por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

AS "MENINAS DO PIMENTA " - José Nilton Mariano Saraiva


Desde tempos outros, o Bairro Pimenta, no Crato, ostentava com orgulho o título de “bairro nobre”, bairro dos poderosos, bairro da elite municipal.


Lá, residiam os “doutores” em geral (médicos, dentistas, engenheiros e demais graduados da terra), bem como os de bem com a vida (comerciantes, industriais, fazendeiros, profissionais liberais e por aí vai).


E também lá se localizavam os imóveis mais valorizados da urbi (residenciais e comerciais), assim como o ambiente mais seleto e charmoso não só do Crato, mas de toda a Região Cariri: o então revolucionário Crato Tênis Clube, com suas concorridas “tertúlias” ou “vesperais” às manhãs ou tardes de domingos, seus fulgurantes e concorridos carnavais, mas de frequência absolutamente restrita (adentrar o Tênis Clube, naquela época, só pra poucos, já que verdadeira epopeia para “estranhos”).

No entanto, apesar de toda essa “seletividade” latente, a joia do Pimenta eram as suas “meninas”: belas, educadas, charmosas, elegantes no vestir e no se portar (mas miseravelmente sumidas durante toda a semana), aos domingos, em algazarra esfuziante, desciam em “bandos” para a Siqueira Campos, onde (sabiam, sim), detinham o poder de dilacerar, atormentar e arrebentar os corações daqueles pre-homens/adolescentes carentes, ávidos e com o coração a mil (dentre os quais também os residentes na “periferia”, porquanto já então a praça era um espaço democrático) à espera de, pelo menos, um piedoso olhar, mesmo que de compaixão (o signatário, residente no Bairro Pinto Madeira, do outro lado da cidade, era um deles).


Particularmente (e numa outra perspectiva), devemos às “meninas do Pimenta” o despertar prematuro para uma questão essencial: a necessidade premente de tentar ser alguém na vida, a fim de, pelo menos, sonhar com a possibilidade de transformar aquele “amor platônico” domingueiro em realidade, via ascensão social (um bom emprego, um título de doutor, e por aí vai).


Fato é que o “statu quo” já se fazia, sim, presente àquela época, de sorte que a blindagem, o hermetismo e a absoluta inacessibilidade dos “periféricos” às “meninas do Pimenta”, já então era uma realidade triste e palpável (quantas noites indormidas, quantos belos sonhos alimentamos tendo por protagonistas algumas das beldades da Siqueira Campos).

Alias, sobre elas reportamo-nos anos atrás em uma das nossas postagens nos blogs da vida, a saber: “enquanto as moçoilas em flor, devidamente produzidas giravam, giravam e giravam em seu calçadão, momentaneamente transfigurado em uma ativa, grande e concorrida passarela, exalando beleza e frescor, nós, os marmanjos, de pé, braços cruzados, às bordas do quadrilátero, atuávamos como expectadores privilegiados de um seleto concurso de beleza, na expectativa de um olhar receptivo”.

Doces lembranças que, mais tarde (já na fase adulta), fizemos questão de lembrar e reviver com inusitado e compreensível carinho, conforme afirmamos em uma outra postagem: “e no entanto, aqui estamos nós, desconhecidos, que nunca se encontraram, nunca se falaram, não têm a menor ideia de como é o outro fisicamente, mas que, certamente, em algum domingo da vida se cruzaram na praça Siqueira Campos, vivenciando uma época fabulosa; e agora, através de reminiscências comuns, constroem uma perspectiva real de amizade fraterna”.

MENINAS DO PIMENTA’… quantas saudades.