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A palavra
de Lampeão, o monarcha selvagem dos sertões
Os
dados e as informações sobre que escrevemos esta reportagem foram
colhidos do próprio Lampeão pelo sr. José Alves Feitosa, que há
semanas, no alto sertão, com elle conversou
demoradamente.
Offerecendo
à A Noite essas notas interessantíssimas, o sr. Feitosa,
offertamo-la, nós, aos nossos gentilíssimos leitores, a quem não
queremos mais poupar o prazer curioso de sentir um bocado da
psychologia pittoresca e da vida romanesca do jaguar terrivel dos
sertões.
NO PÉ DA
SERRA
Cabia
o crepusculo sobre o escampado arido e esbrazeado daquelle recanto
sertanejo do Estado do Ceará, no pé da serra do Araripe: o engenho
de rapadura Boa-Vista, a cinco léguas da cidade de Missão Velha,
quando o sr. José Alves Feitosa ali chegou.
Um
crepusculo doloroso, sertanejo, manchando a paisagem de sombras e
difundindo uma melancolia por tudo...
Gentis
e acolhedores, os senhores de engenho o receberam, prodigalisando-lhe
o conforto de uma hospedagem, onde elle repousaria da viagem
exaustiva.
Ahi,
foi que se aproximou de Lampeão.
Este
assomara à porta, desarmado, fitando o recem-chegado, que o
interpellou logo:
-
É o capitão Virgulino Ferreira?
-
Às suas ordens.
-
Já o conhecia através de photographias.
-
Ah? Foram esses retratos, de que o sr. fala, que me inutilisaram. Si
não tivesse deixado phopographar-me, seria desconhecido e já
poderia ter desaparecido, sumindo-me no mundo, indo para longe,
ganhar a vida tranquilamente, sem attribulação dessa angustia
constante de ser perseguido.
-
E o sr. é perseguido? Dizem na capital que a polícia...
-
... não persegue, porque sou amigo dos officiais. É verdade, mas,
ainda assim, as trahições, o sr. comprehende.
No
anno passado, Isaias Arruda, meu grande amigo, chefe politico
cearense, surpreendeu-me numa localidade deste Estado com um cerco
policial terrivel, de que me livrei não sei como.
Estas
cousas são que magoam...
Uma
trahição, o diabo!
Gosto
dos officiaes e odeio os chefes de policia.
Não
é verdade que eu haja emboscado, para matar ao dr. Eurico Souza
Leão. Ignorava que esse chefe de policia viajava, naquelle tempo,
pelo sertão...
Se
soubesse, com franqueza, eu teria aventurado...
-
Como foi assassinado seu irmão?
-
É invenção. Elle não foi morto. Está são, vivo e
bolindo.
Aquillo
foi brincadeira "só para atrapalhar"...
-
E Sabino?
-
A mesma coisa.
Está
vivo, no Riacho do Navio, à frente de alguns homens. Vou
encontrar-me, agora, com elle.
-
Disse-me, ha pouco, que se pudesse abandonaria o cangaço...
-
Sim. Por porque eu não vivo a vida do cangaço, por maldade minha.
É
pela maldade dos outros. Dos homens que não têm a coragem de lutar
corpo a corpo como eu e vão matando a gente na sombra, nas tocaias
covardes.
Tenho
que vingar a morte dos meus paes. Era meninote quando os mataram.
Bebi o sangue que jorrava da pelle de minha mãe, e beijando-lhe a
boca fria e morta, jurei vinga-la...
É
por isso, que de rifle de costas, cruzando as estradas do sertão,
deixo um rastro sangrento a procura dos assassinos de meus
paes.
(...)
É
por isso que eu sou cangaceiro.
Não
sei quando hei de deixar os horrores desta vida, onde o maior
encanto, a maior belleza seria extinguir a maldade daquelles que
roubaram a vida de minha mãe e de meu pae a de minhas irmãs.
Dizendo
isto, Lampeão ergueu-se, tomando o chapéo.
Despediu-se
do nosso informante.
À
porta um seu companheiro o "arreou", isto é, entregou-lhe
as cartucheiras e o mosquetão, um fuzil Mouser cortado na
extremidade do cano.
Apertando
as mãos hospitaleiras de Rosendo, o dono da rustica engenhosa, o
monarcha sanguinolento dos sertões tomou a estrada poeirenta para as
incertezas do seu destino.
Deante
da maravilha da vida de Lampeão cheia de episodios romanescos e
impressionantes como aquelle em que ha a scena commovente e soberba
do juramento sobre a bocca hirta de uma mãe, quem ousará atirar a
primeira pedra sobre o quadrilheiro immortalisado nas chronicas
sangrentas do sertão?
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COPIADO DO BLOG CARIRICANGAÇO.BLOGSPOT.COM