por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O PODER REAL E O PODER FORMAL


Aquela velha estória de manda quem pode obedece quem tem juízo continua valendo, apenas não fica claro qual poder o mandante ou o obediente dispõe. Às vezes o poder aparente de uma arma de fogo é neutralizado pela coragem do desarmado ou pelo preço a pagar se realmente o feito for realizado. Como por exemplo, no fato ocorrido ao final de uma festa nos anos 60 do século passado em frente ao Clube Internacional do Recife. Em disputa por uma bela moça, um dos pretendentes sacou um revólver, o outro imediatamente se aproximou e gritou: Eu compro! Revólver que atira sozinho eu compro! O valentão armado não atirou, desmoralizado foi tirado dali pelos amigos. (não vou citar nomes).  Nos macros acontecimentos da história, talvez sem o humor, algo parecido acontece. Do ponto de vista estritamente militar, fica claro que os vietnamitas não eram páreo para os Estados Unidos, no entanto, os vietnamitas ganharam a guerra. Que houve então? Os norte-americanos perderam a guerra politicamente. Os vietnamitas, cientes de suas carências militares, apelaram para a guerra de guerrilhas, de cansaço e desgaste. Para começar, inverteram o conceito de tempo nas guerras. Quase sempre, premidos pelos ministérios da economia de seus países, os generais contam com a pressa para a conquista da vitória. No caso vietnamita, eles de fato dispunham de tempo. Até a saída do último norte-americano em 1976, os vietnamitas já tinham experiência de quase mil anos de guerras. Guerras contra vizinhos e invasores. Os invasores mais perigosos e famosos foram os japoneses, franceses e norte americanos. Com tempo à disposição, os vietnamitas iniciaram a longa campanha internacional de divulgação dos horrores da guerra,  principalmente  denúncia dos crimes praticados em seu território. O número oficial de 58.000 norte-americanos mortos podia ser maior, pois existia por parte do comando de guerra vietnamita uma diretriz que orientava seus combatentes a não matar o inimigo e sim feri-los. De forma que foram cerca de 150.000 feridos levados de volta para casa. Foram mais de 200.000 famílias com alguma vítima direta do conflito. Era questão de tempo o início do questionamento da necessidade da guerra. Os vietnamitas praticamente ganharam a guerra dentro do território americano. A partir daí os americanos impuseram feroz censura em todos os conflitos que participam. Nem a solenidade da volta dos mortos é divulgada, como era antes. No caso das regiões produtoras de petróleo, a partir do final da 2ª segunda guerra mundial  todos os ditadores, reis etc. foram entronizados pelas grandes potências, o poder estava firme nas mãos das grandes refinarias de petróleo, estas quase sempre longe das fontes produtoras. Precisavam de representantes locais para fazer o serviço sujo. Com o passar do tempo, os antigos amigos começam a questionar a obediência cega às matrizes, tornam-se inconvenientes, precisam ser substituídos. A fonte de poder (petróleo) continua dentro desses países, daí a necessidade de armas e guerras para controlar a situação. No caso do Brasil, a situação é semelhante, como nos tornamos grandes produtores de commodities e matérias primas (algumas perecíveis) quase que unicamente para exportação, a fonte de poder está longe daqui, está no controle das bolsas de valores dessas commodities (açúcar – Londres; cereais – Chicago; ferro – Nova Iorque etc). É suficiente uma pequena alteração (artificial ou não) nas cotações dos preços para desestabilizar economicamente qualquer país que não esteja preparado para esses contratempos. Um dos motivos da onda de golpes militares no mundo patrocinados pelos EUA nos anos 50 e posteriores do século passado era exatamente montar a política de dependência econômica desses países, o máximo permitido seria um desenvolvimento industrial secundário. No Brasil a meta foi alcançada no final dos anos 70 do século passado, não havia mais necessidade da presença de militares amigos no governo.  O Brasil passa por um momento de afirmação, com a produção do pré-sal, o jogo do poder pode mudar, a fonte de poder voltando, pelo menos em parte, para dentro das nossas fronteiras. Do ponto de vista dos EUA, isso seria muito desagradável. Daí talvez, toda essa campanha mundial de desestabilização, não só no Brasil como de governos potencialmente capazes de pensar um pouco diferente e procurar caminhos próprios. Afinal colocar vassalos para tagarelar contra o governo e financiar desordens é barato e fácil de operar, nisso a CIA têm muita experiência e parece que está aplicando no momento.
Escrito por José Almino A. A. Pinheiro

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Recuerdos de Ypacarai - José do Vale Pinheiro Feitosa

A narrativa da composição de Recuerdos de Ypacarai foi retirada do Portal Guarani a partir da qual veio o texto, a música e a montagem. Aumentar a tela ajuda a ler. Aproveitem.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

SÓ EXISTIREMOS SE TIVERMOS TERRA - José do Vale Pinheiro Feitosa

O parque Nacional Indígena do Xingu foi criado em 1961 pelo Presidente Jânio Quadros. Tem 27 mil quilômetros quadrados, na área de influência dos rios formadores da bacia do Xingu, fica na região norte de Mato Grosso numa zona de transição entre o Planalto Central e a Amazônia. O parque foi o resultado da luta dos irmãos Villas Boas (Orlando e Claudio) que viajavam para a região desde os anos 40. Quem redigiu o projeto foi Darcy Ribeiro, então funcionário do Serviço de Proteção ao Índio. E recebeu o apoio de figuras de uma grandeza humana que são ricas pela narrativa e um espelho para estimular a juventude a ser ousada e humana muito além desse individualismo consumista. Falo do Marechal Rondon e do Noel Nutels.

O Marechal Rondon é herói na acepção da palavra. Um herói da transformação e ocupação humana e econômica do vastíssimo território do oeste brasileiro. Até então o Brasil era tão somente uma tripa litorânea que ia de Belém a Porto Alegre (sei não são bem à beira mar). Existe uma vastíssima literatura sobre Rondon. Noel Nutels, o chamado índio Cor de Rosa (Orígenes Lessa escreveu um livro com este nome evocando Noel.)

