por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Dom Quixote

Padre, perdoa-me
pois pequei.

Ultimamente venho seduzindo e molestando
todas as formiguinhas do quarto
todas as borboletas da pracinha
e até as ingênuas andorinhas
que chegam à varanda
eu as papo.

Padre, embora essa vida de desfrutes
idílios e sarros pareça um paraíso,
tu te enganas

pois ando melancólico,
dormindo tarde

mais solitário que um pé de meia
perdido debaixo da cama.

Padre, talvez seja minha sina
minha fortuna e meu carma
essa onda de penúria

mesmo tendo ao lado
as mais tesudinhas formigas
as mais sensuais borboletas
as mais gatas andorinhas

e não há um dia
em que eu não acorde
com uma formiguinha
mordendo meus lábios

e logo que desço à calçada
surgem como por enquanto
mil safadinhas borboletas.

Padre, nem com a lua alta
vivo em paz com minha insônia -

penso em ler um livro
ou simplesmente
olhar os furos
do teto

mas eis que entram pela janela do banheiro
duas irmãs gêmeas duas sapecas andorinhas.

Não é loucura, padre
já tardão da noite
fria madrugada

duas irmãs gêmeas
duas sapecas andorinhas.

Padre, aconselha-me
dá-me um rumo
purifica-me.

Não é mais do desejo da minha alma
seduzir e molestar formiguinhas,
borboletas e andorinhas.

Juro, padre,
quero morrer seco sem escrever um verso
se eu voltar a flertar e bolinar minhas meninas.

Julio Iglesias

História do eterno insatisfeito - Emerson Monteiro


Deus do antigo santuário grego, conhecido por Tântalo, lá um dia quis agradar os outros deuses, recebidos em festivo banquete, servindo-lhes carne do próprio filho, isso para testar a ciência deles tudo saber. Tal qual acontece a três por quatro entre seres humanos a fim de obter os favores escorregadios deste chão, vendeu a quem mais gostava numa atitude interesseira... Dominar o mundo e subir nas condições sociais. Matam e arrebentam, pisam a cabeça dos outros e invadem o camarim das vaidades querendo aparecer nas colunas dos jornais.

Pois esse personagem existiu, sim, na cultura grega, passando depois de geração a geração. O deus de nome Tântalo, casado com Dione, possuía três filhos, Níobe, Dascilo e Pélops. Naquele dia do banquete, ofereceu Pélops, aos demais deuses do Olimpo que o visitavam. Na ânsia de obter os favores dos céus, Tântalo antes havia abusado da confiança dos poderosos ao roubar-lhes néctar e ambrosia, substâncias de que necessitava para ser um imortal semelhante a eles.

Nesse caminho de tanta contradição, receberia de troco a punição de jamais poder experimentar o gosto da satisfação dos seus desejos. Após descoberto o delito de Tântalo, Zeus, o principal no comando das hostes superiores, ordenou que o filho oferecido no trágico banquete retornasse a viver, porém que o pai cumpriria, em condenação pelo gesto condenável, a pena de nunca chegar à realização de qualquer sonho que sonhasse. Tão próximo dos objetos do desejo e tão longe do prazer, eis o resumo do que o aguardavam na sequência dos acontecimentos.

Com água no pescoço, não poderia saciar a sede... Olharia frutos deliciosos das árvores da natureza sem, no entanto, desfrutar do direito de saborear-los, forma inominável de suplício, símbolo da insatisfação dos instintos que chamam de a medida do ter que nunca enche. Tântalo e seus descendentes sempre iriam carregar a prova de imaginar ambições, e não vencer o limite que delas o separa, nesta vida material que se desmancha no mar da insatisfação, segundo os gregos de antigamente.

E quantos nadam, nadam, avistando as praias douradas da ilusão, em quimeras fantasiosas, esquecidos que transportam consigo, no íntimo coração, o motivo da felicidade, o Amor, que tudo pode e realiza.

O CONSTRUTOR E A MORTE

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A morte não é nada para as coisas, mas caminha
dentro delas
como numa carruagem. É uma fatalidade que o espelho
conjuga

com as goiabas da infãncia e todas as lagartas. Não fechem
as pálpebras do morto. Não fechem os ouvidos
do morto. Ele
traz nos olhos as ondas do mar primevo. Ele

traz nos ouvidos o rugido de tigre do oceano
como a pérola
na sua concha. As coisas
são pesadas, fechadas em seu ser de concha,

de pedra. É preciso considerar a pedra
do abismo. Carrego a morte no pescoço como uma
canga. Nasci com a morte na língua. O homem nasce
e morre de uma vez

só. É a questão da palavra
exata. As coisas que o fogo não consome, que se agitam na 
sua língua,
nas labaredas do eterno.
Que teatro para o meu anjo? Que palco? Que bastidores e que

plateia? As coisas, desprovidas de ênfase,
não são apenas coisas. As coisas, em sua nudez,
estão vestidas para o êxtase.

                                                J. C. Brandão