por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 31 de julho de 2014

As ameaças da Grande Transformação - Leonardo Boff

A Grande Transformação consiste na passagem de uma economia de mercado para uma sociedade de mercado. Ou em outra formulação: de uma sociedade com mercado para uma sociedade só de mercado. Mercado sempre existiu na história da humanidade, mas nunca uma sociedade só de mercado. Quer dizer, uma sociedade que coloca a economia como o eixo estruturador único de toda a vida social, submetendo a ela a política e anulando a ética. Tudo é vendável, até o sagrado.

Não se trata de qualquer tipo de mercado. É o mercado que se rege pela competição e não pela cooperação. O que conta é o benefício econômico individual ou corporativo e não o bem comum de toda uma sociedade. Geralmente este benefício é alcançado às custas da devastação da natureza e da gestação perversa de desigualdades sociais. Nesse sentido a tese de  Thomas Piketty em O capital no século XXI é irrefutável.

O mercado deve ser livre, portanto,  recusa  controles e vê o Estado como seu grande empecilho, cuja missão, sabemos, é ordenar com leis e normas a sociedade,  também o campo econômico e coordenar a busca comum do bem comum. A Grande Transformação postula um Estado mínimo, limitado praticamente às questões ligadas à infraestrutura da sociedade, ao fisco, mantido o mais baixo possível e à segurança.Tudo o mais deve ser buscado no mercado, pagando.

O gênio da mercantilização de tudo penetrou em todos os setores da sociedade: a saúde, a educação, o esporte, o mundo das artes e  do entretenimento e até grupos importantes das religiões e das igrejas.  Estas incorporaram a lógica do mercado: a criação de uma massa enorme de consumidores de bens simbólicos, igrejas pobres em espírito, mas ricas em meios de fazer dinheiro. Não raro no mesmo complexo funciona um templo e junto a ele um shopping. Enfim, se trata sempre da mesma coisa: auferir rendas seja com bens materiais seja com bens “espirituais”.

Quem estudou em detalhe este processo avassalador foi  um historiador da economia, o húngaro-norte-americano Karl Polanyi (1886-1964). Ele cunhou a expressão A Grande Transformação, título do livro escrito antes do final da Segunda Guerra Mundial em 1944. No seu tempo a obra não mereceu especial atenção. Hoje, quando suas teses se vêem mais e mais confirmadas, tornou-se leitura obrigatória para todos os que se propõem entender o que está ocorrendo no campo da economia com repercussão em todos os âmbitos da atividade humana, não excluída a religiosa. Desconfia-se que o próprio Papa Francisco tenha se inspirado em Polaniy para criticar a atual mercantilização de tudo, até do ser humano e órgãos.

Essa forma de organizar a sociedade ao redor dos interesses econômicos do mercado cindiu a humanidade de cima a baixo: um fosso enorme se criou entre os poucos ricos e os muitos pobres. Gestou-se uma espantosa injustiça social com multidões feitas descartáveis, consideradas óleo gasto, não mais interessante para o mercado: produzem irrisoriamente e consomem quase nada.

Simultaneamente a Grande Transformação da sociedade em mercado criou também uma iníqua injustiça ecológica. No afã de acumular, foram explorados de forma predatória bens e serviços da natureza, devastando inteiros ecossistemas, contaminando os solos, as águas, os ares e os alimentos, sem  qualquer outra consideração ética, social ou sanitária.

Um projeto desta natureza, de acumulação ilimitada, não é suportado por um planeta limitado, pequeno, velho e doente. Eis que surgiu um problema sistêmico, do qual os economistas deste tipo de economia, raramente se referem: foram atingidos   os limites fisico-químicos-ecológicos do planeta Terra. Tal fato dificulta senão impede a reprodução do sistema que precisa de uma Terra, repleta de “recursos” (bens e serviços ou ‘bondades’ na linguagem dos indígenas).
A continuar por esse rumo, poderemos experimentar, como já o estamos experimentando, reações violentas da Terra. Como  é um Ente vivo que se autoregula, reage para manter seu equilíbrio afetado através de eventos extremos, terremotos, tsunamis, tufões e uma completa desregulação dos climas.
Essa Transformação, por  sua lógica interna, está se tornando biocida, ecocida e geocida. Destrói sistematicamente as bases que sustentam a vida. A vida corre risco e a espécie humana pode, seja pelas armas de destruição em massa existentes seja pelo caos ecológico, desaparecer da face da Terra. Seria a conseqüência de nossa irresponsabilidade e da total falta de cuidado por tudo o que existe e vive.


