por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Lua


.
esperei sonhos
e o sono voltou
delicadeza tal,
meu corpo até vibrou:
ela chegou!
Vestida de prata
No rastro do amor
Casa na penumbra,
aconchegante ficou!
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Sempre vivi lentamente
Morro, intempestivamente
Durmo, quando canso
E morro de ser feliz,
quando sonho!
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Garra dos felinos
falta em mim
Não entendo a linguagem dos que dizem
Encontro entendimento no silêncio
Perco-me na direção do Luar
Evito todos os nós
Me amarro no pão de cada dia
Um dia tudo será vazio ...
Até de poesia!
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Apaixonada e sem jardim
sinto de memória
Perfume de amor em mim
Ventos trazem e levam
Tocatas nas Nuvens
Balanço das folhas
Decoros no corpo ...
Sem tesão,
belisco tanto pão!
Um beijo sem amparo
tranco em minha mão.

Vazio


Nada pra falar.

O dito atira no precipício

restos do nada

Morte de um sonho

O sério brincou , sem acreditar.

Márgens opostas

Um rio corre nas minhas costas

Mágoas da Incompreensão .

Pensando verso



Não tire seu sorriso
Não saia do caminho
Não fuja pra valer
Brincar é coisa séria
Difícil é esquecer!
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Quem provoca,
Tem coringa na manga ?
Tem manga no pé,
do pomar de novembro.
E tem pano pras mangas?
Com vestido decotado,
O sol castiga ...
E ninguém é santo!
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Pelos vales secos,
a Terra em cio,
aguarda um rio
que nunca veio!
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A solidão
nos leva a qualquer pão:
de queijo, de gente ...
Solidão no olhar
Perdido no mar.
Solidão Humana,
Deus preenche !
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Construímos tantos corpos de papel
Pichamos muros
Pintamos telas no céu ,
descobrimos mapas de labirintos
Nossa floresta era imensa
Nos perdemos no caminho ...
Catando flores,
destruindo ninhos.
Olhei demais pro céu ...
Pensando que você
fosse um passarinho!
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Alminha branca,
que tudo enxerga
numa tela de paz
Se todos te entendessem,
O mundo seria branco

Vaga-lumes



Lua nova
noite escura
estrelas do solo
piscam pro destino
Beiram estradas
que nunca terminam
Brincam no asfalto
sem pensar na sina
Desconhecem o sol
Desconhecem cores
Mata e céu...
É por lá que morrem!

Caçando luzes
eu me perco sempre
Sempre me dispersa
este vôo ausente...
Pouso breve,
como um beijo tímido
Pouso leve,
um olhar que afaga.

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Nos pequenos comas

Nada parece existir...
Com exceção dos próprios sonhos.

Quando desperto, procuro teus recados
Uma palavra de mimo, um sorvete no verso...

Silêncio de uma ponte quebrada é quase mortal
É um Deus nos acuda...
É medo do recomeço, sem a estrela principal.

A cor da manhã




Manhã azulzinha.
No céu, a última estrela.
Sons da manhã...
São passarinhos!

Coração pressente
cheiro novo de vida
Flor aceitação ...
E a noite,
que desejou ser dia
venceu a dor .

Angústia cansada
adormeceu na paz.

Olhar





Olhar que aperta o céu,
e faz chover em mim ...
.
atiça, pergunta ,
sorri ...
.
olhar sempiterno
penetra e fica,
na menina dos meus...

Miro


Perdi o olhar que piscava estrelas
A boca que mordia a lua
O coração ardendo de luz!

Miro a noite, miro a vida
Vivo a sorte, conto os dias
No meu hoje você vai voltar.

Papai Noel




( inspirada num texto de Emerson Monteiro)

Antigamente eu começava o mês de dezembro preparando o enxoval do menino Jesus. Minha mãe dizia: cada oração que você fizer é uma peça. E eu começava a rezar uma ave-maria por uma camisinha, bordando com jaculatórias; tricotava sapatinhos, toucas e luvas com um pai-nosso; coeiros com salve-rainha; fraldas com o Credo... Lembro que eu queria tudo bordado e dourado como as roupas dos anjinhos. E perguntava pra minha mãe: tem certeza que está aparecendo essas peças, no baú de Nossa Senhora? Ela olhava para mim, confirmava, eu ia acreditando, e na compulsão de fazer um rico e lindo enxoval , eu passava o mês de dezembro, rezando. Não tínhamos Papai Noel como um provedor de sonhos. Sabíamos que ele era um mito, e não vivíamos a sua fantasia.
Esse ano resolvi fazer as pazes com Papai Noel , e escrever-lhe a minha primeira cartinha :

Papai Noel,

Nunca te aperreei , em todos esses anos... Mais de meio século, sem ser exata. Pois agora chegou a minha vez de abrir o verbo pedir.

