por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 28 de junho de 2013

Tributino Cover



Calixto Tributino retornou a Matozinho já velho , com a cara parecendo um papiro da III Dinastia. Saíra ainda menino, perambulara pelo mundo,  e terminou por se fixar em Codó no Maranhão,  onde fez a vida e de lá trouxe histórias para colorir a opacidade da sua velhice. Ainda rapazote,  metera-se com roubo de gado em Matozinho -- coisa de adolescente, diz-se hoje, mas que naquelas brenhas considerava-se crime inafiançável, no mínimo apenado com tiro de trabuco no toitiço. Por isso mesmo,  os pais de Calixto anteciparam sua arribação inevitável. Ele partiu com passagem apenas de ida e, como bom sertanejo,  não mais deu notícia. Parte de uma récua infindável de filhos, quebrada a casca do ovo, o matuto percebe que é hora de alçar vôo: vira  uma página desta vida que não tem marcha ré.  Todo adeus, afinal, carrega consigo aquele gosto de nunca mais. Quando Tributino resolveu retornar,  já tinha o ninho sido desfeito, os pais e irmãos haviam obedecido ao inevitável chamado da velha da foiçona. Ali encontrou poucos amigos da sua geração. Não trazia no matulão muitos recursos, apenas um dinheirinho da venda da casa em Codó que usou para comprar uma outra em Matozinho,  e uma aposentadoria minguada do FUNRURAL.
                                   Ninguém nunca compreendeu bem porque Tributino voltara. Toda uma existência plantada em Codó, onde, certamente, devia ter mais amigos sobreviventes que em Matozinho, alguns filhos residindo por lá e outros espalhados mundo afora, esperava-se que seu outono no Maranhão fosse menos rigoroso do que na sua cidade natal. O retorno ,possivelmente, teria alguma relação com sua fuga e sua folha corrida na adolescência. Calixto , homem de bom coração , deve ter carregado eternamente consigo aquela mácula, aquele sentimento de culpa. O filho pródigo voltara para se redimir : não sou nada daquilo que vocês estão pensando!  Aposentado, para espairecer e não ficar numa cadeira de balanço, de butuca esperando a morte, Calixto meteu-se a marchante de bode. Abatia uns cabritinhos nos fins de semana e saía vendendo a carne, numa burrinha, rua afora. Acompanhava-o Fantico, um cachorrinho pé-duro, amigo inseparável e que chegara com ele na viagem de volta.  A profissão não se mostrava das mais glamorosas e,  claro , sem muitas vitórias para se vangloriar, derrotado em quase todas as batalhas que empreendera,   teve que criar um personagem, uma espécie de Tributino Cover,  um ser quase mitológico  impregnado de poderes mil: uma espécie de Ulisses Matozense. Dia a dia, entre uma rodinha e outra nas calçadas, debulhava suas peripécias em terras maranhenses. E eram muitas e muitas estripulias para um super-herói só.
                                   Nosso personagem dizia-se trabalhador incansável. No maranhão trabalhava no roçado o dia todo e, não bastasse isso, mandara fazer um candeeiro de cinco bicos  que instalara com uma alça de flandes  na cabeça, possibilitando-o, com a iluminação,  trabalhar na lavoura também à noite. Um dia, contou ao Coronel Serapião Garrido que as roças de Matozinho eram muito pequenas. Lá em Codó , num roçado pequeno, ele situara dez cuias de gergelim. O Coronel fez um cálculo rápido das covas necessárias para se colocar a quantidade imensa das pequenas sementes de gergelim que perfaziam as dez cuias e , sem arrodeios,   desconfiou da empreitada.
                                   --- Você deve estar enganado, Calixto! Não pode ter sido dez cuias não! Eita lapa de roça danada ! Se fosse, você teria vindo plantando do lá e passava por aqui ainda semeando...
                                   De pouco estudo, Calixto procurava  alguém para ditar as cartas que enviava aos filhos. Apesar da pouca instrução , gostava de ser pomposo nas suas missivas, não interessando muito a mensagem a ser enviada. Queria, no fundo, impressionar  os circunstantes e eram comuns os períodos truncados , a dubiedade de algumas frases, o emprego atravessado de algumas palavras.
                                   --- Escreva aí Giba !   
                                   “Caro Laurentino,
                                   Relativamente, com relação à bausa do procuro do comerço, ponto. Os atavios, os loro e os talabardão das cangaia tão mais destiolado que os pau de sebo das quermesse de Padre Arcelino, benza-te-Deus, quanto mais, principalmente, vírgula...”
