por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sábado, 5 de novembro de 2011

Recordações: O trem que eu conheci

Quando adolescente, a maior expectativa para a chegada das férias consistia na possibilidade de viajar de trem. Como quase toda a família de meu pai residia em Aurora, esse período tinha para mim um outro significado: visitar os avós, tios e primos.
Para uma adolescente tímida, extremamente caseira, a perspectiva de experimentar a liberdade numa cidade pacata, onde todos se conheciam, causava-me “frisson”. Para a tão sonhada viagem, precisava da permissão de meu pai e, mesmo tendo me saído bem nos estudos e no comportamento, temia receber um não como resposta.
Quando da posse do tão aguardado “sim”, arrumava a mochila num piscar de olhos, pois tudo já estava previamente planejado, e partia em direção à Estação acompanhada de alguém mais velho.
Lá, enquanto alguns se enfileiravam para a aquisição dos bilhetes, outros se misturavam num vai e vem constante. Tantas histórias se cruzavam naquele espaço. Aquela mocinha de olhos marejados, recusava-se a deixar partir o amado, mas não tinha como segurá-lo e torcia na esperança de que um dia ele voltasse vitorioso para levá-la embora. Mais adiante, um casal alertava o filho sobre os perigos da capital e recomendava muito cuidado: não vá se perder por lá! Tinha também aquela turma buliçosa de estudantes prestes a se deleitar com sua primeira excursão.
Havia um clima de descontração, as pessoas se aproximavam umas das outras, não existindo ali preconceito ou distinção. Com a chegada do trem, entretanto, acontecia uma seleção absolutamente natural: uns embarcavam nos vagões da primeira classe, enquanto os demais se arranjavam na segunda classe.
Apesar de pertencer a uma família relativamente pobre, sempre viajei na primeira classe. Por isso, nunca matei a minha curiosidade em relação ao que havia de diferente entre as classes. O que mais me chamava a atenção era a quantidade de bagagem que era colocada nos vagões destinados à segundona.
Eram dados três avisos sonoros: no terceiro, o trem partia, deixando para trás os retardatários a proferirem imprecações contra os funcionários. De nada adiantava, porém, pois o horário era obedecido rigorosamente.
Depois que todos se acomodavam, retomava-se a conversa interrompida por ocasião do embarque. Quem ainda não se conhecia já ia se apresentando e, de repente, todo mundo já virava amigo íntimo, antes mesmo da primeira parada. Chegávamos a Juazeiro. Uns desciam, despedidas... outros embarcavam, novas apresentações... começava tudo outra vez.
A paisagem, que se descortinava nas laterais, em certos momentos sumia. Eram túneis que só permitiam a passagem do trem. Alguns eram tão estreitos que, se colocássemos o braço através da janela, poderíamos tocar o paredão de pedras. Ninguém ousava fazê-lo. A escuridão era total. Mas no final do túnel voltávamos a admirar a natureza tão bela. Os tons de verde se mesclavam, ali aparecia uma vaca a pastar.
Outra parada, outra estação. Como num passe de mágica, vendedores apareciam nas janelas aos empurrões, cada um querendo superar o outro para vender o seu produto. Tinha de tudo. E as histórias se sucediam. Alguém cochichava: a macaxeira nesta cidade é cultivada no cemitério. Agh! Por via das dúvidas, ninguém se habilitava a comprar.
Finalmente, após presenciar inúmeros embarques e desembarques, chegávamos ao nosso destino. Era nossa vez de dizer adeus. Mas não havia lugar para melancolia, pois à nossa frente surgiam os braços abertos daqueles que nos aguardavam com ansiedade.

"Me dê um abraço
Venha me apertar
Tô chegando (...)
E assim chegar e partir...
São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem
Da partida...
A hora do encontro
É também, despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar" (Milton Nascimento)

4 comentários:

Dário disse...

Bons tempos quando nao pensávamos em inflação, taxa de cambio e outras coisas de adultos, muito bom encontra-lá aqui no azul, vê se nao some.
Beijos.

socorro moreira disse...

Ângela querida, que alegria te encontrar por aqui!
Esse texto toca nas lembranças de todos os cratenses do nosso tempo.
Maravilha!

grande abraço!

socorro moreira disse...

Reli!
Experiências iguais às minhas...
Saudades
Sinto como se estivesse perdendo o trem, todos os dias.
A vida era mais simples, menos confortável, mais apertada, mais vagarosa, mas erámos tão jovens!
Eu tinha medo de perder o trem, e perdi-o!

Amei,Ângela!

Ângela Lôbo disse...

Gente, meu comentário sumiu...
Aliás, não o vi publicado. Gostaria de agradecer o apoio do meu irmão e dizer-lhe que estou sempre por aqui, mesmo quando não apareço. E a Socorro, obrigada por ter-me oferecido o fechamento do texto. Admito a parceria, esperando no futuro novas oportunidades de trabalharmos em conjunto.
Beijos!