
O  início da história é parecido com o de vários outros nordestinos que,  pela dura realidade do Semiárido, emigraram da terra natal para outros  centros e, a partir daí, transformam o próprio destino. A cidade de  origem em questão é a pequena Araripe, no Ceará. O destino, o Recife. E o  retirante, Miguel Arraes de Alencar, que em terras pernambucanas  construiu uma longa trajetória política. O próximo sábado (13) marca o  6º ano da morte do socialista.
 
A história de Arraes se confunde, em grande parte, com a das lutas  sociais no Nordeste brasileiro. Ele foi vereador, deputado estadual,  deputado federal e governador por três vezes, sempre atuando  politicamente em Pernambuco, apesar das raízes cearenses. Nasceu em  Araripe e viveu por alguns anos no Crato, onde estudou até o ginásio.
 
Uma mudança que contribuiu bastante para a sua formação política. No  Araripe, onde passou a infância, apesar de pertencer a uma família dona  de propriedades, as diferenças sociais não eram gritantes, segundo ele  próprio costumava contar. Naquela época, na primeira metade do século  passado, os donos de fazendas e os agricultores que trabalhavam nelas,  de certa forma, viviam da mesma maneira. Não havia tantos bens de  consumo.
 
O primeiro choque social foi quando mudou-se para o Crato na  adolescência. A cidade era uma região canavieira e as diferenças sociais  entre os donos de terra e o povo eram mais visíveis. As dúvidas sobre  essas diferenças surgiram aí e eram, de modo geral, tratadas por tios,  primos, professores e padres sempre com explicações de cunho religioso:  “Foi Deus quem quis”.
 
O início da conscientização política aconteceu mesmo quando fez o  treinamento no Tiro de Guerra. Seu instrutor era Gregório Bezerra, um  pernambucano com atuação importante entre os comunistas da primeira  metade do século passado. Ele, pode-se dizer assim, foi uma espécie de  mentor de Arraes. Desse contato surgiu a militância política do  cearense.
 
Cronologia de Arraes
 
1916
Miguel Arraes de Alencar nasce em Araripe, no Ceará
 
1934
É aprovado no vestibular da Faculdade de Direito da Universidade do  Brasil (atual UFRJ). Aprovado  em concurso público de Escriturário do  Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), foi lotado em Recife, para cuja  Faculdade de Direito conseguiu transferência, formando-se em 1937.
 
1947
É designado para a Secretaria da Fazenda de Pernambuco pelo governador Barbosa Lima Sobrinho.
 
1950 a 1954
Deputado estadual pelo Partido Social Democrático (PSD), em Pernambuco
 
1954 a 1958
Deputado estadual pelo Partido Social Democrático (PSD), em Pernambuco
 