Quero dizer que tenho histórias fantásticas do Noel Nutels. Trabalhei num setor do Ministério da Saúde junto com a equipe do Noel. Mas vou apresentar breves traços de sua história: nasceu na Ucrânia, membro de uma família judia que migrou para Recife. Lá ele completa a infância, forma-se em medicina e vai morar em São Paulo e é o médico da primeira expedição Roncador-Xingu em 1943. Enfim: aproveita a expansão do Correio Nacional (serviço da aeronáutica para transporte de postagens) o dirige para as selvas, onde em clareiras era deixado com uma equipe e passava meses cuidando dos índios que eram dizimados por doenças de brancos.  

Terra quando pela primeira vez examinou as fotografias daquela, agora, pequena bola azul,
tão solitária no infinito e o poeta saudoso do seu exílio então atrás das grades de uma prisão

O que restou do povo Juruna (no século XIX eram dois mil) vive em sete aldeias, próximas à Br-80 no baixo Xingu. Em 2001 o que haviam sido se reduzira a 241 pessoas mas isso já era uma recuperação demográfica (no final da década de 60 eles eram 50 membros, a maioria jovens). A língua deles pertence ao tronco tupi e existe uma denominação que a chama de yudjá (significa dono do rio) mas é dada por outros povos. A palavra juruna é um termo nheengatu dada ao povo há vários séculos, que se traduz como “boca preta” que era uma tatuagem perene na face. Essa tatuagem foi registrada há 150 anos, mas deixou de ser usada e o povo juruna desconhece que existiu um dia.  

Antes de seguir adiante: o nheengatu foi a segunda língua geral criada no Brasil e era mais amazônica, a outra foi a paulista. Quando os europeus penetraram o interior e foram criando uma economia sedentária, foi-se criando a partir do tupi-guarani uma língua que pelo isolamento em relação à Europa foi tomando corpo e se tornando a língua nacional (como vivos foram duas). O Marquês de Pombal recriando as estruturas coloniais obrigou o ensino do português. Mas era pelas línguas gerais que as diversas etnias se comunicavam.

No anos 70 um índio da etnia Xavante se denominando Mário Juruna, assim como o menino que disse que o rei estava nu, expôs as ditadura e seus líderes. E foi de uma simplicidade fantástica. Com um gravador. Dos primeiros gravadores portáteis e à pilha. Juruna desmentiu todas as falsidades dos membros do governo apenas usando como instrumento o gravador.

Ele ia a Brasília para reivindicar coisas para o seu povo. Chegava ao gabinete e gravava a conversa com a autoridade. Então falava com os repórteres sobre o que haviam prometido e dito. Resultado o gravador do Juruna passou a ser o desmascaramento da mentira oficial.  Os jornalista para provocarem, perguntavam a razão do gravador e ele respondia: “Para registrar tudo o que o homem branco diz.” A repercussão foi tal que o jornal O Pasquim chegou a entrevista-lo. E foi uma boa entrevista ele era muito inteligente, com respostas rápidas e de muito bom humor.
Um Índio - música de Caetano Veloso aqui cantada por Milton Nascimento

Em próximas postagens pretendo falar mais do que ouvi sobre Noel Nutels e relatar um dia inteiro em que passeie com Juruna pelo Rio, com direito a almoço aqui em casa. Mas antes vou deixar mais uma frase do Juruna para adoçar a amargura desses deslumbrados com o Agronegócio.


ANTES DE TUDO, O ÍNDIO PRECISA DE TERRAS. ÍNDIO É O DONO DA TERRA. ENTÃO, O BRANCO DEVE RESPEITAR A TERRA DO ÍNDIO”.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

De "plantões" e "prendas" - José Nilton Mariano Saraiva

A notícia, inserta no jornal O POVO, de 23.02.14, apenas confirma publicamente aquilo que todo mundo sabe, mas tem medo de exteriorizar: no Poder Judiciário, que deveria constituir-se um poder acima de qualquer suspeita, a corrupção também se faz presente. E em seus escalões superiores, usando expedientes suspeitos.

É que determinadas bancas de renomados advogados de Fortaleza espertamente optam por impetrar “habeas corpus” junto ao Tribunal de Justiça do Estado, em favor de bandidos de alta periculosidade (já presos), só e exclusivamente só, quando dos plantões judiciários de finais de semana (no fim do ano passado, houve a tentativa de liberar pelo menos três criminosos de uma quadrilha especializada em assaltos, seqüestro e tráfico de drogas, reincidentes no mundo do crime e que já haviam sido condenados em pelo menos um processo).
E tem mais:  01) na busca para tentar evitar a liberação “legal”, os advogados dos bandidos apresentaram mais de um pedido de habeas corpus para o mesmo criminoso numa tentativa de confundir o sistema de distribuição eletrônica e chegar ao “desembargador do acerto”; 02) em um dos casos, três advogados diferentes (contratados pelo mesmo escritório) repetem a solicitação em datas distintas; 03) apurou-se também que alguns escritórios de advocacia esperam por plantões específicos de determinados desembargadores - a lista dos escalados para cada plantão passou a ser pública, por determinação do Conselho Nacional de Justiça.
Para tanto, sabem quanto era a “prenda” de Sua Excelência o Desembargador de plantão ??? De apenas e tão somente "irrisórios" R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais) por cada “habeas corpus” deferido (em um mesmo plantão do TJCE, nada menos que 64 recursos foram apresentados).


Descoberta a maracutaia,  pelo menos duas investigações estão em curso no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e outras para serem encaminhadas. O desembargador Gerardo Brígido, presidente do TJCE não quis comentar o assunto. Limitou-se apenas a dizer que os fatos estão no CNJ.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

"Cunhado generoso" - José Nilton Mariano Saraiva

      Lembram de Patrícia Saboya Gomes, ex-mulher de Ciro Gomes e cunhada do Governador Cid Gomes ??? Pois bem, sem nenhuma experiência na área, foi nomeada recentemente “reitora” da Universidade do Parlamento (deve ter alguma remuneração);
      Mesmo desprovida do “douto saber”, necessário e exigido, será nomeada (na próxima semana) pelo cunhado, governador Cid Gomes, conselheira do Tribunal de Contas do Estado, cargo vitalício e que paga algo em torno de R$ 25 mil mensais; para tanto, os “cordeirinhos” da Assembléia Legislativa (deputados aliados) já garantiram a aprovação da mensagem governamental.
      Não esquecer que, quando Senadora da República, notabilizou-se porque fez tanta traquinagem num voo internacional (junto com uma amiga) que o comandante da aeronave, lá de cima, pediu à policia de Roma, aqui embaixo, para recepcioná-las quando pousasse. Ficou retida até que a diplomacia resolvesse o problema.
      Com relação à sua vida parlamentar, como vereadora, deputada e senadora, sempre foi de uma nulidade a toda prova, autentico zero à esquerda. Tentou a prefeitura de Fortaleza em mais de uma oportunidade, mas o povo não permitiu.

