por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Tradição Oral : Bisaflor Conta Histórias - Por : Stela Siebra Brito


Ultimamente Bisaflor recebe convites pra contar histórias nos mais diversos lugares. Outro dia foi bater no Crato, a convite de Socorro Moreira, que desejava presentear sua neta Bianca com a magia das histórias. Bianca adora ouvir histórias, e, a seu modo, já conta histórias. Socorro convidou os amigos e os netos dos seus amigos. Serviu café e chá com biscoitos, sucos, bombons, pipocas e bolinhos. Bianca sentou-se no colo de Bisaflor, que contou várias histórias: Moura Torta, A Fonte das Três Comadres, A Festa no Céu, O Negrinho do Pastoreio e a história de Dona Labismina. Quando Bisaflor terminou de contar a história de Dona Labismina, Bianca disse: “gostei mais dessa, conta de novo, conta”. Se qualquer contador de histórias não resiste ao pedido do “conta de novo” das crianças, imagina se Bisaflor não repetiu a história!

DONA LABISMINA
Era uma vez uma rainha que já estava casada há muito tempo, mas não tinha filhos, embora fosse grande seu desejo de tê-los. O tempo passava e nada de gravidez e a vida da rainha foi ficando muito tediosa. Era tanta sua vontade de ser mãe, que certa vez falou que queria parir nem que fosse uma cobra. Pois não é que algum tempo depois ela estava grávida? E nasceu-lhe uma linda menina com uma cobrinha enrolada no pescoço. A rainha, o rei e toda corte ficaram muito insatisfeitos com o fato, mas não se podia tirar a cobrinha do pescoço da princesa Maria.
Princesa e cobra cresceram juntas e, logo, logo, a princesinha nutria muita simpatia e amizade pela cobra, sua irmã, a quem chamou de Labismina. Brincavam, passeavam, tomavam banho no lago, dormiam juntas. Quando estavam mocinhas escapavam da vigilância das criadas e iam ver o mar. Labismina, largando o pescoço da princesa Maria, corria para as águas, adentrava, mergulhava, sentia-se em casa.
A princesa ficava na praia e, aflita, chorava, tinha medo que Labismina não voltasse das águas profundas do mar. Gritava, chamando a irmã. A cobrinha retornava à praia, enrolava-se no seu pescoço e voltavam para o palácio, onde ninguém desconfiava do passeio das duas.
Muitas vezes repetiram a aventura, e a princesa até passou a gostar de observar Labismina subindo e descendo nas ondas do mar.
Um dia a cobrinha se despediu da princesa Maria, queria mesmo era ficar naquele vai e vem das águas, mas que a irmã soubesse, ela sempre a ajudaria, era só chamar-lhe, caso se encontrasse em apuros.
Nesse mesmo dia Labismina entrou no mar e não voltou mais.
O tempo passou. Quando a princesa já era uma bela moça, uma tristeza se abateu sobre o palácio: a rainha, depois de uma grave doença, morreu, mas, não sem antes entregar um anel ao rei e pedir que ele só voltasse a casar-se, caso encontrasse uma princesa em cujo dedo a jóia se amoldasse com graça e beleza.
Passado o tempo do luto e das tristezas, o rei quis casar-se novamente e mandou seus emissários procurarem em todos os reinados uma princesa em cujo dedo o anel entrasse como uma luva. Os emissários andaram por reinos até muito distantes, mas não encontraram uma noiva para o rei, que agora queria porque queria casar-se, mas não deixaria de atender a recomendação da sua falecida rainha. Palavra de rei!
Só a princesa Maria não tinha experimentado o anel, mas foi chamada a fazê-lo; o anel ajustou-se de forma maravilhosa no seu dedo. E como palavra de rei não volta atrás, ela teria que desposar o pai.
A princesa ficou muito desgostosa e passava os dias numa tristeza que só vendo: chorando e lamentando sua sorte, até lembrar-se de pedir ajuda a Labismina. Foi até o mar e gritou pela cobra que logo emergiu das ondas, veio até a praia e escutou a notícia do casamento da princesa, sua irmã, com o rei, seu pai. Labismina acalmou Maria:
- Não tenha medo. Diga ao rei que só se casa se ele lhe der um vestido da cor do campo, com todas as suas flores.
Quando a princesa impôs essa condição, o rei ficou preocupado pensando se existiria tal vestido que a filha queria, mas que iria procurar e certamente encontraria. Convocou emissários, costureiras, adivinhos, que todos se mexessem e aprontassem o vestido da princesa, foi o que ordenou.
Passou um bom tempo e o vestido da cor do campo, com todas as flores, estava pronto, fato que deixou novamente a princesa muito preocupada. Foi ao mar e chamou Labismina. A irmã lhe disse:
- Peça agora um vestido da cor do mar e com todos seus peixes.