1959
Assume novamente a Secretaria da Fazenda
 
1959 a 1962
Prefeito do Recife, Pernambuco, pelo PSD
 
1963 a 1964
Governador do Pernambuco, pelo PST, com apoio do PCB
 
1964
Cassado pelo Governo Militar
 
1965
Exílio na Argélia
 
1979
Retorno ao Brasil
 
1983 a 1987
Deputado federal, pelo PMDB
 
1987 a 1990
Governador do Pernambuco, pelo PMDB
 
1990
Ingressa no PSB
 
1991 a 1995
Deputado federal (Congresso Revisor), pelo PSB
 
1995 a 1998
Governador do Pernambuco, pelo PSB
 
2003 a 2005
Deputado federal, pelo PSB
 
2005
Falece em 13 de agosto no Recife
 
Desigualdade inspirou a militância

 
Próximo de completar seis anos de sua morte, a  reportagem do Diario de Pernambuco foi conhecer de perto o nascedouro  de um dos maiores clãs políticos do Brasil. No Crato, onversamos com uma  das três irmãs de Arraes que ainda estão vivas. Ouvindo as histórias  contadas por dona Almina Arraes, 87 anos, é fácil perceber que a  grandeza alcançada pelo homem público teve origem na simplicidade. A casa onde Miguel Arraes passou a infância e parte da juventude  resiste à evolução da cidade. Localizada no centro do Crato, ela se  mistura aos diversos prédios comerciais existentes e é praticamente o  único sinal de que naquele lugar, onde hoje pulsa o comércio local,  antes existiam casas onde moravam, sossegadamente, diversas famílias.  Nos cômodos da grande casa, em quase todos os lugares, as fotos  relembram o ex-governador.
Uma em especial, imensa, decora o escritório e é a preferida da irmã  de Arraes. A imagem dele ainda jovem faz Almina viajar no tempo. “Ele  era um homem muito bom e amado por todo mundo. O que eu mais admirava  nele era a sua preocupação com o povo, com quem mais precisava de  verdade. Ele sempre foi assim: simples e atencioso com os mais  humildes”, diz.
Essa característica se evidenciava com o passar dos anos e, um dia,  quando viu três flagelados presos em um curral por tentarem fugir para  Fortaleza (CE), devido à seca, Miguel Arraes sentiu, segundo relato de  sua irmã, “o desejo mais forte de olhar para aqueles que, em geral, são  esquecidos e marginalizados pela sociedade”. Sobre esta cena, o próprio  Arraes chegou a dizer: “Foi um horror difícil de compreender e marcou  meu jeito de ver as coisas”.
Arraes deixou o Crato para estudar no Rio de Janeiro, de onde partiu  para o Recife, lugar onde construiu a carreira política. As viagens para  o Crato passaram a acontecer em grandes eventos – casamentos,  aniversários e para levar os filhos para passarem férias.
A vida pública já fazia parte do dia a dia de Arraes. “Miguel  enfrentou dificuldades, porque seu governo era muito popular e  Pernambuco tinha uma política muito forte contra os socialistas. Ele  lutou pelos direitos trabalhistas e causou insatisfação em muita gente  que explorava os trabalhadores”, relembra Dona Almina.
  
Na gestão, o choque com os usineiros
  O primeiro governo de Arraes foi considerado  de esquerda, tendo em vista que ele forçou usineiros e donos de engenho  pernambucanos a estenderem o pagamento do salário mínimo aos  trabalhadores rurais e deu forte apoio à criação de sindicatos,  associações comunitárias e às ligas camponesas. Com o golpe militar de  1964, ele foi preso e exilado na Argélia, na África. O retorno ao Brasil aconteceu em 1979, graças à anistia. Na volta,  sua primeira parada foi no Crato, onde fez uma rápida visita à mãe, Dona  Maria Benigna Arraes de Alencar e, em seguida, viajou para o Recife,  onde foi recepcionado por uma multidão de mais de 50 mil pessoas. Depois  disso, elegeu-se deputado estadual, foi governador por dois mandatos e,  por último, deputado federal.
No seu último mandato como deputado federal fez parte da base aliada  do governo do então presidente Lula. Ele foi responsável pela indicação  de ministros que iriam ocupar o Ministério da Ciência e Tecnologia no  primeira gestão petista e conseguiu destaque, na função, para seu neto e  herdeiro político Eduardo Campos, atual governador de Pernambuco.
 
Família relembra trajetória
 
 
Ao falar sobre o irmão, Dona Almina abre um sorriso simples, mas  cheio de significado. Ela conta que as lembranças que tem de Miguel  Arraes são belas, “porque ele sempre foi um exemplo, sempre tendo  cuidado com quem mais precisava, por isso, sempre foi tão amado, tão  querido”. Na casa onde mora com a irmã Ana, 91 anos, Dona Almina faz  questão de manter vivas as lembranças do irmão. “Ele passou a maior  parte da vida em Pernambuco, mas aqui sempre foi um refúgio para ele”,  destaca Almina.
 
Ela salienta que Arraes viveu a política até os últimos instantes de  vida e, na opinião de Almina, o momento de grande dor, como foi a morte  dele, também foi um símbolo do homem público que representou. “Foi uma  consagração, diante de tanta demonstração de amor por meu irmão. Nos  confortou o imenso carinho do povo com ele. As pessoas, emocionadas,  cantavam as músicas das campanhas dele e recitavam versos”, lembra. Dona  Almina comenta que um verso recitado em seu velório representa bem o  respeito que os pernambucanos tinham por Arraes. “Ele não morreu, ele  foi plantado em Pernambuco”.
Fonte: Diário/PE