por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 9 de agosto de 2015

VALE A PENA LER DE NOVO

DOM, 09/08/2015 - 10:29
, 09/08/2015 - 10:29
Uma crônica de 2006, para o dia dos pais
Antes dos 13 anos, declarei guerra a meu pai. Eu passara para o terceiro ano do ginásio, mudou o irmão Marista titular da classe, e tive a oportunidade de tirar o primeiro lugar, algo que não conseguira nos dois anos anteriores.Fui para casa de boletim na mala e peito estufado, e o velho nem ligou. À noite, no encontro de pais e alunos no Marista, um pai chegou perto de nós, saudou o meu feito e indagou se manteria a colocação. Seu Oscar respondeu irritado: "Problema dele". Anos depois, Chafik, seu melhor amigo, me contou que ele não se conformara com minha decisão de, aos 12 anos, me tornar jornalista, e não seu sucessor na Farmácia Central.
Desde aquela noite de 1963 um muro ergueu-se entre nós. No mês seguinte caí para 7º da classe, no terceiro mês para 15º, do quarto mês em diante fui o último para o todo e sempre. Puni o seu Oscar a cada prova mal feita, a cada gazeta engendrada, a cada rebelião contra os irmãos. Mas nos momentos cruciais, consegui o seu apoio, especialmente no dia em que o reitor Lino Teódulo foi à minha casa com acusações falsas, em represália à minha militância estudantil. Disse-lhe na cara que ele estava mentindo, e meu pai me apoiou.
Nem isso quebrou as nossas barreiras. Eu chegava em casa antes de meu pai chegar, refugiava-me na tia Rosita na hora do jantar, depois, quando ele descia de novo para fechar a farmácia corria para casa, para dormir antes que ele voltasse de vez. Mas de manhã bebia cada som que ele emitia, cada gesto de ansiedade, andando para lá e para cá no corredor de casa, os gemidos de quem carrega os fardos do mundo. E me punia por não poder ajudá-lo.
Ao longo da vida, guardei em frascos de cristal os poucos momentos de emoção que consegui compartilhar com ele, como o garimpeiro que procura a pepita na bateia. Registrei seu choro na morte da tia Marta, as lágrimas na missa de sétimo dia do vô Issa, seu sogro, a última ida a Poços de Caldas, para ser comunicado da morte de seu melhor amigo, e seu olhar quando divisou a cidade ao longe. Mais tarde, acompanhei seu silêncio quando tia Rosita morreu. Não contamos nada para ele, e ele nunca mais perguntou dela, para não ouvir a resposta que temia.
E me lembrei para sempre do dia em que o critiquei na casa do vô Issa por ter comprado um bilhete de loteria enquanto estávamos acampados por lá, procurando casa para alugar em São Paulo. Ele saiu para a rua, fui atrás e pedi a Deus as palavras que me permitissem explicar o que sentia. Abracei-o, aquele homem alto, chorando, e falei, falei e falei, disse-lhe que ele continuava o centro da família e que minha preocupação era apenas para que não demonstrasse desespero indo atrás de miragens. E só serenei quando ele se acalmou e me olhou com olhar de pai agradecido.
O segundo derrame chegou doze anos depois do primeiro. Só depois de morto e enterrado comecei minha longa caminhada atrás de meu pai. Passei a buscá-lo em cada contemporâneo, em cada amigo. Com as velhas senhoras de Poços descobri o galanteador, com os fregueses mais humildes da farmácia, uma generosidade que nunca pressenti.
Com os amigos, a pessoa aberta e alegre que submergiu com a crise da farmácia, mas que continuou sendo o mais gentil dos poçoscaldenses.
E quanto mais o buscava passava a descobrir o inverso, a busca que ele fazia de mim. Diariamente meu pai levava minhas irmãs ao Colégio São Domingos, e, na volta, pegava um amigo meu para almoçar e saber notícias minhas de São Paulo. Antonio Cândido me falou do orgulho com que ele relatava minhas primeiras reportagens. O padre Trajano me contava das notas que levava ao "Diário de Poços" relatando cada vitória em festival, em concurso literário. E minha mãe me contou que, no auge da minha crise de adolescência, ela perdeu a fé no meu futuro, e ele acreditou.
Às vezes sinto o travo da última conversa que não houve, dos beijos que não lhe dei. Mas em algumas noites o sinto ao meu lado, daquele modo silencioso com que ficava com a tia Rosita, sem nada falar, porque palavras eram desnecessárias. Apenas me olhando com aquele olhar de quem finalmente se fez entender.

