por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quarta-feira, 31 de julho de 2013

Quem é você para que me revele também? - José do Vale Pinheiro Feitosa

Nesta semana cheguei a 114 programas de rádio numa emissora de Paracuru trazendo traços autobiográficos de centenas de pessoas que vivem lá através de suas próprias entrevistas. Sempre procurei estimular a voz solta das pessoas, tentando o máximo possível não repará-las enquanto falavam e sem apontar as contradições entre as diversas afirmativas e negativas que faziam. Optei para mesmo que não trouxesse a cópia fiel do que é e foi cada pessoa, ao menos trazer em seus discursos ideias que por vezes não conseguiram ser e nem realizar mas que gostariam de ter acontecido.

Na verdade eu estava trabalhando com um material humano da maior sensibilidade. A autobiografia é a versão da própria pessoa sobre si mesma, mas sempre haverá a tendência a tentar mostrar-se superior para que sejam importantes. Mesmo aí eu não vi problemas, pois os valores mudam ao longo de décadas e muito do que era referência para aquelas pessoas nas primeiras fases de suas vidas, se tornaram quase nada na idade mais avançada. É este passo que me interessava.

Mesmo assim gostaria de deixar o registro feito por Jean Jacques Rousseau quando escreveu seus textos autobiográficos e um poema de Fernando Pessoa que praticamente é um paralelo no que diz o filósofo francês. Rousseau escreveu o texto que segue no próximo parágrafo e ainda deu uma gozada em Montaigne como verão a seguir.

Ninguém pode escrever a vida de um homem a não ser ele mesmo. Sua maneira interior de ser, sua verdadeira vida só ele a conhece; mas ao escrevê-la ele a disfarça; com o nome de sua vida, faz sua apologia; mostra como quer ser visto, mas de forma alguma tal como é. Os mais sinceros são verdadeiros no máximo no que dizem, porém mentem com suas reticências, e o que calam transforma de tal maneira o que fingem confessar que, ao dizer apenas uma parte da verdade, não dizem nada. Não coloco Montaigne à frente desses falsos sinceros que desejam enganar dizendo a verdade. Ele se mostra com seus defeitos, mas somente atribui a si os amáveis; não há homem que não possua alguns odiosos. Montaigne se retrata parecido, porém de perfil. Quem sabe se um lanho na face ou um olho vazado no lado que nos escondeu não teria transformado totalmente sua fisionomia? Um homem mais fútil do que Montaigne, porém mais sincero, é Cardano. Infelizmente este mesmo Cardano é tão louco que não se pode extrair nenhuma instrução dos seus devaneios. Aliás, que desejaria ir pescar tão raras informações em dez volumes in folio de extravagâncias?”    
Agora vamos ao poema do Fernando Pessoa.


Poema em linha reta
Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Para ser uma grande nação, o Brasil precisa ser um grande povo - José do Vale Pinheiro Feitosa

Estou pagando uma dívida a meus eventuais leitores. Em texto de semanas passadas me propus a levantar a questão se o Brasil poderia ter um papel diferente mesmo considerando as condicionantes do capitalismo mundial e sua história. Isso é do interesse dos brasileiros, especialmente quando pensamos numa sociedade mais igualitária dentro do nosso país.

Acho que todo desvio da ideia de igualdade como o pódio do mérito, a diferença racial, de sexo, de religião, de naturalidade, de herança de riquezas e outros tantos que pretendem promover privilégios, devem ser compreendidos e controlados. Somos todos iguais, com nossas idiossincrasias, mas literalmente temos o mesmo potencial de viver em paz e como os recursos e meios necessários.

Toda vez que alguém começa a considerar os gritos dos vizinhos como o empecilho para o próprio crescimento, estranhar a oração do outro, ter ódio do livre pensar ou mesmo desejar sobretudo explorar e ganhar dinheiro a custas de outros, a desigualdade não é simplesmente ampliada, ela na verdade é negada, sabotada e violentamente atacada.

Enfim, o Brasil para exercer um novo paradigma num futuro sistema capitalista mundial precisa viver, antes de tudo, uma sociedade igualitária. Se não temos os mesmos objetivos para nordestinos, sulistas e nortistas, algo grave ocorre no país. Se a classe média mais ilustrada apenas imagina nos moradores das periferias urbanas como mero serviçais para suas casas, ainda teremos muito para educar desta ilustração que não compreendeu ainda o verdadeiro sentido do que é o ser humano.

Somente na expectativa de vivermos uma sociedade igualitária é que podemos nos colocar como potência mundial em face de novos paradigmas para o sistema capitalista mundial. Há meses passados estava com um motorista chileno em longa conversa e ele como homem de direita e acostumado a transportar brasileiros que têm a mesma identidade política, veio o Lula por ter cedido naquela questão da Bolívia.

Aí eu disse que o melhor para o Brasil seria ter uma grande relação com os países da América do Sul sem exercer a ganância do imperialismo americano. Seria fácil ao Brasil pressionar a Bolívia, inclusive facilitando a vida das multinacionais francesas, inglesas, holandesas e outras mais, no sentido de desmoralizar um país pobre e sem condições de se defender. Mas isso seria negar igualmente aos mais pobres do Brasil. Os estados que sempre ficaram à margem, por exemplo, da enorme potência que é a economia paulista.

A igualdade entre os brasileiros é o norte para que grandes projetos internacionais do Governo ou das empresas brasileiras se exerçam sob bases mais humanas e voltadas para o desenvolvimento humano. Por isso se luta tanto o desde os anos 30 com leis trabalhistas, da previdência social, da defesa do índios e assim por diante. A educação pública, a saúde pública, a segurança e o transporte público como eixos para a igualdade. Além do estímulo à criatividade por um trabalho em condições de dignidade por empreendedorismo coletivo cooperativado visando sempre o bem comum.

Essa é apenas uma parte conceitual, de um arcabouço muito maior e que precisa ser enfocado em toda a sociedade brasileira para que possamos pensar no que o professor da UFRJ José Luís Fiori afirma. “Sempre existirá um imenso espaço de liberdade e de invenção revolucionária para o Brasil:  descobrir como projetar seu poder e sua liderança fora de suas fronteiras sem seguir o figurino tradicional das grandes potências. Ou seja, sem reivindicar nenhum tipo de “destino manifesto”, sem utilizar a violência bélica dos europeus e norte-americanos, e sem se propor conquistar qualquer povo que seja, para “convertê-lo”, “civilizá-lo”, ou simplesmente comandar o seu destino.”