(*) Leonardo Boff, teólogo e escritor. Autor de Proteger a Terra-cuidar da vida: como escapar do fim do mundo, Record 2010.

Amigos,
De volta , enfim. Ainda meio mofino, meio dengoso, mas em casa, onde parece que o mundo todo foi resumido : a cama é mais macia, o clima mais acolhedor, onde cada simples objeto nos remete a viagens diferentes na nossa vida. Fora, nos sentimos sempre um pouco estrangeiros. E os amigos ? Ah, os amigos têm a fundamental importância de nos provar que a vida continua bem além do nosso quintal que, através de liames infinitos, é possível ampliar os horizontes da nossa cas...a e os limites da nossa família. A viagem se torna mais reluzente quando podemos compartilhar sentimentos e experiências. Voltar à casa paterna é, também, assim, poder abraçar afetuosamente todos os amigos e companheiros , aqueles que um acaso misterioso e mágico nos possibilitou dividir o mesmo espaço, o mesmo tempo , a mesma era. Obrigado !
Visita à casa paterna
Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo.
Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
O fantasma talvez do amor materno,
Tomou-me as mãos, - olhou-me, grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.
Era esta sala... (Oh! se me lembro! e quanto!)
Em que da luz noturna à claridade,
minhas irmãs e minha mãe... O pranto
Jorrou-me em ondas... Resistir quem há de?
Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade.
Rio - 1876.
Luís Guimarães Júnior
  1. Everardo Norões
  2. As histórias infantis se equivocam ao fazer crer aos seus leitores que o Bem sempre vence o Mal e a Sabedoria sempre derrota a Astúcia. Quase nunca é assim.
    Poucos percebem a ironia do malabarista que se exercita no sinal vermelho da avenida e diz ao proprietário do automóvel que lhe dá gorjeta (ou esmola?):
    - Com isso vou comprar um carro!
    Ele sabe que as acrobacias do político, do empreiteiro, ...do traficante serão sempre melhor recompensadas do que a alquimia do artista para transformar sofrimento em alegria ou em êxtase. O malabarista transpira no cruzamento da Padre Roma com a Rosa e Silva para conseguir alguns trocados e diz aquilo sabendo que nunca terá automóvel e que as pessoas nem consideram o que ele faz como um trabalho. É difícil perceber que ele está falando sério porque nossa cultura - a mesma que nega recursos ao artista - incutiu-nos que querer é poder e com esforço sempre se consegue chegar lá. Essa ideologia do 'esforço' é a mesma que abafa o ócio criador.
    Na mesma ordem de pensamento, é também um equívoco pretender que diploma confere ao titular capacidade para fazer alguma obra. Um burocrata da cultura exige de um músico a certificação de cursos e diplomas como se assinaturas com firmas reconhecidas fossem mais importantes do que o exímio exercício de tocara. O argumento de que a ausência de papéis justifica a negação da já pobre recompensa financeira atribuída aos artistas seria cômica se não padecesse daquela crueldade que foi tão genialmente esmiuçada por Kafka.
    Quando o músico - alguém reconhecido até por platéias estrangeiras eruditas - contou-me sua desventura com o funcionário da cultura que tentou lhe negar recursos para um trabalho sério, logo lhe contei o episódio de quando Villa Lobos chegou a Paris e, interrogado sobre quais universidades havia frequentado, respondeu sem hesitar:
    - A de Pixinguinha e João Pernambuco!
    P.S. A PROPÓSITO, TODOS QUE SE INTERESSAM PELA MÚSICA E PELA NOSSA CIDADANIA DEVERIAM PERGUNTAR : O QUE ACONTECEU COM A ORQUESTRA SINFÔNICA JOVEM ?
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  • quarta-feira, 30 de julho de 2014

    A "tucanalhada" possessa - José Nilton Mariano Saraiva

    Como tivemos Copa do Mundo, sim, e de estrondoso sucesso (elevando o nome do Brasil e seu povo, internacionalmente, apesar do rotundo fracasso do futebol), insatisfeitos porque não conseguiram “baldear o coreto” de vez, como pretenderam, a “tucanalhada” agora parte com “gosto de gás” pra tentar sujar as eleições presidenciais, ante a perspectiva de vitória de candidata Dilma Rousseff; assim, a ordem é jogar pesado, deslealmente até, usar todos os artifícios possíveis e impossíveis, por mais abjetos que sejam,  visando desestabilizá-la (já que continua na liderança das pesquisas faltando dois meses para o pleito).

