por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 28 de julho de 2011

A INVERNADA- Tetê Peretti




Chuva, chuvada, chuvarada.

Chuva do caju, chuva da manga, chuva de Santa Luzia, chuva de São José. Todas alegrando a natureza. Porém, as mais poderosas e esperadas eram as chuvas de inverno. Quem já presenciou no passado esse cenário não esquece o ritual que se prestava nas primeiras chuvas, que davam início à invernada.
Era a natureza em festa. Nuvens escuras e densas no céu já eram motivos de inquietude, de ansiedade e de esperança de uma boa invernada, proporcionando a todos, ricos e pobres, um período de fartura. Os moradores do campo, movidos pelas suas sabedorias, não deixavam de interpretar as mudanças atmosféricas, sinalizando que, em breve, muita água correria. Naquele cenário, cada um se fazia presente, confirmando as crenças que reinavam sobre a natureza. Em um toque de mágica, surgiam as borboletas que, com as suas asas abertas, saudavam cerimoniosamente toda a beleza da chuva. As tanajuras marcavam presença entre imensas nuvens, enquanto a passarada saltitava de galho em galho. O seu regorjeio nada mais era que uma forma de expressar o seu contentamento. Sentir, livremente, o orvalho das folhas ensopar as suas penas de águas cristalinas, como uma benção divina. Os campos logo se revestiam de novas folhagens, onde o verde se confundia com o colorido das pequenas borboletas, que bailavam entre a vegetação nativa. O gado, espalhado pelos pastos, dominava as suas áreas procurando, como forma de sobrevivência, maior proveito em sua pastagem. Saciado, nada melhor que uma pausa para o descanso, ruminando à sombra de um juazeiro.
Os moradores da região, logo ao amanhecer, fortalecidos pela esperança de um vindouro tempo de fartura, procuravam, com enxadas nas costas, os seus roçados. Dias antes, cada um já havia recebido o seu punhado de sementes – feijão, milho, arroz...

A meninada, entre algazarras e brincadeiras, aguardava as fortes chuvas para, também, deleitar-se aos prazeres da invernada. Cada um, ao redor da casa, procurava a melhor biqueira. Ali, com a própria roupa, expunha o seu corpo à correnteza da água cristalina e fria que, livremente, descia pelas telhas. Para isso, a chuva precisava ser forte, grossa. Então, na doce inocência, para apressar o banho, em volta do alpendre, como se fosse um pedido, a meninada, entre o barulho da chuva e de seus trovões, puxava a sua ladainha – “engrossa chuva, engrossa chuva, engrossa chuva”. E a sua chuva aumentava. Vários percursos eram feitos pelas águas em correnteza. Passando por córregos, levadas, rios e estradas, arrastando pedras, pedrinhas e folhas, a água deixava o seu rastro, fazendo em seu trajeto os contornos direcionados pela sua força. Entre esses percursos, durante a noite, acalentadas pelo barulho da chuva e os respingos de água que caíam das telhas sobre os rostos, a meninada era dominada pelo sono. E, quantas vezes, nas altas madrugadas, com os trovões e relâmpagos, que iluminavam o telhado, um “anjo”, com uma lamparina na mão, velava as suas crias.

Hoje, de todo esse cenário restam apenas recordações. A natureza, agredida pelo homem, tomou novos rumos. Já não temos mais aquelas fortes invernadas e, consequentemente, as extensas lavouras, nem a época festiva de plantio nos campos. A meninada cresceu, e cada um seguiu o seu caminho. Os camponeses, que davam vida àquele cenário, não mais pertencem a este mundo terrestre. E, até mesmo aquele “anjo”, que nos vigiava o sono nas noites de trovoada, recentemente, deixou-nos em busca de um novo lugar, onde a invernada é o reino do Criador.


Tetê Peretti
Do livro No Azul Sonhado

Nenhum comentário: