por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sábado, 5 de novembro de 2011

Diferenças

Terrorista louro de olhos azuis.
Frei Betto
Preconceitos, como mentiras, nascem da falta de informação (ignorância) e excesso de repetição. Se pais de uma criança branca se referem em termos pejorativos a negros e indígenas, judeus e homossexuais, dificilmente a criança, quando adulta, escapará do preconceito.
A mídia usamericana incutiu no Ocidente o sofisma de que todo muçulmano é um terrorista em potencial. O que induziu o papa Bento XVI a cometer a gafe de declarar, na Alemanha, que o Islã é originariamente violento e, em sua primeira visita aos EUA, comparecer a uma sinagoga sem o cuidado de repetir o gesto numa mesquita.
Em qualquer aeroporto de países desenvolvidos um passageiro em trajes islâmicos ou cujos traços fisionômicos lembrem um saudita com certeza será parado e meticulosamente revistado. Ali reside o perigo... alerta o preconceito infundido.
Ora, o terrorismo não foi inventado pelos fundamentalistas islâmicos. Dele foram vítimas os árabes atacados pelas Cruzadas e os 70 milhões de indígenas mortos na América Latina, no decorrer do século 16, em decorrência da colonização ibérica.
O maior atentado terrorista da história não foi a queda, em Nova York, das torres gêmeas, há 10 anos, e que causou a morte de 3 mil pessoas. Foi o praticado pelo governo dos EUA: as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945. Morreram 242.437 mil civis, sem contar as mortes posteriores por efeito da contaminação.
Súbito, a pacata Noruega ? tão pacata que, anualmente, concede o Prêmio Nobel da Paz ? vê-se palco de dois atentados terroristas que deixam dezenas de mortos e muitos feridos. A imagem bucólica do país escandinavo é apenas aparente. Tropas norueguesas também intervêm no Afeganistão e deram apoio aos EUA na guerra do Iraque.
Tão logo a notícia correu o mundo, a suspeita recaiu sobre os islâmicos. O duplo atentado, no gabinete do primeiro-ministro e na ilha de Utoeya, teria sido um revide ao assassinato de Bin Laden e às caricaturas de Maomé publicadas pela imprensa escandinava. O preconceito estava entranhado na lógica ocidental.
A verdade, ao vir à tona, constrangeu os preconceituosos. O autor do hediondo crime foi o jovem norueguês Anders Behring Breivik, 32 anos, branco, louro, de olhos azuis, adepto da fisicultura e dono de uma fazenda de produtos orgânicos. O tipo do sujeito que jamais levantaria suspeitas na alfândega dos EUA. ?Ele é dos nossos?, diriam os policiais condicionados a suspeitar de quem não tem a pele suficientemente clara nem olhos azuis ou verdes.
Democracia é diversidade de opiniões. Mas o que o Ocidente sabe do conceito de terrorismo na cabeça de um vietnamita, iraquiano ou afegão? O que pensa um líbio sujeito a ser atingido por um míssil atirado pela OTAN sobre a população civil de seu país, como denunciou o núncio apostólico em Trípoli?
Anders é um típico escandinavo. Tem a aparência de príncipe. E alma de viking. É o que a mídia e a educação deveriam se perguntar: o que estamos incutindo na cabeça das pessoas? Ambições ou valores? Preconceitos ou princípios? Egocentrismo ou ética?
O ser humano é a alma que carrega. Amy Winehouse tinha apenas 27 anos, sucesso mundial como compositora e intérprete, e uma fortuna incalculável. Nada disso a fez uma mulher feliz. O que não encontrou em si ela buscou nas drogas e no álcool. Morreu prematuramente, solitária, em casa.
O que esperar de uma sociedade em que, entre cada 10 filmes, 8 exaltam a violência; o pai abraça o filho em público e os dois são agredidos como homossexuais; o motorista de um Porsche se choca a 150km por hora com uma jovem advogada que perece no acidente e continua solto; o político fica indignado com o bandido que assaltou a filha dele e, no entanto, mete a mão no dinheiro público e ainda estranha ao ser demitido?
Enquanto a diferença gerar divergência permaneceremos na pré-história do projeto civilizatório verdadeiramente humano.