    E o primeiro “petardo” (verdadeiro míssil) nessa direção partiu exatamente do poderoso segmento financeiro (um dos mais beneficiados nos últimos anos), através dos espanhóis do Banco  Santander, que sem o menor escrúpulo ou constrangimento achou por bem enviar carta a um determinado segmento dos seus correntistas (os famosos “top” de linha, teoricamente formadores de opinião) alardeando sobre o perigo que uma vitória de Dilma representará: na sua visão caolha, uma verdadeira vida de cão, via caos econômico.

    Trata-se, evidentemente, de exercício de terrorismo puro e explícito, tal qual igualmente houvera sido feito lá atrás, quando da primeira vitória de Lula da Silva, quando a “tucanalhada”, ante o fracasso iminente  garantia que a inflação voltaria com força total, o dólar dispararia, a Bolsa de Valores se transformaria numa babel e por aí vai, caso ele vencesse. Tanto que, para “amansar” o mercado (que sobrevive de expectativas), na oportunidade o candidato Lula foi literalmente obrigado a garantir formalmente que os contratos seriam respeitados em sua plenitude e que nenhum “choque” heterodoxo estaria em gestação. Ganhou e cumpriu o prometido.


    Urge, pois, que preventivamente nos “vacinemos” com a boataria que decerto correrá solta até o dia da eleição, anunciando o “fim do mundo” se Dilma for eleita.  Afinal, a possessa “tucanalhada” já provou que, com eles, do pescoço pra baixo é tudo canela. E haja porrada, a torto e a direito, já que capazes de tudo. 

    Jogo esquerdista: Se não for do meu jeito, é contra os pobres.

     LUCIANO HENRIQUE, 26 DE AGOSTO DE 2013.

    Como chantagistas emocionais, os esquerdistas precisam apelar às emoções humanas, como empatia,  mesmo que precisem mentir até dizer chega. Neste caso, eles dirão que estão do lado dos pobres, e você, do lado dos ricos.

    A dinâmica é sempre a mesma. O esquerdista irá fazer uma proposta de inchaço estatal, e, em seguida, dirá que este inchaço é para “ajudar os pobres”. E mesmo que ele não faça uma proposta de inchaço estatal, irá, ao mesmo, lutar para manter o inchaço existente.

    Quando você contestar o inchaço estatal, ele irá lhe posicionar para a platéia como inimigo dos pobres. Ele, o “amigo dos pobres”, dirá que toda a questão agora se resumiu entre ser amigo dos pobres ou inimigo deles, o que é o mesmo que dividir a questão entre inimigo dos ricos ou amigo dos ricos. Nesse momento, frases como “você não quer ajudar os pobres” ou “você não liga para a miséria humana” se tornarão clichês evidentes.

    Para não dizerem que estou exagerando, observem os frames utilizados no discurso de um esquerdista petralha que postava aqui na caixa de comentários deste blog: “Vocês são anti-governo trabalhista, anti-políticas sociais, anti-ascensão dos padrões de consumo dos mais pobres… não querem ver as classes ‘inferiores’ subindo na vida… meu Deus, como isso é ridículo, é de um egoísmo irreal, bruto e tacanho, é de uma falta de compaixão tremenda… vocês não tem solidariedade… e um dia tudo será feito por meio do estado”.

    Como podemos ver, há uma omissão de informações a toda vez que o esquerdista usa o mesmo tipo de discurso, mas eles sempre deixam a pista de que estão praticando uma fraude.