                                   Matuto olhava aquele discurso de queixo caído:
                                          --- “Vôte ! Esse Tributino devia ser era adevogado”!
                                   Como sempre, Calixto tendia a levar suas estripulias para o ramo da caça e da pesca. No item pesca, os peixes maranhenses , segundo nosso marchante, ganhavam do pirarucu em tamanho. Calixto abria os braços nas narrativas para dar uma idéia apenas do tamanho da cabeça das traíras que desenovelava dos landuás de lá que mais pareciam empanadas de circo. Um dia, quando começou contar uma dessas pescarias, o soldado severo estava no meio da platéia. Avançou, calmamente, e colocou algemas nos punhos de Calixto, na tentativa de evitar a medida desmesurada do peixe que viria com a abertura dos braços logo a seguir. O pescador algemado não perdeu o fio da história, quando chegou nos finalmentes : “Era um peixão desse, desse... as mãos atadas impediam-no de apontar o tamanho. Ele então, usou um artifício. Fechou os dois polegares junto com os dois indicadores, fazendo duas rodas grandes e completou:
                                   --- Ói o tamanho dos ói do bicho !
                                   Na seção caça,  Tiburtino dizia sempre que Fantico, seu companheiro de caçadas, tornara-se um verdadeiro exterminador de onças pintadas no Maranhão. Saiam à noite, soltava o cachorro e rapidamente o pé-duro fazia alarde: acuava uma onça , ela temerosa subia em alguma árvore, ele vinha, apontava a soca-soca, era a espoleta cortar e a bicha cair baleada. Aí, Fantico pulava em cima e estraçalhava o felino. Ficara conhecido o cachorrinho por lá, pela sua valentia, já carregava no cartel mais de duzentas maracajás trituradas pelos seus dentes.  Calixto enjeitara dinheiro muito nele, chamavam-no naquelas brenhas  de “Traça Onça”, afirmava o caçador impávido e orgulhoso.  As proezas de Fantico eram difíceis de ser testadas, uma vez que as onças quase não mais existiam por ali. Uma ou outra fora notificada na Serra da Jurumenha, comentava-se que a caça predatória tinha praticamente exterminado a espécie . Nosso caçador, no entanto, afirmava, de cátedra ,que a escassez devia-se ao medo de Fantico. A fama do cão se espalhara em toda a região e as bichas fizeram bunda de ema !
                                   Um dia, soube-se de uma novidade na cidade. Um caçador armara uma armadilha e pegara duas onças : uma preta e outra pintada. Colocou as duas em jaulas e trouxe a Matozinho, como um zoológico particular. Alugou um puxado da Bodega de Giba , cobriu a porta com uma empanada e ficou lá, cobrando ingresso para quem quisesse ver. O velho Serapião Garrido soube da novidade antes de Calixto e resolveu pôr a limpo a veracidade das astúcias de Fantico. Esperou o caçador na entrada da cidade e convidou-o  para  uma surpresa. Tirbutino segui-o curioso. Fantico , como sempre, veio atrás, no rastro de dono. A bodega de Giba ficava do outro lado da praça da matriz, confrontando a Igreja . O sacro e o profano em vis-à-vis. Serapião e Triburtino cruzaram a praça. Só , então, perceberam que Fantico havia empacado no meio : orelhas empinadas, ventas dilatadas e olhos assustados. O faro privilegiado já o havia alertado do perigo iminente. Serapião pediu , então, a Calixto para estumar o cachorro. O caçador estralou os dedos, assoviou, chamou : “nego, nego, nego...” e nada ! Fantico, olhos esbugalhados,  permanecia imóvel. Garrido quis saber porque Fantico andava tão sem apetite. Continuaram, pagaram os ingressos e entraram. As duas onças , enormes, lá estavam, com aquele cheiro forte de felino e dentes e rosnados  ameaçadores. Serapião deu um passo atrás e observou , ao longe, Fantico que não tirava os olhos deles. O coronel, então, balançou a empanada de repente. Fantico esturrou! Quase não conseguiu, a princípio,  fazer a largada porque deslizou no próprio mijo, saiu, rua abaixo, juntando perna com cabeça. Nunca mais se soube dele. Calixto ficou meio triste, mas não perdeu a pose:
                                   --- Deve ter voltado para o Maranhão! Decepcionou-se com esses gatinhos aqui de Matozinho! Deve ter dito : Taqui, ó ! Eu mijo é prá vocês !