      Dedução disso tudo: nada mais legal do que ter um cunhado generoso. Né não ???

Ação entre amigos - José do Vale Pinheiro Feitosa

Estamos lendo, por meio de uma grande revista, a condenação de uma prática. Aquela porta giratória em que o sujeito e o predicado trocam de lugar o tempo todo. Terminam pelo que se chama de ação entre amigos. Um grupo se organiza para dominar uma área do Estado e dele extrair vantagens financeiras. Este fenômeno foi largamente identificado pelos americanos quando criaram as Agências Reguladoras. O nome técnico foi de captura do agente regulador. É isso que se encontra há muitos anos no corpo da burocracia estatal, seus programas e atividades (ouvi longos relatos sobre Sebastião Camargo e contratos com a Aeronáutica ainda no princípio do anos 50 do século passado).  

Existe uma proteção fenomenal da prática. Ela acontece dentro de partidos políticos que permeiam vários governos e pela alternância de poder podem ter acesso à famosa caneta que assina. Um dos parafusos desta prática é o financiamento privado de campanhas eleitorais (que estão cada vez mais caras. Um vereador de município com menos de 40 mil habitantes do interior do Ceará pode gastar até duzentos mil reais para se eleger.

E no campo da sociedade a prática adquire um valor simbólico, que a legitima de alguma maneira, pela denúncia que estimula a alternância. A denúncia é uma das medidas mais adequadas justamente para o sistema funcionar sempre, mesmo com outros atores. Salvo denúncias surgidas das áreas de controle externo ou dos tribunais de conta, o que funciona mesmo é quando um agente privado se sente prejudicado nesse jogo, usa a imprensa para gerar o escândalo. Que tem repercussão política sobre candidaturas, mas nem sempre contra o partido, força as peças para que o jogo continue a funcionar. Continuar com os negócios proveitosos com o Estado.

Esse caso mesmo que Carta Capital tão bem demonstra, que irá gerar acusações contra o PSDB, inclusive com o viés de revanche, dado que este partido se tornou uma UDN a denunciar nos outros as práticas que o movem. Mas movem também grandes partidos e inclusive o PT que se dizia tão diferente. O PT usou tanto o expediente que Darcy Ribeiro chegou a denominá-lo de "UDN de macacão." E agora o que estamos falando?

Que a "ação entre amigos" é comum em todos os governos, em obras públicas, serviços de manutenção, serviços de propaganda e marketing (que na verdade é a chamada comunicação), serviços de informática, serviços terceirizados de toda ordem e nas ONGs e OS. Estas duas últimas modalidades chegam a ser fatiadas entre aliados para que gerem recursos para a continuidade do "partido" a ocupar o poder.

É nessa questão que a política, a verdadeira política, deveria agir. Encontrar mecanismos que economizem recursos e com os quais os ralos sejam vedados. E, claramente, isso não é pós-fato, a vociferação de tribunais, o denuncismo, a escaramuça para tirar vantagens e gerar manchetes. A revisão da lei de licitações é uma grande questão. Não só a transparência é necessária, como a participação no processo mesmo é necessário. Há que se reduzir a burocracia que serve para esconder os malfeitos. Entre outras medidas que reduzam a "captura da verbas públicas" pela "ação organizada entre amigos". Acrescentando evidentemente o fim do financiamento privado de campanhas eleitorais. 

Vejamos um paralelo com o que citado sobre os governos do PSDB e o desperdício da água. Quando o atual Ministro da Saúde foi nomeado, setores do PSDB denunciaram esta porta giratória entre ele com agente público e sua empresa privada de consultoria. Qual a resposta principal do Ministro? Transferir a empresa para a esposa. Nada mais cínico. Mesmo que ele não receba grandes volumes de dinheiro pelas consultorias que presta aos governos, que sejam migalhas frente a essas denunciadas pela Carta Capital, o que se verifica é a universalidade da prática nos agentes públicos dos governos de muitos partidos. 


Inclusive do PSDB e do PT, mas não só deles. Apenas se destacam por serem os principais partidos em disputa no país. 

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Chá Chá Chá da vida - José do Vale Pinheiro Feitosa

Que importam as eras. Uma criança sempre chega à sua por memórias que se condensam em símbolos. Em símbolos que se misturam ao ser, que dão sentido a ele ao dispô-lo num plano, nem sempre uma linha de tempo, mas meteoros que riscam o céu.

O velho Cine Moderno. A porta que dava para os banheiros vazava luz nas sessões matinais e a plateia gritava: feche aí. Lembro como se fosse uma extensão de mim. Aquela plateia da sessão de uma hora, muito chegada a uma série, a um cowboy preto e branco. Aos gritos, vaias e piadas.

E de repente uma cena no meio de um tumulto sem fim. Todas a gafes de doer a barriga de tanto riso.  E aconteceu destas raras sessões, que abriam o universo do século XX para o menino que vivia num tempo de passagem entre o século XVII e XIX. Se bem que com inúmeros símbolos a lhes rodear a vida: máquina a vapor do engenho, o trator, os automóveis e caminhões e até os restos do que fora no passado uma iluminação elétrica.

O cena era uma tumulto qualquer, de filme que marcou-se como Mexicano, mas poderia ser de qualquer outro país e a música devia ser Chá Chá Chá de La Segretaria. Ou então não foi no cinema foi no rádio. Mas o símbolo que se marcou foram as sessões das 10 e 13 horas no Cine Moderna.