Meu pai, um artista cratense!- por socorro moreira




Cratense, filho de Alfredo Moreira Maia e Ana Amélia Ferreira de Menezes , nasceu no dia 28 de fevereiro de 1924.Faleceu no dia 21 de outubro de 1987, aos 64 anos, exatamente na idade em que estou prestes a completar (eu, sua filha mais velha).
Ainda criança, de pouca idade, revelou seu potencial para as artes plásticas. Minha avó dizia-me que, quando começou a desenhar, o fazia em pé, num tamborete para alcançar a mesa. Autodidata ,desenhava letreiros, telas a óleo, cartazes em nanquim, fotos -pinturas( sua primeira experiência profissional, na cidade de Missão-Velha), além de grande habilidade como criador e
artesão. Não havia nada que o meu pai não fizesse com um pequeno canivete, pistola, solda, lápis e pincel.
Depois de 8 anos de namoro, molhados com músicas, desenhos, e gentilezas, conquistou minha mãe (Maria Valdenòra Nunes Moreira), em definitivo. Era o ano de 1950.
Ele- o artista, o cantor, o homem de habilidades mil.
Ela- a professora e filha de Maria.
Ele pisciano e ela capricorniana. Uma sinastria interessante, talvez até um pouco complementar, mas totalmente oposta.
Convivência de 45 anos, entre festas e missas, até que a morte os separou.
Tiveram 10 filhos, entre os quais seis  vingaram, e ainda vivem (cinco mulheres e um homem)- Cinco Marias e um Alfredo.
Fui a primeira das marias, nascida em 1951.Fui filha única por muito pouco tempo
Talvez por lembrar o nascimento de todos os meus irmãos, não brinquei de bonecas, nem participei muito dos folguedos da época. Estava centrada nas músicas, nos livros, e nos lançamentos de  todos os filmes.
Enquanto os gostos do meu pai me davam um prazer imenso, o cotidiano da minha mãe era doutrinário: rezas, estudo e gastronomia. Meu pai era exigente, e só comia o que a minha mãe fazia.
Ela até gostava de dizer:"a gente conquista o homem é pelo estômago".Conversa, Dona Valda, a gente conquista um homem é sendo paciente , e se fazendo de burra!( Na verdade a conquista  é bilateral- são disposições para dar e recebr, o tempo todo!)
Eu e meus irmãos acabamos muito misturados, nem sempre equilibradamente.
Amanhã é domingo. Para mim um dia como qualquer outro, além de pequenas e grandes recordações.
Nasci na Rua José Carvalho, mas aos 3 anos nos mudamos para a Rua Pedro II.
Dia de domingo, a radiola não parava um só instante. Ele ficava quase a manhã inteira de pijama, brincando comigo e duas irmãs mais novas (Zélia e Verônica). Minha mãe fazendo quitutes especiais, e uma Brahma de Recife, na geladeira a querosene, querendo ficar gelada.
Era um pouco anarquista na essência, mas ao mesmo tempo tinha suas paixões políticas. Participava das campanhas que elegiam representantes da nossa cidade. A gente também se empolgava ,tanto com o Vasco, como com os candidatos da  extinta UDN.
Tinha uma grande 'corriola' de amigos verdadeiros, fiéis.... Eu sentia orgulho de ser filha de Moreirinha. Mas sentia frustação por ter alma de artista, sem habilidades. Neste caso, o sangue da minha mãe me conduzia por outros caminhos, e revelaram-me outras tendências, nunca, entretanto, bem desenvolvidas. Fazer o que?
Com pistola, martelinhos e tintas ele nos sustentava.Com o produto do trabalho que lhe sobrava , ele bem vivia!
Morreu jovem demais, justo por viver sem limitações. Era intenso!
Durante décadas fez cartazes para o Cine Cassino, em troca de permanentes  para toda família. A gente só precisava batalhar pelos bombons Piper, zorro e chicletes Adams. Se a censura não me permitia ver todos os filmes, eu lia “Cinelândia” e pedia-lhe que me contasse alguns enredos. Também lia seus livros de bolso- todos!
Éramos apaixonados por Moreirinha. Lembro que Verônica, ainda criança, um dia perguntou para minha mãe: ” mamãe aonde você encontrou esse homem tão lindo? ” E minha mãe respondeu-lhe: “passeando na praça de Cristo Rei. Olhando a fonte luminosa da Samaritana. Como conseguia negar-lhe água? Ela me presenteava com laços de fitas e margaridas  para os cabelos,e desenhos de céu estrelado.
Não consigo passar um dia, sem lembranças do meu pai. Das viagens pelo Brasil, que juntos fizemos; dos desenhos nas toalhas da mesa; das gargalhadas, nas madrugadas, quando jogávamos "carapu" ( paciência a dois) ou mesmo o buraco;das músicas que ele ouvia , cantava, ou  assobiava, 24 h por dia. Uma bagagem artística- amorosa, infinita!
Obrigada meu pai! 
- Natureza boêmia, amou sua família, seus amigos, e a sua cidade: O CRATO!


Compartilho esse texto com meus irmãos: Catarina Moreira, Verônica Moreira, Teresa Moreira, Zélia Moreira e Alfredo Moreira . Incluo genros,nora,netos(as),bisnetos(as), suas irmãs, sobrinhas(os), primos(as) e amigos (notadamente, todos aqueles que o conheceram, e ainda recordam sua vida singular, no Planeta Terra).


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