J. Flávio Vieira

Mais Perigosos e Cruéis - José do Vale Pinheiro Feitosa

Os maiores constrangimentos dos EUA nos últimos quatro anos surgiram dentro do que o velho General Eisenhower chamou de Complexo Industrial Militar. Uma nefasta aliança que consume recursos do tesouro do país numa eterna necessidade de inventar guerra para manter os lucros. Evidente que isso é apenas uma peça bem encaixada na máquina imperial dos EUA no domínio de mercados e saques de riquezas pelo mundo todo.

E os constrangimentos estão surgindo com ares libertários, de defesa essencialmente de valores subjetivos de ordem moral, social e política. E foi assim que surgiram “heróis” mundiais que se tornaram “traidores” do império nos termos das leis dos EUA. Primeiro Bradley Manning que pode pegar prisão perpetua e praticamente deu conteúdo ao Wikileaks, depois foi Edward Snowden e agora a segunda maior patente militar dos EUA General James Cartwright já agora reformado.

Aliás o General em escala menor. Ele, igualmente aos outros, vazou informações ditas secretas: o desenvolvimento e implantação de um vírus de internet Struxnet que atacou mil das seis mil centrifugadoras do programa nuclear Iraniano. O vírus fora desenvolvimento pelo alto-escalão da inteligência americana em colaboração com os israelenses que de modo independente dos EUA sabotou (terrorismo) o Irã além de que o vírus surgiu em vários países do Oriente Médio e no Leste Europeu.

Foi aberto um processo investigativo contra o General e não ficou claro os motivos pelos quais ele vazou a informação. Provavelmente agastado com uma certa “traição” israelense que causou constrangimento aos EUA e a ele próprio junto ao governo. O General era um dos principais assessores de segurança do presidente Obama.

A verdade é que com o Snowden e Cartwright fica cada dia mais complicado os EUA se mostraram ao mundo em roupa de cordeiro a denunciar os mal feitos dos outros.


E tem uma fato subjetivo e emocional essencial: quando os próprios membros de um povo denunciam os problemas com a condução da política externa isso demonstra uma decadência e um andar que pode levar a um descontrole progressivo. Não apenas desse tipo, mas de outros mais perigosos e cruéis.   