Fui a muito poucas. Assim era a vida de um menino de sítio. Mas foram suficientes para serem muitas. E o Chá Chá cuja cena lembro com muito riso é uma canção de Renato Carosone.

Chá Chá Chá de la Segretaria - Renzo Arbore - composição Renato Carosone.

Renato Carosone é o encontro entre as culturas pela divulgação do disco e rádios. Renato Carosone compõe um cha cha. Ele um napolitano típico. Um dos mais reconhecidos músicos italianos na metade do século XX. Formado em Conservatório de Música, Carosone viveu a migração italiana que foi para o chifre da África. Especialmente com aventura de Mussolini na Etiópia. E Carosone ficou por lá. Só voltou à Itália após o fim da guerra. Formou grupos musicais de grande sucesso.

Um dos sucessos mundiais de Renato Carosone foi este que segue abaixo:

Tu vuo fa L´Americano - Renato Carosone com vemos uma letra em puro dialeto.


Aqui a mesma canção num filme americano em que aparece Sofia Loren.

O chá-chá-chá é uma variação do Mambo. É cubana da gema. Como é típico daquela cultura é uma música e uma dança. Assim como o mambo, o merengue e outros ritmos cubanos. Quem a lançou foi o músico cubano Enrique Jorrin. A música fundadora do ritmo seria La Engañadora.

La Engañadora - Orquestra Americana - Enrique Jorrin.

O nome chá-chá-chá vem do ruído do reco-reco que em Cuba chama-se güiro juntando-se ao ruído do dançarino arrastando os pés no chão.

Renzo Arbore é um artista multi-disciplinar. Conduziu grandes programas na televisão, especialmente humorísticos, que lançou grandes nomes da cultura italiana, incluindo Isabela Rosselini. Um showman de primeira. Domina o palco como poucos. Diretor de cinema. Músico. Cantor. E fundou a orquestra italiana com 15 músicos para divulgar a canção napolitana. Aqui novamente a abertura musical do povo italiano, com uma melodia que um samba brasileiro sem defeito algum. Além do mais bem humorado pondo o som da sílaba final da cacau em todas as palavras.

Cacao Meravigliao - Renzo Arbore

As chancas de Alphonsus



                                       
J. FLÁVIO VIEIRA

                                               Alphonsus Publius Catarinus Maximus !  Esse nome, carregado de um latinório trava-línguas, poderia fazer parte da Mitologia Romana. Como diabos teria aterrissado em Matozinho ? Primeiro, é importante lembrar que o nosso Alphonsus  não trouxe esse epíteto da pia batismal. Nascera, sem sangue azul, molhando fraldas esfarrapadas, como muitos dos seus conterrâneos. Ainda adolescente,  enfurnara-se num Seminário, na capital,  e por muito pouco escapou da ordenação. Fora aluno exemplar e seus superiores vaticinavam-lhe uma brilhante carreira religiosa, coisa para arcebispo ou cardeal. Apaixonou-se, no entanto,  por um rabo de saia , filha de uma das copeiras do Seminário , e ela terminou arrancando-lhe a batina e  ele, em compensação, assungou-lhe  a saia . Partiu, então, nosso Catarinus para a dura vida de chefe de família, como comerciário. Nunca, no entanto, abandonou aquela mania de  sacristia, falava  apenas em latim vulgar e irritava-se por não ter interlocutores fora das hostes sacerdotais. Foi aí que resolveu, num penoso processo, mudar, em cartório,  o nome de matuto, Afonso Possidônio , de Catarina ( sua mãe) ,  para o pomposo : Alphonsus Publius Catarinus Maximus. E foi de posse desse novo registro civil que um dia aportou em Matozinho, carregando já uma récua de filhos. Com o dinheiro juntado, por muitos anos, estabeleceu-se por lá com um pequeno Armarinho e, já madurão, mudou-se para uma fazendola que adquiriu  e renomeou-a  de “Parnaso”.
                                   Em Matozinho,  teve que abandonar o latinório,  pois ninguém ali estava à altura da sua  sapiência lingüística. No Seminário versara-se em autores clássicos portugueses como Herculano e Castilho e sabia todo o “Eu” do nosso Augusto dos Anjos de cor. Negava-se, assim, terminantemente,  a falar em linguajar reles, fugia dos galicismos e anglicismos como o capeta de água benta. Erros de português, se legislasse, seriam punidos com prisão perpétua, salvo os de concordância verbal onde deveria se aplicar, sem remorso,  a pena capital. Publius mostrava-se, ainda, totalmente a favor da redução da maioridade penal: a partir de 12 anos, se desferir golpe de morte no vernáculo: galés perpétuas ! Ademais , nada de se resumir a uma centena de verbetes apenas, num idioma tão rico como o português:
                                   -- O  ” Caldas  Aulete” tem trezentos mil verbetes é pra se usar ! --- Costumava dizer  Catarinus .
                                   Até na emissão quase que automática de palavrões , nosso  vernaculista se policiava. “Filho da Puta” , virava  “Rebento de uma deusa de lupanar” ; “Maricas” , dizia “Pederasta sub-reperício “; “Vá para PQP !”  tornava-se nos lábios de Catarinus : “Diriga-se à Messalina que vos concebeu!” . Personagens famosos de Matozinho, também, ganharam denominações menos rasteiras : “Jojó Fubuia” terminou rebatizado por Johann Etanol; Janjão da Botica transformou-se em Jonh Pseudo- Esculápio.
                                   Dias atrás correu por toda Matozinho o ocorrido na Barbearia de Barba de Gato. Alphonsus lá chegou tentando encomendar um corte de cabelo. Dirigiu-se para nosso barbeiro, semi-analfabeto, com o seguinte palavreado :
                                   --- Ó Fígaro ! Quanto queres de remuneração pecuniária para desbastar estas excrescências córneas que se avolumam por sobre minha calota craniana ?
                                   Barba de Gato, mais perdido que cachorro em noite de São João, diante de tamanha catilinária, interrogou-o:
                                   --- Kumas ? Oxente , O homem  endoidou ou veio das estranjas !
                                   Contrariado, Alphonsus, raivoso, ameaçou :
                                   --- Se dizes por insipiência, perdoar-to-ei ! Se,  no entanto,  pretendes zombar da minha alta prosopopéia, desferir-te-ei um golpe com  este instrumento perfuro-contuso que o vulgo o denomina “bengala” , no frontispício da tua caixa craniana,  com tamanha impetuosidade, que ela  há de metamoforsear-se , em iníquos instantes, em meras cinzas cadavéricas !
                                   Registra ainda o folclore de Matozinho  uma outra epopéia  do nosso vernaculista. Pela manhã , ele despertou o filho caçula ,Dioclecianus Tertius, pedindo-o para ir até ao mercado público a fim de comprar uns cuscuzes  para o café da manhã. Convocou-o com este petardo:
                                   -- Tertius, prólio meu ! Levanta-te deste leito adormecente e caminha até àquele aglomerado humano que o povo denomina de mercado e compra-me massas côncavas a que o vulgo rotula de cuscuz, para que possamos saborear no nosso jantar matinal !
                                   Semana passada, a praça da matriz parou diante de uma cena inusitada. Alphonsus  buscou um engraxate, no intuito dar um trato nos seus pisantes. O problema é  que se tratava de uma figura popularíssima em Matozinho e que carregava um apelido  hilário : “Cu de Apito” . Imaginaram todos a dificuldade que teria nosso emérito vernaculista em tipificar o engraxate de forma mais erudita. Em alto e bom som, Publius aproximou-se  e , com sua inconfundível voz tonitruante, encomendou o serviço:
                                    --- Insigne polidor de pantufas ! Poderias genufletir-te ante mim e tornar luzidias estas minhas pré-históricas chancas !  Vinde,  ó Óstio anal chilreador !