Não quero chocolates, nem bonecas , nem joias ...
Chocolate eu ganho dos meus amigos; tenho duas bonecas incríveis que se chamam Bianca e Sofia; tenho uma boneca velhinha, mas perfumada e amantíssima; tenho uns moleques que cresceram, e já não me pedem sorvete... Tenho os meus amigos, jóias especiais, que eu ganhei, e não perdi.
Quero que essa carta se transforme na luz de um desejo imenso, que percorra o firmamento e altere a alma humana tornando-a simples e pura, como era pura a feitura do enxoval do Menino Deus, nos meus tempos de criança.
Torne doce o nosso coração , como as balas e os chocolates, que você distribui no trenó da esperança.
E a Maria, querida mãe? Prometo um reforço, em oração, pra vestir a nossa alma de todas as calmas!
Por favor , não engavete a minha carta !
Espero a graça, no espalhar das graças , nesse Natal de 2009 .
Faça o depósito , na conta da família Cariricaturas , e no seio de todas as famílias terrenas.

Um abraço tímido,
Socorro Moreira

Respingos


Perfume infiltrado no cetim

Digitais na cintura

Pespingos de vinho , dos beijos

Prata da lua , no verde encantada


-Foi doado ...

Depois de vê-lo em mim,

fora de mim, e longe de ti !

Pingo de gente



Pingos na calçada
Lama no caminho
E agora, destino?
Traça e transforma
a vida, em fados!

Um pingo de gente
Encharca meu coração.

Nosso amor capotou na curva da incompreensão
Nosso caminho ainda terá chão?


Aquietei-me, numa ausência sem recados!

Tudo é incerto
O novo com cara de velho
O ar com cheiro de rosas!

Parceiros escolares



Estudei o primeiro semestre daquele ano, no Colégio Sagrada Família , em Recife. No meio do ano, meus pais resolveram voltar para o Crato, e me rematricularam no Instituto São Vicente Férrer. Eu era veterana, mas cheguei como novata. Existiam na sala outras caras, outra professora, outros ares. Foi um momento de adaptação, e eu senti medo de perder o ano escolar , inclusive ! Mas lá estavam : Joaquim, Magali, Denise, Franceury...
Francíria e Walda eram rostos novos que em breve se tornaram amigos. Custei a equiparar-me à aprendizagem da turma, mas consegui . No final do ano, depois das provas finais, saiu o resultado:
O primeiro lugar - Walda Arraes;
O segundo foi de Magali;
O terceiro - Francíria, e eu fui a quarta colocada. Tínhamos concluído o terceiro ano do curso primário com a professora Lúcia Madeira.
Impossível esquecer os laços de cetim que enfeitavam a capa das nossas provas feitas em papel almaço.; os decalcos de gatinhos e cestinhos de rosas !
As meninas que estudaram comigo pensam que a vida toda fui a primeira da classe. Como vêem , isso nem sempre ocorreu.
Mas era um peso , uma responsabilidade grande demais, não perder o posto de primeiro lugar. Isso atrapalhou meus folguedos de menina, minha alegria na adolescência, minha disposição festiva. Sem dúvidas fui talvez , a mais apagadinha da turma. Com meus óculos de míope, cansados de queimar pestanas , saía e brincava pouco, e me perdia nos livros.
Ainda a pouco lembrando essa turma , exultei de alegria ao perceber que continuamos perto , na sua maioria. A convivência se estendeu durante o Ginásio, no Colégio Dom Bosco, onde passamos juntos por mais 7 anos.
Lá nos agrupamos à Stela, Graça Aragão, Vera Palitó, Regina Vilar, Rosineide Esmeraldo, Ione, Márcia, etc. Desse grupo, aqui no Cariricaturas já se reune uma boa parte, e isso me deixa feliz !
O conhecimento se unificou , aprendemos o tempo todo uns com os outros , e trilhamos o caminho da sabedoria , sabendo que é infinito, lento e difícil.
Parece que aquela turma tinha um destino comum: viver uma amizade fraterna - a verdadeira, a que nunca termina !
Fico pensando também no prodígio que é a nossa memória , quando guarda números, imagens, e sobretudo sentimentos !
Abraço com ternura os meus colegas de tantos anos, que ainda hoje estão na minha vida da forma mais inusitada e linda : parceiros de contos de vida !
socorro moreira
P.S. Guardo na memória a caligrafia de todos os meus colegas. A letra de Francíria me causava inveja ( linda !) ; Ninguém desenhava como Walda ( eu ficava bestinha ...) ; Ismênia Maia tinha uma letra linda e miudinha... A medida que vou lembrando as letras, vou lembrando o rosto de menina que todas tínhamos !

