por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sábado, 15 de junho de 2013


A Estrutura e Ação da Direita na América do Sul - José do Vale Pinheiro Feitosa

Um paulistano. Igual a estes que correram abaixo da saraivada de balas de borracha, spray de pimenta e gases irritantes das mucosas. Destes paulistanos que foram presos porque portavam garrafas de vinagre para suportarem os efeitos sufocantes do gás lacrimogênio.

Estava vestindo a pele de um turista deslumbrado, ele e a namora numa viagem internacional a uma realidade distinta do seu dia-a-dia. Com a câmara fotográfica à mão, aqueles equipamentos digitais maravilhosos, com lentes de longa distância, fotografando de modo a romper tudo que lhes ensinaram na faculdade de administração e que é o suprassumo da dinâmica empresarial.

Perdera o foco. Não perdera o clic, apenas o foco conceitual, a obrigação de se concentrar no seu negócio e segui-lo como uma batalhão que segue a trilha do objetivo. Fotografava tudo. Quem sabe algum ângulo, um detalhe não lhe desse a expressão de uma fotografia artística ou o registro singular de um momento.

E assim vinha o nosso paulistano como um paulistano de volta para casa ali no centrão da cidade de São Paulo. Pela Maria Antônia, na Consolação, na Augusta ou na Paulista. Vinha pelas ruas de Santiago do Chile, aliás no vazio dos dias de domingo, mas plena da truculência da polícia chilena acostumada a massacrar manifestantes e opositores.

Vinha o Paulistano como um “inocente” que não sabe bem porque a mão do destino lhe dá uma cacetada. Assim como um jornalista da Folha de São Paulo, do Estado ou do Globo andando na calçada estreita entre as manchetes e editoriais de suas publicações pedindo porrada e a porrada que lhes caiu nos olhos, no lombo, cacetadas no pescoço.

As ruas desertas de Santiago eram o prazer da liberdade de poder gastar aquele dinheiro suado numa viagem internacional e as imagens eram o troféu da conquista. Eram mais do que registros, eram os souvenires dos pedaços daquele lugar. E assim o paulistano como um poeta metrificava cada espaço no centro da cidade.

São Paulo com suas mazelas. Suas revoltas e sua ideologia do negócio. As partículas da matéria e da energia são apenas a física do negócio. Tudo que existe é o negócio. Manipule, crie demanda, venda e lucre. A felicidade é o ciclo completo e a civilização a lei da oferta e da procura.

Seja livre e tenha méritos. Eis o discurso ideológico. Esta tua liberdade o levará muito além e a tua “competência” galgará a escadaria luminosa de Jacó. Por mérito sentarás à mão direita de Deus para julgar os vivos que desejam respirar, beber e comer quando por teus critérios eles não merecem isso e sim muito tiverem restara-lhes uma cova rasa e uma placa elucidativa dos desconhecidos.

Ser Paulistano, já com a conquista do status de turista é uma vitória deslumbrante na carreira deste mérito outorgado pelo departamento de RH da empresa. Estava num estágio de superioridade, de domínio do pedaço, assim como os jornalistas que acompanharam na última quinta-feira a manifestação da juventude em prol do passe livre no transporte coletivo.   
   
Acontece. Ele não é o escolhido. Não pertence à classe privilegiada. Não tem segurança. Não tem direito. Nem cuidados com sua segurança pode ter pois a violência nascida na raiz que lhe inventou se volta contra ele com um furor que reduz suas conquistas a pó. Uma lama que nem privada mais o é. É lixão de todas as pessoas excluídas desta “civilização” que corre mundo em todas as cidades com seus exércitos e polícias violentos.

O paulistano se admirou daquele carro da polícia repressiva do Chile pronta para massacrar algum estudante que viesse à ruas reivindicar universidade pública e gratuita. O carro era blindado, tinha chapas por todos lados e grades de ferro à frente dos vidros e das portas. Era uma imagem muito diferente para o paulistano. Ele nunca o vira antes e o fotografou.