Crato, 21/02/14

ANTOLHOS - José do Vale Pinheiro Feitosa

Antolhos. Aquele anteparo que cega a visão lateral. Pode ser este o sentimento de alguém que leu a notícia da apreensão policial de um menor de idade, tentando roubar um casal de turistas em Copacabana.

Acontece que o caso ainda arde na chapa quente do noticiário. Este mesmo menor foi alvo de intenso debate nacional. Ele fora espancado e acorrentado a um poste por um grupo de vingadores que circulam pelas ruas do Bairro do Flamengo.

Em primeiro lugar a repercussão no Rio foi imediata. Yvone Bezerra, que se tornou uma referência em defesa das crianças assassinadas na Candelária no anos 90, foi quem desacorrentou o menor e denunciou o ato.

Depois uma apresentadora do SBT cometeu a burrice de, usando um serviço concedido, estimular o ato de espancamento e tripudiar em torno do menor. Aí o debate virou nacional. Muita gente não aceita este tipo de estímulo à violência com o uso de serviços públicos.

Agora o menor foi apreendido numa tentativa de roubo e foi encaminhado para um desses órgãos formais de recuperação por meio da justiça. Aí vem a história dos antolhos. Quem não consegue visualizar a lateralidade do mundo, imediatamente vai vociferar contra quem defendeu o direito humano.

Vai usar a reincidência ou comprovar que o menor era ladrão e merecedor do que sofreu. Efetivamente justificando a justiça pelas próprias mãos. As mãos mais fortes que inclusive podem ser pagas como os pistoleiros.  

A apresentadora do SBT se não der a notícia por satisfação, irá dar um jeito de mostrar que ela tinha razão. Afinal o debate é público. E a vingança é uma das mais antigas ações do drama humano.

Mas aí vamos para a lateralidade. Um mesmo ator (o menor) recebendo dois tratamentos distintos. No primeiro ele foi agredido em seu direito humano (escrito na lei). E no segundo ele vai se submeter à normas sociais em razão do seu ato.


Isso faz toda a diferença. 

Por que é golpe? - José do Vale Pinheiro Feitosa

A instabilidade social e as manifestações populares, aliadas a grupos políticos organizados militarmente, deixam no ar a ação de ruptura dos regimes que hoje funcionam baseados no sufrágio de candidatos. A questão está mais ou menos assim: um grupo deseja romper as políticas de renda, falta de proteção social, desemprego, despejo por dívidas e se manifesta. Grupos distintos, com outros propósitos políticos, aproveitam a ocupação das ruas e vão para o confronto militar franco.

Na Síria, na Ucrânia isso é bem visto. (Claro que por fora, acirrando posições países fortes tomam partido financiando um lado ou outro e até os dois). A Ucrânia é mais grave porque há um problema crônico básico de setores étnicos em relação à Rússia (imperial ou soviética). Estes setores ocuparam o campo da extrema direita política, são organizados, perduram há muitos anos de tal modo que aderiram ao Exército Nazista durante a invasão da União Soviética na Segunda Guerra. 
  
A situação na Ucrânia é de tal modo um retorno ao nazi-fascismo original que judeus já são perseguidos por lá. Este Jam Koum, um dos bilionários do WhatsSpp vendido para o Facebook, migrou há alguns anos para os EUA em razão das perseguições feitas contra judeus. E isso foi no final da União Soviética, em 1989, e no ano de 2004 aconteceu na Ucrânia a tal Revolução Laranja que foi comemorada como um grande ato político pela mídia ocidental.

A revolução laranja, dez anos atrás, se deu com uma revolta popular em razão de uma fraude eleitoral em que o segundo lugar Viktor Yanucovych (esse mesmo atual presidente) foi confirmado no lugar do que teria sido o primeiro colocado que é Viktor Yushchenko. A eleição foi anulada, Yushchenko disputou e venceu. Acontece que o paraíso não chegou e Yuschenko se desgastou e quem está no poder é o outro Viktor.

Mais do que uma insurgência contra o Governo, o que se tem por trás é a ruptura do processo em que a maioria vence a eleição. No caso da Venezuela isso é nítido e mesmo quem torce contra Maduro, deve imaginar que no mínimo o país tem uma grande divisão e que por eleições vão fazendo projetos de seguir adiante. O mesmo processo que elegeu Maduro, poderá eleger Capriles nas próximas eleições.

O que deseja esse López? Provocar ruptura para ele mesmo ser o autor e aí Capriles e companhia vai para o espaço. A oposição na Venezuela nunca se uniu e por isso perde tantas eleições. É preciso compreender um pouco a formação social da Venezuela. Por muitos anos uma parcela da população foi privilegiada com o Petróleo do país. Tinha uma vida de classe média até superior a de outros países latino-americanos.

