como se ela fosse a última oportunidade de fugir dessa noite sem fim. ela perguntou coisas, ele respondeu outras. não importava a falta de nexo. o filme continuava. ela disse que não sabia mais o que fazer. ele sugeriu outra dose de qualquer coisa. ela aceitou. ela aceitaria qualquer coisa. ele pegou os dois capacetes e seguiu em direção a moto. ele sabia que ela iria. ela reclamou do frio. sempre faz frio quando se está só, ele disse. depois da trepada ela perguntou seu nome. ele acendeu um cigarro. ela perguntou que musica era aquela. ele inventou um nome. ela dormiu. ele ainda ficou um tempo fumando outro cigarro e olhando as tatuagens nas costas dela. pensou em um mapa. pensou no cara do balcão. a noite. sem fim. a madrugada entrou pela janela pequena e ele se sentiu aliviado. ela faria café. e depois iria embora. com seus mapas nas costas. ela estava tão perdida quanto ele. pelo menos até que chegasse outra noite sem fim.


 

GUERNICA - O CUBISMO DA MORAL CAPITALISTA - José do Vale Pinheiro Feitosa

O vento aqui no litoral é o centro cinético do estar. Penteado por ele, banhado pela folhagem cascateante, o écran, no entanto, rouba-me a atenção. De salto em salto em certos endereços “internéticos”, chego a um filme da BBC (afixada pelo substantivo Londres) sobre o quadro Guernica de Pablo Picasso.

Nome reduzido de Pablo Diego José Francisco de Juan Nepomuceno Maria de los Remédios Cipriano da Santíssima Trindade Ruiz y Picasso. Esse longo e severo caminho do reacionarismo, pervertido e decadente da Espanha Imperial, dominada pela mais perversa facção da Igreja Católica Apostólica Romana. A Igreja matriz da alma inquisitória.    

O gênio do nome reduzido, fragmentando toda a pintura neoclássica dos Cavalheiros do Absolutismo não coube nas malhas sangrentas de sua Espanha. Paris era outro universo. Outro tempo, mais do que outro espaço. O poder do gênio sobre sua arte era tal que o reconhecimento público o suspendeu acima do comezinho das malhas sangrentas.

A ação do pintor e escultor derrubou todo o universo plástico daquela Europa cuja arte já era menor do que a fotografia. Uma foto dizia sobre aquele retratismo mais do que os traços e cores da herança renascentista, clássica e romântica. As marcas da luz na solução de prata eram mais perfeitas que os pincéis.

Mas não é nesta confrontação técnica que o problema do mundo se encontrava. Embora Picasso e sua era pensassem que fosse. A questão do mundo era política: a pobreza devastava as famílias e, no entanto, nunca houvera época anterior com tanta capacidade produtiva quanto as máquinas.

Picasso estava no cerne da revolução. Estava e não sabia que ela fosse política. As marchas nazifascistas nada lhes despertavam de consciência. A sua Espanha sangrava entre a força progressista da República Democrática e o reacionarismo militante da igreja medieval aliada de latifundiários e forças armadas de longos nomes com o de Picasso.

Mas, segundo a BBC, havia um antecedente político a infernizar a revolução estética de Picasso. Era igualmente Espanhol. Chamava-se Francisco Goya denunciando em sua pintura a luz maligna da destruição e da perversidade destrutiva das elites ameaçadas. E Picasso visitou sua Espanha aflita.

O famigerado surrealista Salvador Dali aderira às hostes reacionárias. Picasso foi convocado, mas recusou-se. Quando já em Paris uma bomba atingiu o Museu do Prado e seu fabuloso acervo. Picasso aceitou ser diretor do mesmo e transferiu muitas obras para Valencia. Uma das províncias republicanas.

Numa tarde o território Basco espanhol foi palco de um teste Alemão e Italiano sobre convocação de Francisco Franco o grande ditador do século XX espanhol. Bombas lançadas por aviões, arrasaram a pequena, desarmada, inofensiva, sem qualquer importância estratégica ou tática povoação de Guernica.

Nada ficou em pé. Morreu tanta gente quanto os palestinos em Gaza atualmente. Um cronista inglês descreveu a cena e suas consequências. Fotografou os escombros. Picasso viu a matéria num jornal de Paris com a foto expondo o deletério poder de destruição e de desgraça humana.   

Era 1937. Espanhóis na resistência ao poder fascista convocaram Picasso a se fazer presente com alguma manifestação no Pavilhão da República na Exposição Internacional de Paris. Picasso começou com uma série de postais cubistas, como uma história em quadrinhos que destruíam a imagem do franquismo. Mas não deu consequência a esta história.

Começou, então, a pintar o grande Painel que é Guernica. Uma construção cubista arrasadora e sem esperanças. Nela todo otimismo que pudesse existir na pós-destruição é anulado com a decomposição figurativa da maldade humana. Guernica é um profundo soco na moral, na ética e nos resultados do capitalismo triunfante, embora em sua fase destrutiva.

O efeito da pintura é politicamente revolucionário. É uma denúncia da moral argentária individualista que se assenhorou de todo o arcabouço social e econômico. Por isso, conta uma lenda, que um oficial nazista pressionando Picasso com as famosas incursões de amedrontamento, trazendo nas mãos um postal da pintura perguntou a ele: “Você fez esta pintura?” Picasso teria respondido: “Não, foram vocês!”

O fecho contínuo e não fabulado do espírito imoral do sistema capitalista. Autoridades americanas, através de um conjunto de mentiras, foram até a ONU anunciar a guerra ao Iraque. General Colin Powell se antecipando à máquina de destruição em massa termina o anúncio e vai para uma entrevista apocalíptica para iraquianos e terceiro mundistas.


Na sala em que daria a entrevista havia um grande painel reproduzindo a pintura Guernica de Picasso. Os cínicos imundos cobriram a pintura com um doce pano azul. As imagens do General não poderiam ser reportadas diante daquela denúncia.