por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quarta-feira, 18 de maio de 2011

Divórcio à Italiana - por José do Vale Pinheiro Feitosa


Olho para teu sorriso, outrora sedutor, e nele um plástico moldável pela conveniência diária. Os cabelos continuam longos, brilhosos e envolvendo teu corpo, mas me dão coceiras de calor. Sabe estes olhos entre verdes e azuis, uma cor de encanto de borboleta, se tornaram enfeites inertes do cotidiano.

Quando falas com humor, acende-me um fogareiro de rancor. Vagueias pelas incertezas humanos de Shakespeare ou Nietzsche e todo o meu dia se torna um tédio com porta aberta para a rua. Se falas das coisas doces ou dos perfumes naturais, sinto as moscas sobre o merengue e me transporto aos odores dos matadouros.

E me vens com as lembranças dos filhos. Dos filhos que ambos fizemos no exercício das paixões em cópulas de dias inteiros, mas o que me resta são as faturas das creches ou as notas incertas dos colégios. A conta do médico, a paga da farmácia, a padaria, o mercado, a TV a cabo e a internet.

O nosso passado e o nosso amor são chagas que doem em cada esquina do cotidiano. E quando me vens à memória, é com certo asco que a esqueço. És palha de arroz, o borralho da queima da caldeira. Quando te vejo em foto, me vem um desejo de deletar teus pixels. Um desejo de nem mais haver uma tela em branco. De nunca ter havido uma tela.

O pior da palavra divórcio é a perpetuação em si do casamento, pela via da negação. Quando alguém me diz divórcio, logo um fel de lembranças ruins me toma da cabeça aos membros. E hoje, nem gostaria de sonhar que um dia nunca tivesse te conhecido. Tal sonho é apenas a lembrança de meu corpo colado ao teu. E tenho rejeições como uma doença crônica.

Nada mais me restando, mudo de vida, mudo de cidade, embora não mude de mim, vou a busca da bomba atômica que promova a fissão da minha substância. E mesmo envenenado pelas partículas que de mim se dissiparão é preciso que morra com esta lepra de amor roto.

E desesperado após esta última frase, todo motivo novo é uma solução do velho. E jamais gostaria de ter vivido este velho. Mas vivi. E ainda vivo dele. Dela. Dos múltiplos que vieram dos dois.

Como fazer? Divorciar-me do divórcio?

 por José do Vale Pinheiro Feitosa

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