Na estrada do sonho


Agreste, serrana,

zona da mata ...

A geografia estabelece

a densidade do mel

Mas tudo é doce

como a bala sem papel


Como a vida,

quando os dedos se harmonizam,

e deixam escorrer o céu.


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Peço licença ao teu sonho,

e entro em tuas ondas como flor,

no bico do beija-flor,

despetalada em carinho.

Ano Novo


Preparo o novo ano ,

me desfazendo das coisas velhas,

pendurando sonhos numa árvore imaginária,

esperando que amadureçam , e caiam feito frutos ,

em forma de realidade.

Espero o Natal acendendo luzes,

nos meus recônditos mais secretos,

deliciando-me com as surpresas dos encontros e reencontros ...

(Dentro de mim, os espelhos são tantos !)

Preparo o ano vindouro querendo você , o novo,

visitando a minha vida !

Desafio



Sem endereço,
que eu sempre vejo,
adianta fugir?

Leio silêncios
Esqueço
até por momentos ...
E fio,
dias a fio...
Desafio !


A relação se perde,
e fica na espera
do constante ressurgir


Amor que não azucrina
ultrapassa a linha,
os limites do entender.

Flores brotam
estrelas brilham
sol cintila
vozes gritam ...
Amor sem fim !

fragmentos do pensamento


Tempo,
cura essa lembrança
costura esse vazio
me joga outra vez na estrada
Um dia,
a felicidade me acha!
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Teus textos te desnudam .
Fecho os olhos e deixo aberta uma fresta
Vejo tua pauta escrita na tela ...
Nua, tímida e bela
Festejo teu desconhecido
Salto em degraus
para chegar até você
Sigo o teu mapa
com minha nesga de olhar
Tua poesia despida
não se intimida ...
Sobre ela, repouso o meu olhar!
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Meu presente é um sufoco
louco por suspiros...
Hoje é dia de estio
Nem choro, nem rio.
Tudo foi pro mar
Fugiu com o vento
Queria que o futuro esperasse
minha esperança voltar !
--------------------------
Não quero falar do passado
Quero o presente,
(que desconheço)
na ponta da lingua

Sombra e água fresca




Existe tanta solidão na dor do mundo.

Existe solidão na própria felicidade

E o dia a dia esperando o destino ,

no recreio entre duas aulas principais:

O sono letárgico , e o suspiro final.


Vivo o plantão dos meus mistérios.

Palcos paralelos , espetáculo estranho

Simbiose de tristeza e desafeto.


Rodopio minha própria valsa ,

numa vertigem etérea ...

Desfaleço no imaginário ,

e permaneço no vazio da paz.