    Não é que a questão é definida entre ajudar os pobres X não ajudar os pobres, mas sim ajudar os pobres via ação estatal X ajudar os pobres via ação privada. Sim, esse é o detalhe que eles omitem. Na verdade, os esquerdistas usam os pobres apenas como pretexto para inchaço estatal, e a direita quer superar esse inchaço estatal, buscando outras maneiras de ajudar os pobres.

    Se a direita fosse contra os pobres, não iria ganhar de lavada dos esquerdistas na ajuda voluntária a eles, como demonstrou Ann Coulter tempos atrás ao citar o ótimo livro “Who Really Cares?”, de Arthur Brooks.

    Vamos aos fatos. Com o inchaço estatal, realmente é possível que alguma assistência seja dada aos pobres. Mas na verdade os esquerdistas poderiam criar uma espécie de Rotary de esquerdistas, e fazer assistencialismos mais vastos, sem depender do estado para ajudar os pobres, e sem criar receita para aparelhamento estatal, corrupção e lobby. Assim, a direita continuaria buscando sua forma voluntária de ajudar aos pobres, e os esquerdistas poderiam buscar as suas, envolvendo inclusive a criação de fazendas comunitárias, empresas sem lucro e casarões habitados por 30 famílias.

    Em suma, ajudar aos pobres não implica em inchaço estatal, a não ser que os pobres estejam sendo usados como pretexto para inchar o estado, que é o que ocorre com toda instância deste jogo esquerdista. Desta forma, eles mentem ao dizer que a questão é dividida entre ajudar ou não os pobres, mas sim em inchar ou não o estado.

    Neste jogo, portanto, o esquerdista irá omitir os fatos para esconder sua real intenção (inchar o estado), para fingir que ele quer ajudar os pobres, mas a direita não. Evidente é uma falácia do falso dilema, onde são dadas duas opções: (1) ajudar os pobres, inchando o estado, (2) se recusar a ajudar os pobres, não inchando o estado. Em outras palavras, o esquerdista bate o pézinho dizendo: “Se não for do meu jeito, você é contra os pobres”.

    Tudo não passa de uma chantagem emocional grotesca e extremamente imoral, fazendo uso da triste situação das pessoas que vivem sob condições precárias como um pretexto para um baita de um negócio. Sim, pois o inchaço estatal não passa de um grande negócio para dar poder a burocratas.

    É claro que existem muitas outras formas de ajudarmos os pobres, e de maneira muito mais eficiente do que inchando o estado. Mas aí é que podemos notar que o esquerdista não tem interesse de fato em ajudar os pobres, a não ser que isso seja feito via inchaço estatal.

    Para tirar a dúvida, oferte a ele desafios neo-esquerdistas, e veja se ele vai aceitar. Com certeza, ele não aceitará, pois como já disse, o interesse do esquerdista é inchar o estado, e o discurso de “ajuda aos pobres” é apenas um pretexto.

    Abusar da miséria humana como pretexto para dar poder a burocratas. A isso se resume o discurso de um esquerdista.

    Fonte: http://lucianoayan.com

    terça-feira, 29 de julho de 2014

    A CHEGADA DE ARIANO SUASSUNA NO CÉU - Autores: Klévisson Viana e Bule-Bule

     


    Nos palcos do firmamento
    Jesus concebeu um plano
    De montar um espetáculo
    Para Deus Pai Soberano
    E, ao lembrar de um dramaturgo,
    Mandou buscar Ariano.

    Jesus mandou-lhe um convite,
    Mas Ariano não leu.
    Estava noutro idioma,
    Ele num canto esqueceu,
    Nem sequer observou
    Quem foi que lhe escreveu.

    Depois de um tempo, mandou
    Uma segunda missiva.
    A secretária do artista
    Logo a dita carta arquiva,
    Dizendo: — Viagem longa
    A meu mestre não cativa.

    Jesus sem ter a resposta
    Disse torcendo o bigode:
    — Eu vejo que Suassuna
    É teimoso igual a um bode.
    Não pode, mas ele pensa
    Que é soberano e pode!

    Jesus, já perdendo a calma,
    Apelou pra outro suporte.
    Para cumprir a missão,
    Autorizou Dona Morte:
    — Vá buscar o escritor,
    Mas vê se não erra o corte!

    A morte veio ao País
    Como turista estrangeiro,
    Achando que o Brasil
    Era só Rio de Janeiro.
    No rastro de Suassuna,
    Sobrou pra Ubaldo Ribeiro.
     