O mundo desabou sobre ele. Foi cercado por soldados fortemente armados, vestindo roupas blindadas, bombas, armas pesadas, máscara de proteção, capacete e uma determinação de arrasar quarteirão. Frente ao nosso paulistano frágil, de carne e osso, afinal compreendendo não ser nada na engrenagem empresarial dos negócios, dos focos e dos objetivos.

Não teve a dignidade do seu corpo lanhada em pancadas como seus conterrâneos estão tendo, mas sua honra, sua liberdade, suas vitórias, sua dignidade psicológica viraram um nada diante da “mão invisível” do capitalismo sul americano. Mas antes de tirar o paulistano das ruas de Santiago e remetê-lo no voo para sua conflagrada São Paulo é preciso dizer que no mesmo dia em que corria sangue do rosto de pessoas na cidade brasileira, em Santiago igualmente corria.

Com invasão da Universidade pela polícia, o massacre de professores, pais e aluno. E não deixa de ter a face lisa, cruel e cínica de um Piñera ou um Alckmin no dois lados dos oceanos sul americanos justificando o massacre.



Os Lagos Andinos e sua Travessia - Parte 2 - José do Vale Pinheiro Feitosa

De Peulla, após a burocracia da emigração chilena, se atravessa uma grande fazenda que cria Llamas, Alpacas, Carneiros e Bovinos e daí se toma uma via estreita subindo os Andes. Passando em diversas cachoeiras, rasgos de rios descendo algum declive suave da montanha e sobre seus leitos, por vezes, o Condor sai das alturas vem com sua envergadura de asas espetaculares a planar o vale em busca de comida.

Neste vales estreitos a noite sem lua apaga todos os traços do conhecido. O viajante em caminhadas perde a trilha e se toma de uma perdição gelada e úmida que pode minar o ânimo de sua existência. Nas montanhas com vegetação densa e sempre verde, apesar do frio, habitam animais maiores, inclusive o puma. Que se satisfaz com o que tem nas alturas, mas na escassez, desce até aos vales em busca de presas nas fazendas. Um viajante perdido não se exclui deste cardápio, embora não se tomem notícias entre os guias turísticos de que tal aconteça. Só o cuidado com as possibilidades.

Os micro-ônibus são aparelhados por sistemas de rádio para avisar que transitam a estreita via que sobe a montanha em direção à fronteira com a Argentina. De tão estreita é impossível cruzar veículos, mas apenas os veículos com os empregados no negócio do turismo funcionam. Aliás esta travessia começou a ser feita à pé, no início do século XX, por europeus que pagavam ao dono da fazenda que funcionava em Peulla. Por isso surgiu o negócio da travessia e do hotel em Peulla.

Mais de um século após ainda é um negócio da mesma família que é de descendência suíça. Os barcos, os hotel, os ônibus e micro-ônibus, além de guias, pilotos e motoristas e todo o pessoal de serviço. A família tem uma casa numa ilha no lago Todos os Santos e quando os barcos passam em frente a ela, tocam a buzina em homenagem ao fundador. É um ritual seguramente tradicional, mas hoje é mais para turista saber da história da família. Na travessia até Peulla de vez em quando um pequeno barco a motor encosta no barco maior com a finalidade de trocar passageiros que embarcam e desembarcam. Inclusives empregados do hotel que vivem às margens do lago.

Entra-se no território migratório da Argentina pelo Lago Frias, uma pequena bacia navegada em meia hora. Desce-se em Puerto Alegre e de micro-ônibus chega-se a Puerto Blest. Neste porto o turista já se encontra num dos maiores lagos andinos. O lago que deu vida econômica a San Carlos de Bariloche. Um lago imenso, o Nahuel Huapi, que fica a 764 metros acima do nível do mar, tem uma superfície de 55 mil hectares e uma profundidade conhecida de 454 metros. Ou seja quase meio quilômetro na parte mais funda.