Domingo de sombra e água fresca


Acordei sem lembrar do que sonhei , mas lembrando um passado remoto , e uma das minhas inúmeras mortes.
A vida reflete o sonho Tenho parcos sonhos. Economizo distâncias , dinheiro, paixão , e até saúde. Sou tão injusta...! Só não economizo poesia.Por falta de sonhos ela chega de chinelos franciscanos, perambulando no frio fulgor das auroras.
Tenho tudo e deixo de querer o essencial. Estou presa à quatro paredes, e de janelas e portas abertas para o mundo virtual. Lá também não sonho , nem invento realidades. Não brinco de amar.
Não sou exatamente triste, nem exatamente romântica. Sou quase esquisita... Alegro-me com o brilho no olhar dos meus amigos. Absorvo e rejeito a tristeza. Choro-a em prantos, sem entender o meu luto contínuo.... Coisas perdidas , ganhos em caixas vazias. Quando a morte chegar , de nada me separará... A não ser das manhãs e madrugadas, e dos irrespiráveis ares que insisto em tragar.
Eu resumi a vida , e ela teimosa se estica. Comprimi todas as músicas, no repertório de Nana Caymmi ( nunca vou escrever sem dúvidas , o sobrenome Caymmi...). Não gosto de política, nem de Economia, nem de futebol ...Não gosto do risível , nem do aterrador. Vivo as madrugadas que nascem e morrem em mim, num cotidiano repetitivo, desequilibrado com algumas surpresas...
Um desconto ou troco poético , que me roubam do tédio.
O contato com as palavras é recreativo. Tomo café com vogais, e faço sopas com todas as letras.
Faço turismo nos contos de alguns, catando arrepios e extraindo gotas de emoção para molhar a secura do coração. Não sei os motivos da arte. Ela foge de mim , quando a procuro, e esconde-se nos meus porões.
Mas hoje é domingo. Ganhei o mundo , ainda cedinho.
Lá na frente , pelo caminho do mercado , cruzei com uma amiga de infância. Pelo menos a quatro décadas não conversávamos. E foi como se o tempo não tivesse passado. Nos olhamos com vista curta , e achamos que ainda éramos as mesmas , apesar das experiências duras , e de alguns resultados glorificantes. Trocamos confidências , desabafos... Com a mesma vontade de apostar no futuro , sem fichas de esperança.
Refleti-me por mais 23 anos ... Meu Deus como passa ligeiro ... E como chegamos doídas , e cheia de mazelas. Quem conta , fica ! O lucro é sentir-se viva !
Almocei com duas pessoas queridas : Ismênia e Vera Lúcia Maia. A primeira eterna colega e amiga; a segunda a sempre mestra de tantas gerações ; a sempre musa de tantos poetas.
Nem sei contar o papo caloroso que o encontro nos trouxe. Alternavam-se presente e hora da saudade. Cobrei-lhes um monte das histórias que eu não sei contar...Elas guardam na sensibilidade um livro sobre o Crato e os cratenses com infinitas páginas. Durante o almoço ficamos procurando a música com ouvidos carentes. Imaginamos os pares dançando , lá no salão
principal - hora da matinal dos domingos.
Esbarrei em velhos conhecidos , e fui feliz nos encontros... Ainda estamos vivos !

Teimosia



Tinha dança nos pés,
olhos e cabelos
Rosto com trejeitos ...
Tudo sedutor !

Cheiro de madeira
perfumando o leito
Virou meu delírio ,
me pegou sem jeito !

Em cada toque ,
um choque ...
Uma tatuagem ,
que a pele grava ,
mesmo envelhecida ...

O amor é toldo
A pessoa parte
O amor é João
que teimoso fica !

Eco

Aquele moço ...




Eu sinto falta daquele moço.
Não é falta solitária...
É solidária!
(Comigo também sentem
muitos outros...)
Chega sempre por um fio invisível
num gestual decifrável
Hoje, ontem...
Às vezes ele chega vestido de Elmano.
Noutras como Nicodemos,
no som de um sax.
Nos sonhos dos nossos encontros,
ele sempre baixa, e eu fico feliz,
mesmo quando me acha “babaca”.
Esteve no Cariricaturas desde o início...
Ele nunca abandonou os amigos
E o seu carinho abraça a nossa alma.

Essa liberdade




Essa liberdade

da qual não abro mão

Me depara contigo

sempre que me afasto.


Essa alma que nunca foi tua

É vadia, mas vive cega

tateando a tua ...


Lágrimas não vertidas

Ficam invertidas no fundo do nada

Fertilizam canteiros

em qualquer das praças

- Flores que alimentam formigas ...

Nos olhos do meu canto.


O perdão ,se foi feito pra gente pedir ,

nunca aprendi ...

Leio em todas as placas do invisível...

Que o amor resiste !


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Hoje foi um dia

De rosas e velas
De rezas e prosas.
Senti-me orfã
Senti-me viva.

A compreensão da vida está para a morte

Assim como

A compreensão do amor está para a vida.

Agora , nesse quase fim do dia ,

nem choro nem vela ...

Apenas uma tristeza amarga

com relação à morte que me espera.

Morrer é perder a consciência humana,

e ganhar a consciência eterna ?

Morrer é viver a inconsciência !

É ficar em tudo e

em todos pontos do universo.

Um foco maior nos atrairá

Um foco menor mantém a esperança

de reencontro e iluminação ...
"Os pecadores" permanecem em trânsito !

Precisa de um carinho



Esqueci o meu sorriso

em algum canto da vida

Até ontem estava aqui

Até ontem

em mim vivia

Não foi roubado ...

Perdi !