O rei convocou meio mundo de especialistas no assunto e, depois de certo tempo, conseguiu o vestido desejado pela princesa Maria, que mais uma vez sofrendo com a insensatez do pai, buscou a orientação da irmã:
- Diga ao rei que só casa se ele lhe der um vestido da cor do céu e com todas as suas estrelas.
O rei estava cada dia mais atônito com as exigências da filha e teve que mover meio mundo para conseguir o vestido da cor do céu e com todas as estrelas.
Ao ver o belíssimo vestido pronto, a princesa desesperou-se. E agora? Correu para a praia e encontrou um navio que dona Labismina havia providenciado durante o tempo em que os vestidos eram aprontados. A cobra lhe disse que no reino que o navio parasse, ela descesse, porque nessa terra encontraria um príncipe com quem se casaria. E lhe fez um pedido:
- Na hora do teu casamento chama três vezes por mim, que o encanto, em que estou confinada, se desfará e me tornarei uma princesa tão bela quanto tu.
A princesa embarcou e no primeiro porto que o navio parou, ela desceu e foi pedir emprego no palácio real. A rainha a encarregou de criar e cuidar das galinhas.
Envolvida nessa tarefa, a princesa via o tempo passar sem maiores novidades, até a ocasião em que haveria três dias de festas na cidade. Aí foi um alvoroço geral, se arruma daqui, se arruma dali, e toda a gente do palácio foi à festa, menos Maria, a cuidadora das galinhas.
Quando todos saíram, Maria, a princesa, vestiu o vestido bordado com as flores do campo, penteou os cabelos, pediu uma carruagem à Labismina e foi para a festa. Sua chegada causou a maior sensação, nunca tinham visto moça tão rica, tão bonita e tão bem vestida. O príncipe apaixonou-se por ela, assim como outros rapazes da cidade.
Maria divertiu-se muito, mas antes da festa acabar tomou sua carruagem e voltou ao palácio, vestiu seus farrapos e foi deitar-se.
No final da festa, o príncipe comentou com a rainha:
- Nunca conheci moça tão bela, gostaria de casar-me com ela. A senhora percebeu como ela parecia com a moça que cuida das galinhas?
- Ah, aquela pobre coitada tem lá roupas tão ricas e finas, meu filho! Vá até o galinheiro ver os trajes dela!
O príncipe foi e encontrou Maria pobremente vestida, contou-lhe que na festa tinha uma moça muito parecida com ela. A princesa, disfarçando que estava encabulada, falou que o príncipe estava zombando dela, uma simples guardadora de galinhas.
No outro dia de festa, a princesa vestiu o vestido da cor do mar, com todos seus peixes, e Labismina mandou-lhe uma carruagem mais luxuosa que a do primeiro dia. Mais uma vez ela foi a grande atração da festa, deixando o príncipe suspirando por ela.
No último dia de festa, a princesa Maria vestiu o vestido da cor do céu e cheio de estrelas, subiu numa rica carruagem e foi para a festa. O príncipe lhe fez a corte e lhe ofereceu uma jóia, preciosidade que Maria guardou com muito carinho.
Terminados os dias de festas, o príncipe, perdidamente apaixonado pela moça desconhecida, só pensava em casar-se com ela, mas ninguém sabia quem era, nem de onde viera, portanto, como encontrá-la? Muito triste e doente de paixão, o príncipe perdeu o apetite, não queria se alimentar, nem mesmo um caldinho aceitava...
A rainha estava aflita, recorria a todos para ver se conseguiam persuadir o príncipe, chamou até a guardadora das galinhas para fazer um caldo especial e levá-lo para seu filho. Maria concordou em fazer um caldo e mandar para o príncipe, porque ela mesma, tão insignificante, não poderia convencer o príncipe a alimentar-se, melhor seria que o criado particular levasse o caldo.
E assim foi: ela fez um caldo, colocou a jóia que o príncipe havia lhe dado dentro da tigela, e o criado serviu a refeição. O príncipe, alheiamente a apatia, ele queria casar com a moça que fez o caldo, que chamassem a cuidadora das, colocou a colher no caldo e pescou a jóia. Pulou da cama, cheio de alegria. Acabou-se galinhas. Esta veio mais bela do que nunca, vestida como quando ia à festa, deixando um rastro de suave e doce perfume por onde passava. Houve muita alegria no palácio, marcaram o casamento, que foi uma festa regada a muitos banquetes e bailes, mas a princesa Maria, envolvida com sua própria felicidade, esqueceu de chamar pelo nome de Labismina na hora do casamento.
A princesa e o príncipe viveram felizes para sempre.
Dona Labismina não se desencantou e ainda vive no mar; vez em quando se enfurece, dá urros, emborca os barcos, vomita altas ondas nas praias.

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