De Puerto Blest até Llao Llao, onde existe um dos hotéis mais caros da América do Sul, o catamarã leva quase uma hora e quarenta minutos. Navegando o lago pelas margens de verdadeiros fiordes e durante a travessia as gaivotas pousam no barco para se deixarem fotografar bicando, em pleno vôo, biscoitos que os turistas deslumbrados põem na ponta dos dedos. De Llao Llao até o centro de Bariloche o ônibus leva meia hora.

Enfim Bariloche que projetou-se como uma moda de deslumbramento de novos ricos brasileiros é de fato uma paisagem, uma viagem ao universo montanhoso das saudades seculares que a sociedade dominante da Europa nos impregnou. Neve, lagos, jardins floridos, casas em encostas de morros, lareiras, gramados e campos desenhados por montanhas e animais.

À noite, num restaurante alemão, um salto de dentro para fora do universo consumista que soterram os turistas. Um descendente de alemães tocando um acordeon magnifico e solando canções de todo mundo. As melodias que fizeram o mundo entre os anos 30 e o final do século XX. Até o nosso Luiz Gonzaga em seu voo internacional com seu Assum Preto se ouviu junto com tangos, canções americanas, francesas, alemãs, italianas e o nosso Brasil de Ary Barroso.

Ali um bom vinho de uma vinha a que os argentinos chamam de Bodega del Fim do Mundo que dá fantasia à Patagônia e o fim do continente. Sem deixar de falar no prato que era um Carneiro Patagônico, na verdade pedaços assados da junção da costela com o espinhaço. Muito gostoso. Feita a fantasia completa. Faltava atravessar os Andes de volta ao Chile, passando pelas alturas onde todo o relevo se encontrava encoberto por uma camada de areia branca que foi oriunda do vulcão Puyuhue.

Recordemos. No final de 2011, não a cratera principal, mais pequenas crateras ao redor do Puyuhue lançaram cinza na alta atmosfera a ponto de causar problemas na aviação sobre a cidade de Porto Alegre e em Buenos Aires. O pessoal de Bariloche diz que por volta de 4 horas da tarde fez-se noite e no céu escuro aconteceu um tempestade elétrica com raios aterrorizando a escuridão das cinzas que caíram sobre a cidade em grossas camadas, irritando olhos e causando problemas respiratórios. 
  
De volta ao Chile e uma conversa com o motorista numa visita à Ilha de Chiloé lhe dizendo que os Argentinos não pronuncia Lla Llao como os chilenos que diz Jao, Jao, mas Xao Xao, além de que tínhamos tomado vinho da Patagônia e comido carneiro da Patagônia. Pronto restabeleceu-se a guerra do Canal de Beagle: o chileno desfez a fantasia que tais coisas fossem da Patagônia a milhares de distância de Bariloche além de falar onde a melhor pronúncia do Espanhol havia na América do Sul. Não era argentina certamente, embora admitisse que tampouco chilena. 

Afinal a grande viagem é uma curtição no verdadeiro sentido do curtume. O negócio do turismo é uma venda comercial com as disputas de fantasias. O melhor, o maior, o primeiro, o mais belo, o mais emocionante, o mais engajado, o mais romântico, o mais luxuoso. A fórmula ainda funcionará por muito tempo até que se descobra o verdadeiro sentido do viajar sem turismo.


Encontrar-se no mundo, neste mover-se do tempo e do espaço. E, desgraçadamente hoje é um encontrar-se em circunstâncias filosóficas e históricas que emparedam ou melhor, cegam o existir para a paisagem fora dos marcos do princípio e do fim. Quando os campos forem realmente parte da viagem ela será uma não viagem. Ou melhor, não será de recreio, mas do viver. Não será esta viagem para fora da existência com a promessa do céu. Será a viagem no “céu” da existência. E não obrigatoriamente na posição de lótus sem sair do lugar. Se temos pernas para que as quero?