Perdi procurando

o sorriso do meu filho

Pensando no Natal

sem sonoridade ...



E aquele sorriso dos loucos

Muito pior do que choros ?

-Esses achei espalhados !



E resolvi perguntar-lhes :

Meu sorriso passou por aqui?

Assustado, um deles

também perguntou-me :

Não me reconheces mais?



Reincorporei-o !

A princípio tortamente ...

Olhei no espelho, e vi

que a tristeza de um sorriso

precisava de um carinho,

e por Ele , enfim sorri

numa doçura sem fim !

1992


Era o dia 23 de Dezembro de 1992. Trabalhava na Plataforma de Atendimento da Agência do Banco do Brasil , em Friburgo-RJ, como Gerente de Expediente. Apartamento novinho e decorado para o Natal e Ano Novo. Alegre com a visita de uma amiga de Fortaleza, que viera de longe para as festividades daquele ano.
Agência lotada. Movimento atípico! Entra minha amiga esbaforida, e avisa, sem meias palavras: Socorro, o teto da tua sala desabou. Existia no andar superior ( Apartamento de cobertura) , uma piscina, justo em cima da minha sala de visitas.Inundação.Tudo estragado. Foi um Deus nos acuda. Arrumamos todos os móveis da casa , num único aposento , que permaneceu no seco. Arrumei a mala com coisas pessoais e fui para um hotel.Minha amiga desabou logo para o Rio de janeiro, e eu fiquei matutando sobre o que faria da vida.
Peguei um ônibus para o Rio. Da rodoviária fui para o Aeroporto, e embarquei para Brasília. Cheguei de surpresa na casa de Eduardo, um grande amigo, justamente, no dia 24 de Dezembro. O coitado já estava de mochila pronta para passar o natal com a família em Goiás.
Lembrei nessa hora que tinha um amigo do Cariri, trabalhando numa Agência do Banco do Brasil em Brasília. Ainda tinha algumas horas. Liguei, para algumas delas, e enfim localizei-o. Meio dia, ele foi ao meu encontro.
-Vim te buscar. Também estou sozinho, e vai acontecer o natal dos órfãos. Você é minha convidada!
O espaço era familiar, casa grande, e os convivas eram todos solteiros, e sem vínculos de famílias. Éramos todos amigos! Naquela noite me diverti como nunca. O dia foi amanhecendo, e ainda estávamos dançando “Odara” de Caetano.
Mas eu ainda teria o Ano Novo pela frente... O que faria daquelas pequenas férias compulsórias? Estava sem teto!
Fui pra rodoviária, e pensei: vou aventurar uma viagem para qualquer lugar do Brasil. Sorteei umas cidades, e a resposta foi belo Horizonte. Meia hora depois estava a caminho.
Bati na porta de Odete, minha ex sogra, que tinha um endereço constante, no Centro, e bem pertinho da Rodoviária. Quem abriu a porta foi meu ex marido. Imediatamente desisti de ficar, e justifiquei. Estava na rodoviária, mas o meu ônibus só vai sair à noitinha, então resolvi visitá-los. Conversei e dei um tempo por lá... Mais algumas horas estava outra vez dentro de ônibus rumo ao Rio, e já era o dia 30 de dezembro. Amanheci no dia 31, na rodoviária do Rio. Peguei outro ônibus para Friburgo, e três horas depois cheguei ao destino (?).
Tirei o carro da garagem e rumei para S.Pedro da Serra. Aportei na casa de Anita ( uma grande amiga). Anita não estava, mas a casa estava aberta. Só chegaria a noite com o marido e filhos.
Corri no comércio atrás do material para fazer uma ceia diferente. Comprei trutas. Fiz o prato com molho de amêndoas; um arroz com brócolis, uma salada, frutas frescas e secas, vinho, e uma musse para a sobremesa. Colhi flores, acendi velas perfumadas, e fiquei esperando os donos da casa. A surpresa foi enorme. Naquela noite me harmonizei com as pessoas que o destino havia escolhido como companhia para mim... Dei uma volta depois nos barzinhos da cidade. Abracei rostos simpáticos e estranhos ( na maioria). Dia seguinte primeiro de janeiro de 1993, voltei para o hotelzinho em Friburgo, e fui procurar uma nova morada. Um cliente do banco cedeu-me uma casa , que vivia trancada e abandonada. Uma semana de limpeza, e a casa brilhava! Foi nessa casa, dentro de um bosque de orquídeas, que morei, até quando despedi-me de Friburgo, em definitivo, alguns meses depois.
O próximo destino foi Campina Grande, onde Victor estava terminando Medicina. Estávamos, no dia que cheguei, quase às vésperas do natal de 2003... Mas essa já é outra história...!
Uma história incrível, que poderia ter sido romântica... Conto qualquer dia !

