por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 28 de julho de 2011

Uma longa viagem - Por Marcos Barreto de Melo




Lembro-me do tempo em que eu era criança e via o meu pai fazer uma longa e demorada viagem para a fazenda Boqueirão, no município pernambucano de Bodocó. Tudo me parecia muito distante, um mundo desconhecido e quase inatingível. Os preparativos para a viagem começavam cerca de três dias antes da data marcada, e seguiam um verdadeiro ritual. O meu pai não falava em viagem, mas era fácil para nós descobrirmos seus planos pelas cenas incomuns que ocorriam ao nosso redor. Via o meu pai ir ao Crato para comprar numa serraria algumas peças de pau d’arco aparelhadas e entregá-las ao mestre Zé Nanor, que em menos de dois dias de labuta preparava uma bela cancela. Em seguida, uma primeira pintura em vermelho era aplicada.

À sombra de uma generosa e frondosa árvore que cobria o oitão da nossa casa, trabalhava o nosso compadre Neco Soares, exibindo toda a sua habilidade no trato de arreios de couro. Fazendo marras de chocalho, cordas de couro, cabeçadas, rédeas para animal, consertando celas ou arrumando cangalhas. Estava desfeito todo o segredo. O meu pai iria mesmo viajar nos próximos dias.

Na véspera da viagem, com o Sol já para se esconder, via os serviçais da fazenda arrumarem os “trens” na carroceria daquela saudosa picape Chevrolet. Sacas de milho e de feijão para semente, algumas bolas de arame farpado, carro de mão, pá, uma enxada bem encaibrada, um esticador de arame farpado, sacas de sal, veneno pra lagarta e remédio para curar bicheira na vacaria.

De madruga, eu acordava com a movimentação dos viajantes entre a sala e o alpendre. A minha mãe acordava muito cedo e ia para a cozinha preparar o café da manhã. Eu me levantava em meio àquela madrugada fria, agasalhado num velho e macio pijama de flanela, cuja estampa de “soldadinhos” ainda tenho bem guardada em minha lembrança. Não podia deixar meu pai viajar sem que me despedisse dele. E, quando ele saía, eu pedia a sua benção. Somente depois de ver o carro virar a curva da estrada, e se perder na escuridão, eu voltava a dormir no quentinho da minha rede. Mas, antes, ainda rezava e pedia a papai do céu para acompanhá-lo em sua viagem. Pedia também para que ele não demorasse muito a voltar.

Depois de alguns longos dias, imagino hoje que não mais que uma semana, ele voltava sem nos avisar. Era aquela alegria quando víamos a picape coberta de poeira e de lama aproximar-se de nossa casa. Com ela vinha também um cheiro diferente de uma terra distante e desconhecida. Tinha um cheiro agradável, de mato que a gente não conhecia, de marmeleiro, de muçambê. E quando ele descia do carro, estávamos os filhos em fila ao seu redor, novamente a lhe pedir a benção.

E, na carroceria da camionete, logo descobríamos um carneirinho a berrar, cuja mãe morrera de parto. De agora em diante, ele seria criado por nós. Tínhamos agora mais uma tarefa. Mas, seria também um novo brinquedo, uma nova diversão. E, no dia seguinte, com o meu pai já em casa, a vida voltava ao seu normal. Até que viesse mais uma nova e longa viagem.

Marcos Barreto
Do livro "No Azul Sonhado

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