    Porém, antes de encontrá-lo,
    Sofreu um constrangimento
    Passando em Copacabana,
    Um malfazejo elemento
    Assaltou ela levando
    Sua foice e documento.

    A morte ficou sem rumo
    E murmurou dessa vez:
    — Pra não perder a viagem
    Vou vender meu picinez
    Para comprar outra foice
    Na loja de algum chinês.
     
    Por um e noventa e nove
    A dita foice comprou.
    Passando a mão pelo aço,
    Viu que ela enferrujou
    E disse: — Vai essa mesma,
    Pois comprar outra eu não vou!

    A morte saiu bolando,
    Sem direção e sem tino,
    Perguntando a um e a outro
    Pelo escritor nordestino,
    Obteve informação,
    Gratificando um menino.

    Ao encontrar João Ubaldo,
    Viu naufragar o seu plano,
    Se lembrando da imagem
    Disse: — Aqui há um engano.
    Perguntou para João
    Onde é que estava Ariano.

    Nessa hora João Ubaldo,
    Quase ficando maluco,
    Tomou um susto arretado,
    Quando ali tocou um cuco,
    Mas, gaguejando, falou:
    —Ele mora em Pernambuco!

    A morte disse: — Danou-se
    Dinheiro não tenho mais
    Para viajar tão longe,
    Mas Ariano é sagaz.
    Escapou mais uma vez,
    Vai você mesmo, rapaz!

    Quando chegou lá no Céu
    Com o escritor baiano,
    Cristo lhe deu uma bronca:
    — Já foi baldado o meu plano.
    Pedi um da Paraíba
    E você trouxe um baiano.

    João Ubaldo é talentoso,
    Porém não escreve tudo.
    “Viva o Povo Brasileiro”
    É sua obra de estudo,
    Mas quero peça de humor,
    Que o Céu tá muito sisudo.

    Foi consultar os arquivos
    Pra ressuscitar João,
    Mas achou desnecessário,
    Pois já era ocasião
    Pra ele vir prestar contas
    Ali na Santa Mansão.

    Jesus olhou para a Morte
    E disse assim: — Serafina,
    Vejo não és mais a mesma.
    Tu já foste mais malina,
    Tá com pena ou tá com medo,
    Responda logo, menina?!

    — Jesus, eu vou lhe falar
    Que preciso de dinheiro.
    Ariano mora bem
    No Nordeste brasileiro.
    Disse o Cristo: —Tenho pressa,
    Passe lá no financeiro!

    — Só faço que é pra o Senhor.
    Pra outro, juro não ia.
    Ele que se conformasse
    Com o escritor da Bahia.
    Se dependesse de mim,
    Ariano não morria.

    A morte na internet
    Comprou passagem barata.
    Quase morria de susto
    Naquela viagem ingrata.
    De vez em quando dizia:
    — Eita que viagem chata!

    Uma aeromoça lhe trouxe
    Duas barras de cereais.
    Diz ela: — Estou de regime.
    Por favor, não traga mais,
    Porque se vier eu como,
    Meu apetite é voraz!

    Quando chegou no Recife,
    Ficou ela de plantão
    Na porta de Ariano
    Com sua foice na mão,
    Resmungando: — Qualquer hora
    Ele cai no alçapão!

    A morte colonizada,
    Pensando em lhe agradar,
    Uma faixa com uma frase
    Ela mandou preparar,
    Dizendo: “Welcome Ariano”,
    Mas ele não quis entrar.

    Vendo a tal faixa, Ariano
    Ficou muito revoltado.
    Começou a passar mal,
    Pediu pra ser internado
    E a morte foi lhe seguindo
    Para ver o resultado.

    Eu não sei se Ariano
    Morreu de raiva ou de medo.
    Que era contra estrangeirismos,
    Isso nunca foi segredo.
    Certo é que a morte o matou
    Sem lhe tocar com um dedo.

    Chegou no Céu Ariano,
    Tava a porta escancarada.
    São Pedro quando o avistou
    Resmungando na calçada,
    Correu logo pra o portão,
    Louvando a sua chegada.