Dias e noites




Dias e noites

Lembro, esqueço

vivo, desisto...

Não desamo .
Apresso um tempo

Antecipo um fim

Ele busca nas entrelinhas :

Acha o que não foi pensado

Cata o lixo do que não foi dito.

Ele corta a chuva

orando pra Santa Bárbara.

Mas a chuva cai

num barulhinho
cantante

Fecha a porta da entrada

Escancara uma saída

Se esconde na procura

Se tranca, na despedida.

E eu desando no caminho...
Sinto a moderação

imposta pela vida.

Mais uma vez eu quis,

e não fui feliz !

socorro moreira

De leve ...



Delicadeza

O vento barulha
nas folhas secas da serra
nos telhados e janelas
canta rouco, canta fino
sibilante como cobra
irritante como o grilo

Adoro a zoada que a natureza orquestra
Fico calma, delicada,
e penso numa orquídea, enfeitando
a minha casa!




Casamento poético

Namoro tudo que eu quero
Sem pensar, no juntar dos trapos
Penso apenas, no cruzar de versos...
Enxoval sem lençóis bordados !



Viola calada

Na boca da noite tem vinho
No vento da madrugada, poesia
Nas cordas do violão... Paixão!

Foi muita lua
Mas o sol sempre impõe
o clarão da razão!

Dezembro 2009



Começou Dezembro... Não visitei o centro da cidade. Iria procurar nas vitrines o toque dos natais antigos; ouvir músicas natalinas. Não quis arriscar. Aliás, ando um tanto chateada... Tenho reencontrado amigas do passado, em visita ao Crato, e é unânime: “Crato é uma princesa sem príncipe”!
Finais de semana, sexta, sábado e domingo, passearam nas praças, no calçadão, e só encontraram descuido e abandono. Escutei as lamentações: e você não se movimenta pra mudar a situação?
E acha que uma andorinha sozinha faz verão? Claro que a gente (população) é responsável, em parte, pela praça sempre suja de plásticos, papéis. Isso espelha a educação do seu povo.
E os buracos? E o chão pontilhado de negro, dos chicletes envelhecidos? Não, a praça nunca foi lavada; os canteiros não são cuidados, e a aparência é horrível. Até os artistas perderam a sua base, nos bancos da praça.
Entramos no “Olhar”, e fomos recebidas pela Gabriella. Outro desencanto. A moça tem intenções de criar um quartel cultural, mas tem sido podada, em todos os sentidos. Paramos no “Lá na praça”. Lugar agradável, onde é servido um lanche delicioso. Mas não se pode tomar uma cervejinha gelada (pedida do calor , nesse fim de ano), nem fumar (até entendo...); no Bem Doce tinha uma música alta... Inquietante! Eu que adoro música de todos os gêneros, descobri que nunca ouvira tocar nenhuma daquele repertório (alguém segredou: são das duplas sertanejas). A antiga Choupana estava um tanto sombria... Nem entramos. Voltamos para a praça. Ulisses Germano passou com um bandolim, e nos agraciou com uns chorinhos. O momento era mesmo nostálgico... Tipo hora da saudade. Gente era uma noite de sexta-feira, e a Praça da Sé, o coração pulsante de uma cidade interiorana estava feia, suja e triste. Como não lembrar um tempo, em que essa princesa foi linda?
Foi quando recebi o ultimato: escreva um texto, em que o título seja: Princesa sem Príncipe!
Fico bloqueada para falar de coisas tristes, na minha impotência de nada fazer.Só queria a minha cidade, pelo menos, limpa !
A foto é de Nilo Sérgio. Não tivemos coragem de fotograr o que vimos...

Natal 2009


A casa está vazia.
A rede desarmada
O varal sozinho
O fogão limpinho
Pingos do ontem...
Manchas no chão!


Existem momentos,
em que tudo fica mudo
Até o telefone...
Existem momentos
Em que o contato maior se faz
- Ele atende!
Traz amigos
Filhos
Netas
E até um amor...