Recordações: O trem que eu conheci

Quando adolescente, a maior expectativa para a chegada das férias consistia na possibilidade de viajar de trem. Como quase toda a família de meu pai residia em Aurora, esse período tinha para mim um outro significado: visitar os avós, tios e primos.
Para uma adolescente tímida, extremamente caseira, a perspectiva de experimentar a liberdade numa cidade pacata, onde todos se conheciam, causava-me “frisson”. Para a tão sonhada viagem, precisava da permissão de meu pai e, mesmo tendo me saído bem nos estudos e no comportamento, temia receber um não como resposta.
Quando da posse do tão aguardado “sim”, arrumava a mochila num piscar de olhos, pois tudo já estava previamente planejado, e partia em direção à Estação acompanhada de alguém mais velho.
Lá, enquanto alguns se enfileiravam para a aquisição dos bilhetes, outros se misturavam num vai e vem constante. Tantas histórias se cruzavam naquele espaço. Aquela mocinha de olhos marejados, recusava-se a deixar partir o amado, mas não tinha como segurá-lo e torcia na esperança de que um dia ele voltasse vitorioso para levá-la embora. Mais adiante, um casal alertava o filho sobre os perigos da capital e recomendava muito cuidado: não vá se perder por lá! Tinha também aquela turma buliçosa de estudantes prestes a se deleitar com sua primeira excursão.
Havia um clima de descontração, as pessoas se aproximavam umas das outras, não existindo ali preconceito ou distinção. Com a chegada do trem, entretanto, acontecia uma seleção absolutamente natural: uns embarcavam nos vagões da primeira classe, enquanto os demais se arranjavam na segunda classe.
Apesar de pertencer a uma família relativamente pobre, sempre viajei na primeira classe. Por isso, nunca matei a minha curiosidade em relação ao que havia de diferente entre as classes. O que mais me chamava a atenção era a quantidade de bagagem que era colocada nos vagões destinados à segundona.
Eram dados três avisos sonoros: no terceiro, o trem partia, deixando para trás os retardatários a proferirem imprecações contra os funcionários. De nada adiantava, porém, pois o horário era obedecido rigorosamente.
Depois que todos se acomodavam, retomava-se a conversa interrompida por ocasião do embarque. Quem ainda não se conhecia já ia se apresentando e, de repente, todo mundo já virava amigo íntimo, antes mesmo da primeira parada. Chegávamos a Juazeiro. Uns desciam, despedidas... outros embarcavam, novas apresentações... começava tudo outra vez.
A paisagem, que se descortinava nas laterais, em certos momentos sumia. Eram túneis que só permitiam a passagem do trem. Alguns eram tão estreitos que, se colocássemos o braço através da janela, poderíamos tocar o paredão de pedras. Ninguém ousava fazê-lo. A escuridão era total. Mas no final do túnel voltávamos a admirar a natureza tão bela. Os tons de verde se mesclavam, ali aparecia uma vaca a pastar.
Outra parada, outra estação. Como num passe de mágica, vendedores apareciam nas janelas aos empurrões, cada um querendo superar o outro para vender o seu produto. Tinha de tudo. E as histórias se sucediam. Alguém cochichava: a macaxeira nesta cidade é cultivada no cemitério. Agh! Por via das dúvidas, ninguém se habilitava a comprar.
Finalmente, após presenciar inúmeros embarques e desembarques, chegávamos ao nosso destino. Era nossa vez de dizer adeus. Mas não havia lugar para melancolia, pois à nossa frente surgiam os braços abertos daqueles que nos aguardavam com ansiedade.

"Me dê um abraço
Venha me apertar
Tô chegando (...)
E assim chegar e partir...
São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem
Da partida...
A hora do encontro
É também, despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar" (Milton Nascimento)

Com licença... - José Nilton Mariano Saraiva

Aportamos no blog “Cariricaturas” através de indicação dos conterrâneos Zé Flávio Vieira e Socorro Moreira (que, frise-se, não nos conheciam pessoalmente). Procuramos, dentro das nossas limitações, honrar e se fazer merecedor de tal “apadrinhamento”, através da postagem de matérias qualificadas.
De uns tempos pra cá, no entanto, observamos que aquele espaço começou a mudar de rumo, que o enfoque foi sendo paulatinamente modificado, que, enfim, não mais atendia ao que buscávamos (certamente que em razão da mudança em sua "direção").
Como não somos de ficar em cima do muro, guardar conveniências ou sair por aí ensaboado (escorregadio), externamos, aqui e agora, nosso profundo desconforto com uma recente postagem – desrespeitosa, abjeta e desprezível – e da qual peremptoriamente discordamos em gênero, número e grau, procurando atingir essa autentica “instituição” cratense, o honrado, competente e íntegro José do Vale Pinheiro Feitosa.
Com licença... “tamos” indo (continuaremos no Cariricult e No Azul Sonhado).

José Nilton Mariano Saraiva

Por João Nicodemos


Olhei bem fundo
no olho
da cebola

e chorei

O ESPINHO QUE FUROU O OLHO DE LAMPIÃO - Ulisses Germano

Em 2009 publiquei um cordel intitulado A História do Espinho que Furou o Olho de Lampião. Na verdade é uma fábula. Adoro as fábulas pois elas colocam na boca dos bichos e nos objetos inanimados metáforas e dasabafos que de uma certa forma ajudaram a freiar a prepotência, o orgulho e a arrogância,  estabelecendo regras e ensinamentos sobre a arte da prudência. Quipá é o nome do espinho falante que teve o azar de encontrar no meio de uma cancela um deputado corrupto. 
O espinho assim falou:

Mas veja como o destino
Oculto quis me mostrar
Cometendo o desatino
De um corrupto encontrar
Na passagem da cancela
Vi nascer toda a procela
De tudo que eu vou contar

O corrupto veio manso
Todos eles são assim
Só de olhar eu já me canso
Vendo o seu jeito chinfrim
Todos eles tem resposta
Na boca a falsa proposta
Misturada com alfinim

 Quipá é um espinho tímido, de voz mansa que nasceu sabendo que o "o estouro é fugaz mas a razão é silenciosa e eterna".
É na arte da prudência
Que provém a paciência
Que nos livra da demência
De destruir a História
Se eu quiser fazer Ciência
Com toda proficiência
Vou olhar pra consciência
Estando atento a memória

Quipá tinha o conhecimento da natureza íntima dos homens:

De todo mal entendido
Da história do sertão
Tem o lado do bandido
Que seduziu Lampião
A favela é uma planta
Toda mãe é uma santa
Vendo o filho na prisão

E sabia que a lei da natureza é diametralmente oposta a lei dos homens. 

Nossa espada da justiça
já está enferrujada
A balança sempre enguiça
Pois já foi adulterada
A deusa Têmis daqui
Já fez muita gente ri
De sua venda rasgada

Quem quiser saber do fim dessa estória compre o cordel!
Que está a venda no Canto do Senadinho - morada do espinho que furou o olho de lampião:

Eu levo a vida sozinho
Sem ninguém pra me ajudar
Eu não possuo padrinho
Nem ninguém prá bajular
Sou espinhento e certeiro
Viajei o mundo inteiro
Sou do Crato-Ceará

Ulisses Germano
Crato-CE