    Um anjinho de recado
    Foi chamar o Soberano,
    Dizendo: - O Senhor agora
    Vai concretizar seu plano.
    São Pedro mandou dizer
    Que aqui chegou Ariano.

    Jesus saiu apressado,
    Apertando o nó da manta
    E disse assim: — Vou lembrar
    Dessa data como santa
    Que a arte de Ariano
    Em toda parte ela encanta.

    São Pedro lá no portão
    Recebeu bem Ariano,
    Que chegou meio areado,
    Meio confuso e sem plano.
    Ao perceber que morreu,
    Se valeu do Soberano.

    Com um chapelão de palha
    Chegou Ascenso Ferreira,
    O grande Câmara Cascudo,
    Zé Pacheco e Zé Limeira.
    João Firmino Cabral
    Veio engrossar a fileira.

    E o próprio João Ubaldo
    (Que foi pra lá por engano)
    Veio de braços abertos
    Para abraçar Ariano.
    E esse falou: - Ubaldo,
    Morrer não tava em meu plano!

    Logo chegou Jorge Amado
    E o ator Paulo Goulart.
    Veio também Chico Anysio
    Que começou a contar
    Uma anedota engraçada
    Descontraindo o lugar.

    Logo chegou Jesus Cristo,
    Com seu rosto bronzeado.
    Veio de braços abertos,
    Suassuna emocionado
    Disse assim: — Esse é o Mestre,
    O resto é papo furado!

    Suassuna que, na vida,
    Sonhou em ser imortal,
    Entrou para Academia,
    Mas percebeu, afinal,
    Que imortal é a vida
    No plano celestial.

    Jesus explicou seus planos
    De fazer uma companhia
    De teatro e ele era
    O escritor que queria
    Para escrever suas peças,
    Enchendo o Céu de alegria.

    Nisso Ariano responde:
    — Senhor, eu me sinto honrado,
    Porém escrever uma obra
    É serviço demorado.
    Às vezes gasto dez anos
    Para obter resultado.

    Nisso Jesus gargalhou
    E disse: — Fique à vontade.
    Tempo aqui não é problema,
    Estamos na eternidade
    E você pode criar
    Na maior tranquilidade.

    Um homem bem pequenino
    Com chapeuzinho banzeiro,
    Com um singelo instrumento,
    Tocou um coco ligeiro
    Falando da Paraíba:
    Era Jackson do Pandeiro.

    Logo chegou Luiz Gonzaga,
    Lindu do Trio Nordestino,
    E apontou Dominguinhos
    Junto a José Clementino
    E o grande Humberto Teixeira,
    Raul e Zé Marcolino.

    Depois chegou Marinês
    Com Abdias de lado
    E Waldick Soriano,
    Com um vozeirão impostado,
    Cantou “Torturas de Amor”,
    Como sempre apaixonado.
     
    Veio então Silvio Romero
    Com Catulo da Paixão,
    Suassuna enxugou
    As lágrimas de emoção
    E Catulo, com seu pinho,
    Cantou “Luar do Sertão”.

    Leandro Gomes de Barros
    Junto a Leonardo Mota,
    Chegou Juvenal Galeno,
    Otacílio Patriota.
    Até Rui Barbosa veio
    Com título de poliglota.

    Chegou Regina Dourado,
    Tocada de emoção,
    Juntinho de Ariano,
    Veio e beijou sua mão
    E disse: — Na sua peça
    Quero participação.

    Ariano dedicou-se
    Àquele projeto novo.
    Ao concluir sua peça,
    Jesus deu o seu aprovo
    E a peça foi encenada
    Finalmente para o povo.

    Na peça de Ariano
    Só participa alma pura.
    Ariano virou santo,
    Corrigiu sua postura.
    Lá no Céu ganhou o título
    Padroeiro da cultura.

    Os artistas que por ele
    Já nutriam grande encanto
    Agora estando em apuros,
    Residindo em qualquer canto,
    Lembra de Santo Ariano
    E acende vela pro santo.

    Ariano foi Quixote
    Que lutou de alma pura.
    Contra a arte descartável
    Vestiu a sua armadura
    Em qualquer dia do ano
    Eu digo: viva Ariano
    Padroeiro da Cultura!

    FIM

    Autores: Klévisson Viana e Bule-Bule
    (Copiado da Internet)