Estou apartada de grandes afetos
Estou contigo
Na simplicidade de uma ceia
Regada a pão e leite!
E o coração transbordando amor
Deseja a todos
Um dia de paz

Eu tive natais inesquecíveis. Eles, se chamar, voltam correndo, nas lembranças. O mais marcante é o de hoje!
Em nenhum daqueles anteriores vivi a experiência, na essência, do verdadeiro natal.
E a palavra chave é SOLIDARIEDADE!
A nossa dor não é a maior de todas, nem a fura-bolo, nem a mindinha... A nossa dor é transformadora, e eu posso sentir o prazer de estar viva, e poder contribuir com sonhos , a partir de mim.
No nascimento de Jesus, Nossa Senhora sofreu as dores e as alegrias de uma mãe...
Eu tenho as dores e as alegrias; os mimos dos meus amigos... Eu tenho a vida, que teima em renascer, em forma de esperanças !

Amigo Luis, te convido para participar dos meus riscos poéticos ...

"...uma velha amizade é assim...e fim !"

Apagando a ilusão


A noite de ontem não findou
Trouxe comigo a tua dor
Invento o esquecimento
Falha, mas um dia pega.
Pego a ilusão ,
e dissolvo em paz.

Nova sorte .
Seguro as cordas
de um coração quieto
Diz que já não sente,
que nunca pensou ...
Cego, sempre amou!

E na tristeza do vazio
a chuva desmancha
as pegadas do caminho,
quando fui ao teu encontro.

Além ...
Uma ternura dirá
que não fomos tanto além
Nos separamos ,
justo no primeiro sinal.

Dois mundos


Abrem-se cortinas
Dois mundos avizinham-se
Em cada um
a procura da paz,
no sorriso.
E as almas separadas,
se consomem na saudade ...

Fome do inusitado
Fios não ligam
nós que a vida desata !

Nascente



sábado nascente

tangendo a poeira da sexta

feijão sem tempero

peixe frito no azeite

farinha que engasga a saudade

o banho de sal

a essência floral

e a preguiça mortal

de esquecer que estás vivo

a vida não é velório

ela precisa de um grito

ser desenho animado

ser filme !

Alma de gueixa



manhã chuvosa
mágoas lavadas
vivem o dom e o tom
novo dia !

água da chuva
lava teus pés cansados
na cânfora adormecidos

sem cereja na boca
sem graúna nos olhos
ocidental nos anelos
calos de rendeira
azeitado desejo

um cheiro de flor
lembra a nossa história
acorda,
tá na hora...
o sol voltou !

Ser Poeta




Poeta
é ser dono de todos os sonhos
e não ter nenhum

Viver por palavras :
bolas de sabão de vida curta e bela
Vão, explodem com o toque do olhar

Poeta é a árvore que teima nascer
na areia do sertão
A gritar sua sede
A sonhar
com a nuvem carpideira

Poeta é silêncio
martírio de ser
Dizer-se poeta
é blasfêmia
Sentir-se poeta
é prosaico, simples !

Renúncia
Deletar um projeto de amor
é matar uma célula amorosa
O efeito tristeza
esvazia por momentos ,
por dias, toda a nossa alegria.
Mas , já dizia minha vó:
Amor unilateral não tem função ...
É solidão braba,
corrosiva !
Renunciar é deixar que a solidão se dilua
escorra , e perca a noção da nostalgia.
Já, já...
o tempo muda...
Volta a primavera,
e com ela
as cores da fantasia !

Minha alma invade a madrugada


Alma boêmia...
Busca nas ruas
respingos do dia.
Passos na calçada
de gente criada...
Passos no astral
de gente imortal!

Vigia da madrugada
amante da noite
no cheiro de dama
jaz embriagada!

Sons noturnos
libertam esta alma
Um solar difuso
prende a sua cara

Metade dos sonhos
adormecem sem asas...
A outra metade,
nos sonhos se acha!

Alma invasora
dos anjos perdidos
alma azulada
sem halo, nem faro
carrega no bico
o som de uma flauta
Busca no espaço
sua lira amada!

Encontra na escala
um teclado mágico...
Expressa em melodia,
esta madrugada...
Até que o dia,
lhe encha de graça!

O Belo Rio da Vida
.
Riacho lácteo
de seixos, de seios
colo lavanda
balança no leito...

Pedras limadas
jogadas na beira
Iaras, ninfetas
no rio se ajeitam
no espelho das águas
arrumam os cabelos
Com fitas e rosas,
esperam Narciso...
Que tarda, e não chega!

Rio navegável
enluarado de loucos
nele se atira
meus sonhos de moço
esperam o feitiço
de um canto...
De um bicho...
De uma flor do mato
que um peixe fisga!