Essa parcela educava os filhos nos EUA, tratava a família e tinha casas por lá onde passava as férias. Essa parcela se alienou do seu próprio país e do seu povo. O Leopoldo López fez a maior parte de seu ensino básico e de sua formação universitária nos EUA. Isso significa que parte da identidade e das ligações dele são com aquele país.

O que ele propõe nas ruas é a ruptura dos resultados das eleições no curso do mandato do eleito. Além do mais ele tem usado táticas de movimentação que recordam o ocorrido em 2002 no golpe contra Chávez. Por exemplo o aparecimento de mortes por balas perdidas em manifestações para depois gerar mais tensão social.


Leopoldo López não só participou do golpe de 2002 como, nesse momento, se diz orgulhoso do fato. Ou seja defende abertamente um golpe. A BBC Brasil o classifica assim: popular, carismático, imprevisível, arrogante e sedento de poder.  

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

CRIANÇA SÍRIA PERDIDA NO DESERTO É SALVA PELA ONU - José do Vale Pinheiro Feitosa

Na mesma linha da postagem anterior. A CNN divulgou uma história com dois ingredientes hollywoodiano - drama e tragédia: uma criança sozinha andando no deserto. Havia se perdido da família. Eram sírios em fuga pelo deserto da Jordânia. Salvo por uma equipe do Alto Comissariado da ONU e registrado por repórteres e fotógrafos, ele carregava uma bolsa com umas migalhas para comer e uma garrafa para matar a sede.

A notícia virou o mundo. A jornalista Hala Gorani publicou a história no Tweet e despertou a emoção dos leitores. Foi este o trabalho pela informação?

Não!

Não passava de uma farsa. A criança não estava sozinha, acompanhava um grupo de pessoas em fuga, incluindo os familiares do garoto que caminhava alguns passos à frente dele. Um fotógrafo que seguia à frente tirou uma foto do grupo e ao ampliá-la quem estava lá? O menino que teria sido encontrado sozinho na solidão do imenso deserto. 

Estes americanos são mesmo a moral suja imperial. Financiam a desgraça e ainda tiram proveito econômico até da notícia dos efeitos causados por eles. 

Manchete encontrada em orgia no submundo - José do Vale Pinheiro Feitosa

A chamada da postagem é apenas um jogo para evidenciar os enorme papel que os títulos, chamadas ou manchetes têm para atrair o leitor. E como uma mensagem cifrada, cheia de símbolos, a manchete por vezes é a primeira impressão sobre a notícia senão a única. 

A manchete dos jornais é resultado da hierarquização da notícia (informação). O destaque mostra a importância do fato. Isso foi tão marcante que se expandiu por todos as mídias. Rádio, Televisão, Internet etc.

Acontece que jornais e os sites são ligados a empresas que prestam serviços e vendem ou apoiam opiniões. E é aí que a hierarquia toma a feição da manipulação, da armação e das campanhas de natureza política.

Agora mesmo nas manifestações da Venezuela aconteceu uma enorme leva de manipulações nos sites da internet. Fotos que eram tidas como sendo das manifestações na verdade eram imagens de manifestações, conflitos e vítimas acontecidas em outros países e muito antes.  

Empresas do mercado de mídias chegaram a reproduzir tais fotos, como por exemplo a CNN. Mas a novidade é que usando a internet como fonte da falsidade, também rapidamente é a fonte do desmascaramento. Foi o que aconteceu.

Acirrando-se posições os consumidores dos meios de comunicação precisam ficar atentos para as tais “hierarquizações”. Só para se observar um exemplo que está em curso desde o início da manhã de hoje.

Desemprego sobe em janeiro e fica em 4,8%, aponta IBGE. SITE GLOBO.COM
Desemprego fica em 4,8%, menor taxa em 11 anos. Site Brasil247 simpático ao governo.
Meia hora após Globo.com refaz a manchete: Desemprego registra menor taxa para janeiro desde de 2003, diz IBGE.

Isso tudo em razão da pesquisa mensal que faz o IBGE sobre o emprego no Brasil. Acabou de sair o relatório e o que acontece é que passado o mês dos empregos temporário (dezembro com as festas de finais de ano) o desemprego sempre aumenta quando se comparam os dois meses (janeiro com dezembro pois o indicador do IBGE, sendo mensal, é bem dinâmico).


É tanto que mais vagas foram cortados no setor do comércio seguida de educação, saúde e administração pública. De fato, em onze anos este indicador de janeiro foi o menor, a taxa de pessoas empregadas cresceu em relação a janeiro de 2013 assim como o rendimento real habitual do empregado. 

O pouco que se planta alimenta a filharada. - José do Vale Pinheiro Feitosa

Lá o pouco que se planta
Alimenta a filharada
O pouco com Deus é muito
O muito com Deus é nada

A cada nota musical a espuma azul cobre mais a sujeira que baixou do mundo. Novamente o refrão: Lá o pouco que se planta.

Não é a África. É a mama África. É o Rio de Janeiro destilando o seu código genético. Alimenta a filharada.

- Olha aí! Eu vou dar um tempo. Sair uns dez dias. São férias mesmo. Não vou ficar mofando em casa. São dez dias.

A esponja pinga água e esfrega a espuma azul sobre o metal. Botas longas. Roupa padronizada com símbolos e tudo. Alto e esguio como um Watusi. Um Etiopiano da nascente do Nilo Azul. O pouco com Deus é muito.

- Vou lá em Itacuruçá. Com sete contos vou lá naquele parque e passo o dia inteiro. Vou dar uma olhadela naquela ilha lá. Ela tá lá. Eu vou. Vou e volto por quinze contos.

Vai da traseira à dianteira esfregando a espuma azul. Gira volta pelo outro lado. Vidros. Limpadores levantados. Espelhos. Porta. Rodas. O muito com Deus é nada.

- De chumbada e molinete? Eu gosto com a chumbada amarrada na barra e a gente em cima do barco.

- Aí. Eu fiz muito isso lá em Macaé. Ali naquele lugar perto da Base da Petrobrás. Comprei uma chumbada legal. Uns camarãozinho no maior caô. Deu legal.