Um "pequeno grande gesto" - José Nilton Mariano Saraiva

Como o Brasil é o “país do futebol”, nos dias atuais a atenção da torcida verde-amarela tem sido a Copa das Confederações, com a seleção brasileira já classificada para a partida final contra a Espanha.
Por conta disso, quase ninguém atentou que já há alguns dias teve início a Liga Mundial de Vôlei masculino, com jogos em diferentes países. A seleção nacional, bastante renovada pelo “garimpeiro” técnico Bernardinho (que optou por dispensar os excelentes medalhões Giba, Gustavo, Serginho, Marcelo e demais), vai bem obrigada, porquanto venceu a Polônia duas vezes e a Argentina idem, lá na casa deles.
Em sua estréia aqui no Brasil, hoje, contra a França, quase que fraqueja, depois de alguns momentos de instabilidade, mas, alfim, venceu por 3 x 2 (amanhã tem mais).
No entanto, o que marcou a partida foi algo inusitado: tal qual já acontecera com a seleção de futebol, quando da execução do hino nacional brasileiro jogadores e torcida “desrespeitaram” acintosamente aqueles segundos padrões determinados pelo protocolo da federação internacional respectiva e fizeram questão de “esticar” a cantoria até pelo menos aquela primeira metade dos versos.
E aí a grata surpresa flagrada pelas câmeras, algo verdadeiramente atípico: dentre os grandalhões jogadores da França, perfilados respeitosamente, um deles, baixinho, o número 5, “ajudava” os jogadores brasileiros, entoando a plenos pulmões, emocionado, o hino do Brasil. Só depois o locutor global colocou os pingos nos is: tratava-se do levantador Rafael, jogador brasileiro com nacionalidade francesa, que fazia questão de demonstrar, ali, todo o seu orgulho de ser brasileiro.

Sem dúvida, um pequeno grande gesto.

Quase... - José Nilton Mariano Saraiva

Pois é, quase entregamos o ouro ao bandido. Sem jogar nada (de novo), beneficiando-se de um gol de “canela” (outra vez) e sofrendo uma pressão terrível ao final do jogo (novamente), a seleção de futebol do Brasil conseguiu passar pelo sofrível time dos velhinhos do Uruguai, com o gol salvador já na fase crepuscular do jogo. Sem contar que o ancião Forlan houvera perdido um pênalti no começo da partida que, se convertido, certamente nos complicaria mais ainda. Destaque (negativo) para as “pixotadas” da nossa zaga: o estabanado David Luiz cometeu um pênalti infantil sobre o outro ancião uruguaio (Lugano), enquanto que o Tiago Silva deu de bandeja o gol de empate ao desprezar a velha máxima “bola pro mato que o jogo é de campeonato”, preferindo sair jogando dentro da área com toquinho comprometedor.
Como de praxe, o queridinho da mídia esportiva nacional (Neymar) não fez nada de produtivo, tanto que para poder aparecer apelou pra palhaçada, ao mandar “beijinhos” para o marcador adversário, quando aquele saia de campo substituído.
Como não comungamos com a teoria de que “o importante é ganhar, não importa como”, vamos torcer (muito) para que o nosso time se encontre e resolva jogar bola na partida final. Partida final que será disputada no Maracanã, Rio de Janeiro, contra a Espanha que, “parada” pela eficientíssima marcação da Itália, só conseguiu classificar-se através da cobrança de penalidades máximas, após desgastantes 120 minutos de um jogo em que por alguns momentos chegou a ser dominada pelo adversário.
Sorte nossa, pois, que vamos pegar o time da Espanha bastante cansado e reclamando uma barbaridade do calor sufocante (para eles) aqui dos trópicos. Claro que temos sobejas condições de ganhar, bastando, desde o começo, adiantar a marcação em todas as linhas e obstar o refinado toque de bola do adversário na saída do jogo (como o fez a Itália). E como os zagueiros espanhóis, os grandões Piquê e Sergio Ramos, são lentos e deficientes no jogo por baixo, jogar em cima deles, em velocidade, pode ser o “mapa da mina” (torçamos pra que o tal do Neymar não trema ou queira ser gentil com os futuros companheiros do Barcelona).
Há que se considerar, ainda, que embora composta de jogadores experientes, a Espanha deverá sentir, sim, os nervos, ao adentrar num Maracanã repleto de torcedores a hurrarem a plenos pulmões o refrão “Brasil, Brasil, Brasil”.

Deve ser um bom jogo e com um adendo estimulador: o mundo todo estará de olho.