Rio sereno
águas turmalinas
acolhe o pescado
oferta uma isca
salga com choros
o veio que salta
nos mares bravios.

Rio cansado
das águas paradas
reduto esquecido
na orla florida
perfuma o gemido
dos ais afogados
de todos os sonhos
que encontram o destino!

Quando eu era Imortal
.
Imortal... Antes e depois da vida
Imortal é Deus, criança
fantasma, louco...
Um pouco imortal, somos...
Quase o tempo todo!
Mortal é o presente
sempre tão corrente
mortal é o passado
sempre acontecido!
Imortal é o futuro
eterno prometido!

Quando fui imortal
nem me percebi
quando amanheci,
morri todo dia...


E agora,
que faço com os amores,
que se imortalizam?
Mortais são os sonhos
que em mim, terminam!


NO SILÊNCIO DAS ÁGUAS
.
E as águas de março, no rio desaguaram?
Acomodaram-se no silêncio domingueiro
Fugiram do estresse de todas as feiras
Guardaram-se para os mares que não vêem.

Nos pequenos comas, nada parece existir
Com exceção dos próprios sonhos.

Quando desperto, procuro teus recados...
Uma palavra de mimo, um sorvete no verso

Silêncio de uma ponte quebrada é quase mortal
É um Deus nos acuda...
É medo do recomeço, sem a estrela principal.

Estou no caminho da fumaça...
E chego assim, naquela casa:
Toc, toc, toc... Tem gente?
A porta range...
A surpresa explode o abraço...
Encontro!

Fico calma, delicada,
e penso numa orquídea, enfeitando
a minha casa!

Dulce

Com Dulce não se discute
O pavio é curto
E o fogo é forte!
É pra matar ou morrer...
Mas quando seus olhos voltam
Lambuzados de mel
Fica linda a sua cara
Parece o povo do céu!
Distribui estrelas
No sorriso de marota
Se Dulce crescer,
vou à feira, e compro outra!

Ponte dos Suspiros
.
Tudo nos separa
Mas uma ponte invisível
sempre unirá a tua e a minha saudade!

Cheguei ao umbral do destino
porta estreita, sem caminho
encaro a viagem, sem os véus, que me atrapalham!
Sigo... Sem perder de vistas o rumo do infinito!
Tenho encontro com Osíris
Numa tarde de abril!

Lealdade




Sandoval foi a pessoa mais leal que conheci.
Quando se apercebeu do meu olhar, lembrou outro olhar.
Quando sentiu o gosto do meu beijo, lembrou outro beijo.
E , cada palavra dita , tinha o peso de um silêncio,
que dominava o instante seguinte ...

Sandoval foi fiel...
" mesmo em face do maior encanto" ,
ao seu amor de sempre !
.
Fechei meu olhar
Engoli palavras de ternura,
cruzei as mãos do carinho,
numa prece contrita ...
pela paz e pelo esquecimento !
...
E as minhas preces foram ouvidas !

O valor relativo das coisas




Uma vez troquei um carro por um aparelho de som Gradiente. A música tinha um lugar especial na minha casa. A garagem podia ficar vazia... As estradas podiam me esquecer.
Eu ligaria o som e a voz de Nana tomaria conta dos meus cantos. Mesmo que a melodia fosse triste eu viveria de alegrias.
Música nas primeiras horas da manhã. Um samba de Noel pra fazer o café; um de Nelson Cavaquinho pra varrer a casa. Cartola na vitrola pra regar as plantas do jardim; uma canção do Chico na hora de preparar o rango... Uma melodia de Tom pra lavar a louça, acumulada na pia. Uma bossa do João Gilberto pra estender a roupa no varal. Hora da sesta um chorinho de Pixinguinha ou de Waldir Azevedo... E um samba - canção de Lupicínio para chamar a melhor das saudades.
De tardezinha uma valsinha de Zequinha de Abreu. Na hora das estrelas se tornarem visíveis, uns tangos cantados por Nelson, intercalados por umas musiquinhas de Pat Boone... Afinal “Love is a many splendored thing” nunca saiu da minha estação.
Antes de dormir escutar Keith Jarret ou Diana Krall... Olhar desconfiado um vinil do Roberto, e resolver: é com ele que vou adormecer propor, cavalgar e sonhar!
Separar Elis, Leny de Andrade, Paulinho da Viola, Maysa para o dia de amanhá...