por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quarta-feira, 24 de agosto de 2011

João de Barros do Crato a São Paulo - por José do Vale Pinheiro Feitosa


Começava o terceiro dia de viagem. Dois rapazes estimulavam João de Barros a falar sobre as lutas que ele disse ter lutado. João fazia uma ponte perfeita entre os sonhos e a história da região que acabavam de passar: Canudos.

Com uma linguagem um tanto fonética e com os "acertos" da linguagem popular. É difícil no início mas logo se pega o ritmo. Desculpem mas é um pouco longo. É um pequeno trecho de dez contos com este personagem. Estou preparando um site só para leitores interessados neste e outros trabalhos. Começando:


- Na menti de cada sê vivente inziste pelo menu um brejo ou um massapê. O qui custuma mermo é qui na menti de cada um de nóis inzista um mar de coisa ou umas duas serra do Araripe só de arranju. E cuma no mar tem as óindias e os camim d´água e nas serra tem as vereda e garranchu de matu seco, na menti tem a fita de cinema das vidas de tudo qui é gente vivente e das qui viverum antes de nóis. Tá dentru da menti e ela vai botanu prá fora cuma um filme, as históra esquecida de tudo qui é vivente neste praneta. O qui mais acustuma acuntecê é qui quano nóis dromi, a tria da vida do mundo veim travéis dos son-i . E num veim só pru modi diverti nóis não. Elas veim trazeno recado dos povo de antigamente, veim cobrano dívida da gente de hoje e fazeno o alin-a-ve entre as coisa de hoje e as coisa de onti. Pois béim, onti de noite eu drumí e fui dentru do dentru qui cada coisa teim e fui lá prus cafundós dumas terra qui ninguém con-iesse e fui e num parei mais. Quano óiei pru relogi inda agora quano se acordei, eu tin-a um son-io de mais de douzi hora. Eu nunca tin-a tido un son-i tão grandi. Foi o mais maió de todos os son-i de mim-a vida.


Os dois rapazes estavam atentos ao que o aventureiro dizia e esperavam que começasse a discriminar a tais lutas que lutara. E João começou a penetrar a revelação do seu sonho:

- No mar teim tanta iágua que Santo Agostin deu conta da quantidade quano viu o minino Deus brincando de colocá ela dentru dum buraco pequeno. Quano a quantidade de iágua foi comparada ao taman-i do mistéro que o santo quiria revelá. Na mata teim tanto pé de mato qui neim um furmigêro teim de furmiga. Agora se nóis arrepará prá elis no seu totá, elis são cuma uma coisa só. O mar é o mar e a mata é a mata. São tudo um coisa só. As óindas, os ventu, as tempestadi e tudo mais, mermo quano parece um bichu destruidô si mexem cum uma só manêra, do mermo jeito. Nas mata, as pranta, as fulô, os passarim, as fôia e os gai, tudo se arruma em respeito ao outro. Por isso as mata são uma junta de munta coisa e o mar uma ruma de uma coisa só. Da outra maneira são as coisas pequena, como uma toucêra no mei do descampado, uma lagoa no mei da seca. Cuma são coisa solitára, elas tão sujêta a sofrê os efeito da coisa mais maió.


Neste momento da conversa, ele se levantou e como se estivesse descobrindo uma grande coisa naquele momento, disse para os rapazes:

- Pois ói dereito pru qui vô dizê! Os índio num são bandido não! Os índio num são bandido cuma no cinema a gente vê! Os índio são nossos avô e avó. Se eles são bandido, nóis tomém somu. E queim mim chamá de bandido vai vê doca do oião. Eu tive um son-i e neli os índio são gente cuma nóis. E tudo aqui era de índio. Vêi o povo dos navi, lá do Portugá, se casô cum índia, tomô as terra dos índio e matô os pobi de Deus. Aí foi a coisa mais maió das disgraça da vida. Os bandêrante meterum bala no côro dos caboclo, os vaquêro passarum por riba dos miserave e os majó, tudo ricão, cum a butija chêa de ôru, passarum as muié nos cobri e mandarum matá o qui sobrô. Aí voscimicê podi vê queim teim tutano pru modi aguentá o tranco e queim num teim. E queim num teim? Os mais fracu, os qui viviam em pequena quantidade de gente. É cuma o mar e a mata dum lado, tudo junto aguentano o arrojo dos desmantelu do mundo, tudo unido, uma coisa só e grande e do outro lado este mermo desmantelu sobre as tocêra separada no mei do tempo e as lagoa sobre a inclemência do tempo. Os mais separado forum mais atingido. Só queim vivia em mói pôdi suportá o pudê dos branco. Os índio qui veviam camin-ando pelo mei do sertão, ora num lugá e por ôtra noutru lugá, in grupu pequenu sofrerum munto mais ligêro e cum maió dô.


Os rapazes não estavam satisfeitos com as palavras narradas, pois continham metáforas em excesso, queriam saber era da materialidade das lutas. Quais as lutas que João tinha lutado e insistiram na pergunta. João parou um pouco e, permanecendo em pé, continuou falando.

- Num tevi uma hora do dia, uma curva da terra e neim uma vontadi de fazê coisa nova, que num tivesse luita. Os índio veviam de caçar passarim, pescar peixe, comê fruita, matá bichu do matu e de bebê água adonde tin-a. Quano fartava quarqué coisa, elis ium buscá noutro lugar. Quano chegavum lá tin-a outro povu e aí o pau comia. As mata mais chêa de bichu, os rii de mais peixe, o mar cum sua riqueza, tudo era mutivu de luita entre elis. Quano os navii cum português vierum, aí foi qui o sangue rolou mermo. Eu passei a noiti intiriça son-iano cum as luitas dos povo de antigamente. Eu acho que a luita lá do povu do Canudo aina é a merma daqueles tempo.

- E eram mesmo. A luta de Canudos é a mesma de sempre.

Os rapazes se assustaram com a frase que vinha de um canto escuro do café.
 por José do Vale Pinheiro Feitosa

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