As mãos molhadas apertam o botão que liga a bomba do esquiço de água.

- E este interruptor não é um perigo? Vocês todos molhados.

- De vez em quando vem um choquezinho básico.

O jato de água vai retirando a espuma azul misturada ao cinza da sujeira. E recomeça. Lá o pouco que se planta. Alimenta a filharada.

- É um samba de partido alto?

- Zeca Pagodinho na parada. O Zeca pagodinho é daquele jeito mesmo. Eu já cruzei com ele. Lá no posto de gasolina que eu trabalhei na Barra. Ele chegou perto de mim, disse que eu esperasse que ia me dar alguma coisa, meteu a mão no bolso e tirou umas notas toda amassada. Ele é assim mesmo. Não tem farsa.

- É sincero.

- Autêntico. Outro dia um amigo deu carona para ele ir lá naquele Pet Shopping que fica ali no Recreio. O Zeca pediu carona e o amigo: mas Zeca é tu mesmo! Vá lá meu irmão, toca esse bicho para frente que tá um calor danado.


- Não tem farsa. Pega o carro aí, dá uma volta e põe ali na frente para eu enxugar. 

Sujeito Pacato. Cantada por Zeca Pagodinho. Composição Serginho Meriti e Claudinho Guimarães.

AMEI CONHECER FfERNANDO TORDO...


Vale a pena escutar como se fosse pela primeira vez...


Carnaval da Saudade - 2014


quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

A Rama de Jerimum na Grota do Riacho do Meio - José do Vale Pinheiro Feitosa

Nas nove horas o sol já funga como o sopro da fornalha. O chão desta terra nordestina é o espelho da luz. Espelha tanta energia que arde como a trempe do fogão a lenha.

- Vó?

- Ôi meu fiii! – a cada sílaba os tufos de fumaça falava com a paisagem levando a mensagem do cachimbo.

- Eu tô cum vontade de ir lá na grota perto do riacho do mei e apanhar uns jerimuns caboclo que esperei dar no ponto.

- Vá meu fii! Vá! Dá tempo....

- Eu vou trazer todos eles. Tô com um vontade danada de comer jerimum.

- Traga meu fii! Traga eu vô cuzinha eles e nós come.

- Come Vó! Vô ino.

Se eu tivesse tempo ia mostrando todos os fragmentos que o mundo implantou dentro de mim. Mas são tantos fragmentos que nem sei de onde tirar. E quanto mais tiro mais os bichos aparecem. Assim como ouvir, pela primeira vez Nat King Cole, naqueles tempos que somavam as melodias de volta da gente, as mais ali, as acolá e até lá das lonjuras que nenhuma pisada conseguiria chegar. 

Nat King Cole canta Mona Lisa feita para a trilha sonora de um filme da Paramount, composta por Ray Evans e Jay Livingston

Uma voz que se inveja matasse, eu já estava morto desde os idos dos anos sessenta do século XX. Ele também morreu em 15 de fevereiro de 1965. Uma vingança do tamanho da minha inveja: um câncer venceu sua garganta e a teia se espalhou pela voz e por toda a vida.

Pretend gravada por Nat King Cole em 1952, composta por Lew Douglas, Cliff Parman e Frank Levere

Uma voz que honraria qualquer cultura. Qualquer família de bem. Mas Nat King Cole foi uma vítima contínua da discriminação racial. No Alabama, na cidade de Birminghan, ele foi derrubado no palco enquanto cantava Little Girl. Eram membros da North Alabama White Citizens.

Little Girl - com letra do próprio Nat King Cole

 No tempo em que a Máfia mandava em Cuba junto com o ditador Fulgencio Batista, ele foi cantar, mas proibido de hospedar-se no Hotel Continental porque era negro. Comprou uma casa num subúrbio de Los Angeles, onde moravam brancos e de lá foi expulso.

Ay Cosita Linda - do disco em que Nat King Cole cantava em Espanhol a música foi composta por Pacho Galan, músico colombiano

Nat King Cole mora na grota do Riacho do Meio e de vez em quando vou apanhar um jerimum por lá. 

Além de descer até os povos de fala hispânica, Nat King Cole esteve entre nós, foi primeira página e alvo de reportagens da Revista O Cruzeiro. Até o presidente o recebeu.  
QUANDO É CONSIDERADO LEGÍTIMO DERRUBAR UM GOVERNO DEMOCRATICAMENTE ELEITO? 

EM WASHINGTON A RESPOSTA SEMPRE FOI SIMPLES: QUANDO O GOVERNO DOS ESTADOS UNIDOS DIZ QUE É.   


Mark Weisbrot – The Guardian

Vá para Cuba! Vá para a Coreia do Norte! Vá limpar banheiros! - José do Vale Pinheiro Feitosa

Resolvo falar de um ícone da canção portuguesa. Chama-se Fernando Tordo, tem 65 anos, viveu parte de sua vida sob a ditadura salazarista e outra na democracia. Sonhou um Portugal melhor para os filhos e os netos.


Vencedor de prêmios de festivais da RTP, Fernando foi gravado pela nata da canção portuguesa pós-ditadura como Dulce Pontes, Carlos do Carmo, Mariza, Carminho, Simone de Oliveira e muitos mais. Fernando fez belíssimas canções com o poeta José Carlos Ary dos Santos tais como Tourada, Estrela da Tarde, Lisboa Menina e Moça, O amigo que eu Canto e mais esta Balada para os nossos filhos, que poderemos ouvir abaixo na própria voz do compositor.


Um Portugal melhor para os filhos e netos, Fernando Tordo viu sair pelo ralo com a crise que abala a Europa e Portugal em especial. Nos último ano vivia de uma aposentadoria de um pouco mais de duzentos euros (R$ 659,78) e, segundo seu filho o escritor João Tordo recebia uma pequena aposentadoria da Sociedade Portuguesa de Autores que dava para pagar a gasolina com a qual ia de cidade em cidade cantando suas músicas, ora com casa cheia, noutra mais ou menos e noutras vazias.
Fernando Tordo pegou uma avião e veio morar em Recife. Não conhecia bem o Brasil e o Brasil não conhece sua música admite o próprio filho escritor (que ele cita na música acima) numa carta que escreveu e publicou no jornal “Público” de Portugal. Mas veio e antes despediu-se no Facebook dos amigos e admiradores que ainda tem.

