J. FLÁVIO VIEIRA
                                               O mundo de Madalena era minúsculo. As
fronteiras percorriam-se facilmente sem  atropelos. O centro do universo brotava no
pequeno sítio onde vivia e estendia-se , quando muito, À pequenina vila onde,
religiosamente, ia aos domingos fazer a feira. A cidade enchia-lhe o coração de
um certo travo, como se alcançasse a mordida final da polpa do caju. Tudo ali
lhe parecia desproporcional e barulhento: 
o nanico arruado cintilava-lhe aos olhos como a metrópole , a capital do
seu mundo prenhe  dos hipnotizantes
avanços tecnológicos : a luz elétrica, o calçamento tosco ( para ela ladrilhado
com pedrinhas de brilhante), a praça, a igrejinha. Todo domingo chocava-se o
mundo minimalista de  Madalena com a
aparente grandiosidade  da Vila,
dir-se-ia Gulliver saindo de Liliput e adentrando os portais de Brobdingnag.
                                    Como não se emprenhar  da pequenez do planeta, visto através do translúcido
filtro do sítio ? Para o pinto  os
horizontes  não terminam na casca do ovo
? Ali, a lua cheia beijava-lhe o terreiro em reverência quase que religiosa. As
estrelas refletidas na lâmina do açude podiam ser bebidas com a concha das mãos
e o sol , onipresente, morava no quarto da frente, envolto no seu cobertor de
fogo e de luz. Até o outro mundo percebia-se convidativo ,ali defronte,  num cemiteriozinho improvisado, perto da casa,
com suas cruzes tronchas e suas flores murchas. Talvez, por isso mesmo, a vila
saltava-lhe aos olhos como um estorvo, uma outra longínqua galáxia. 
                                   Madalena
ouvia, vez por outra, falar de terras estranhas e distantes. Recife, Rio, São
Paulo...Na sua escala, no entanto, não deviam ser locais tão remotos. O Oiapoque
terminava no pequizeiro defronte da casinha de taipa e o Chuí iniciava-se longo
adiante , no fim do quintal.  Os
feirantes , vorazes engolidores de estrada, falavam das terríveis e penosas
viagens a muitas lonjuras. Madalena, no entanto, assegurava-os, alimentando o
riso de muitos, que atrás de sua casa tinha uma veredazinha que era pertinho de
todo canto deste mundão de meu Deus. Na feira, o povo mangava daquela
pretensão, daquele portal particular da roceira e apelidaram a vereda de : “Caminho
de  Madalena”. Queriam que algum fazedor
de mandado se apressasse?  Sapecavam:
                                   ---
Vá pelo Caminho de Madalena, viu  ?
                                   Se
alguma pessoa chegava atrasado num trato, a pergunta fazia-se inevitável :
                                   ---
Por que não veio pelo caminho de Madalena ?
                                   Diferentemente
de Liliput, no entanto, aos olhos de Madalena era o mundo que se revelava microscópico
e não as pessoas. Os homens e as mulheres desnudavam-se enormes  e coloridas talvez como um contraste natural
ao opaco-cinza do restante da aquarela. Os sonhos, também, tantas e tantas
vezes, trespassavam    as fronteiras daquele mundinho, a contragosto
da sonhadora, e deslindavam-se para além  dos limites extremos do pequizeiro e do
quintal  fazendo-se palco mais que
suficiente para o enredo de uma vida.  E
aos poucos se ia aprendendo que nas muitas viagens,  físicas e sentimentais,  empreendidas na existência, nesta contínua
corrida de obstáculos ,  pode-se buscar,
sempre,  um atalho menos penoso, uma via
mais expressa: um Caminho de Madalena.
Crato,
22/11/13