Fazendo as contas Fernando veio tentar uma nova e desconhecida vida aos 65 anos de vida.

No Face recebeu carinho e muitas pedradas no estilo que estamos lendo em revistas como Veja, a extrema insensibilidade humana tal qual aquela Australiana que disse que não iria se sujar ao se referir a uma manicure negra num salão de beleza de Brasília ou a tal Rachel do SBT apoiando a tortura de um menino de rua.

Para ilustrar estes tempos e intolerância anti-humana que é gerada nas redes sociais vou colar o próprio texto que se encontra na carta feita pelo João Tordo:

“Outros, contudo, mandaram-no para Cuba. Ou para a Coreia do Norte. Ou disseram que já devia ter emigrado há muito. Que só faz falta quem cá está. Chamam-lhe palavrões dos duros. Associam-no à política, de que se dissociou activamente há décadas (enquanto lá esteve contribuiu, à sua modesta maneira, com outros músicos, escritores, cineastas e artistas, para a libertação de um povo). E perguntaram o que iria fazer: limpar WC's e cozinhas? Usufruir da reforma dourada? Agarrar um "tacho" proporcionado pelos "amiguinhos"? Houve até um que, com ironia insuspeita, lhe pediu que "deixasse cá a reforma". Os duzentos e tal euros.

Esse tipo de discurso Fascista tem muito da intolerância a reinar a cabeça de muita gente. Por falar nisso um estudo americano recente feito numa amostragem bem calculada demonstrou que os ignorante desconhecem que o são e têm maior tendência para a arrogância. Claro que o ódio todo se deve às declarações de Fernando antes de embarcar de Lisboa ao Recife.

 “Ainda tenho muita coisa para fazer, muita música para escrever, muita canção para cantar, muita gente para conhecer, portanto é muito provável que aproveite estes últimos anos da minha vida porque não os quero consumir aqui, eu não quero. Não aceito esta gente, não aceito o que estão a fazer ao meu país” refere. “Não votei neles, não estou para ser governado por este bando de incompetentes”.
“O que é natural é que faça como foi aconselhado a muitos jovens mas também poderiam ter aconselhado a mim. Tenho 65 anos, quero-me ir embora, mas sem drama nenhum. Passou a ser insultuoso ao fim de 50 anos de carreira ter de procurar trabalho desta maneira, ter que viver quase precariamente. Não quero, não muito obrigado, vou-me embora. Mas satisfeito!” 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

DECIFRA-ME OU EU TE DEVORO - José do Vale Pinheiro Feitosa

Desde a Rio 92 que o mundo fala em desenvolvimento sustentável. Nas atuais eleições o Programa do Candidato Eduardo Campos será feito a partir de Diretrizes com acentuada visão da Sustentabilidade. É tanto que na introdução do documento está dito: “construir as bases para um ciclo duradouro de desenvolvimento sustentável, com ampla participação de todos os atores na promoção do progresso socialmente justo, ambientalmente sustentável e libertador das potencialidades criativas da humanidade.”

Um programa de governo com estas características se contraditará com as diretrizes de negócio de muitas empresas que surfam na obsolescência programa, especialmente a de equipamentos eletroeletrônicos. Pesquisa do Instituto Market Analysis junto com o Instituto de Defesa do Consumidor demonstra uma ação deliberada da indústria tanto para programar a obsolescência quanto para psicologicamente motivar o consumidor a aceitar tal desperdício.

Acontece que esta prática de negócio é altamente danosa ao meio ambiente tanto como geradora de lixo tóxico quanto pelo consumo de recursos naturais. E tem muito mais abaixo desta motivação. Isso mexe no próprio “espírito criativo” do capitalismo e com a aceitação desse modelo iníquo de desenvolvimento que hoje avassala inclusive o desenvolvimento do países da América Latina.

A pesquisa demonstra claramente o quanto a prática de negócio é indutora de alienação social e se compõe como na essência do atual modelo de progresso capitalista, orientado por um núcleo concentrado de empresas, a maioria das quais são bancos. O mundo se move como uma boiada tangida pela ganância do lucro rápido. E este lucro é subtraído da natureza finita e da desgraça de bilhões de pessoas.

Os consumidores brasileiros já estão num estágio de alienação tal que consideram a obsolescência como algo natural e descartam equipamentos que ainda funcionam por modelos que nem sempre são tão inovadores. O essencial é que a troca é feita por motivos da moda e pela incorporação de novas funções, num processo que mexe com a estabilidade emocional das pessoas que busca, na troca, uma mudança de status simbólico. 

Os consumidores não se ligam no dano ambiental e não consideram as perdas econômicas, sociais e culturais com as constantes trocas que subtraem alternativas de vida com tais perdas. É tanto que na pesquisa fica claro que eles percebem o jogo da indústria que impõem a obsolescência, têm consciência que a vida útil ideal poderia ser superior à real.

Os consumidores não apenas sabem que são enganados mas aceitam este jogo. Aí vem o grau de alienação que é certamente psicologicamente manipulada pela propaganda e marketing em suas várias modalidades incluindo as manifestações culturais com um rasgado merchandising. Isso já é conhecido com o cigarro e com as bebidas.

Fábian Echegaray no blog Livre Pensar conclui sua análise sobre esta pesquisa assim: “Uma sociedade com clientes vorazmente abraçando o descarte de produtos quando ainda estão funcionando, fabricantes que programam vida útil encurtada nos aparelhos que produzem, agências de publicidade faturando com o pavor à obsolescência psicológica dos consumidores e governos omissos aos efeitos de semelhantes práticas só podem nos colocar na contramão da sustentabilidade.”  


A diretriz de um desenvolvimento sustentável é mais que economia verde, é algo além do modelo de negócio do atual estágio do capitalismo globalizado. É este o enfrentamento que o PSB e a Frente vão encontrar no seu caminhar político. E tal enfrentamento é preciso ser feito com a união dos brasileiros, inclusive para vencer as barreiras da alienação consumista. Não é fácil, mas necessário.