por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 6 de junho de 2014

O Nosso Sansão - Por Carlos Eduardo Esmeraldo

No Sítio Pau Seco, aí pelo final dos anos quarenta e nas décadas seguintes, surgiu um homem extraordinário. Era conhecido por Zé Moreira e tido por muitas pessoas como um novo Sansão, posto que dotado de uma força descomunal. Filho de um humilde leiteiro, Zé Moreira trabalhava no Engenho do Pau Seco. Era uma verdadeira máquina! Imaginem que ele alimentava a caldeira do engenho, tirando água de um cacimbão, através de um balde atado a uma corda, que por ele era puxada. Essa operação era refeita várias vezes ao dia. Em seguida, ele transportava essa água para uma pequena caixa d’água que abastecia a caldeira. Para isso, utilizava-se de seis latas, dessas usadas como vasilhame de querosene, cada uma com capacidade estimada de uns 20 litros. As latas eram presas por uma corda a uma pequena travessa de madeira, denominada pelos rurícolas de galão e suspensas sobre o pescoço do Moreira, três latas de cada lado do seu corpo. Um trabalho desses já era demais para um homem normal. Porém Zé Moreira, além disso, tratava do gado leiteiro, ajudava a tirar o leite pela manhã, preparava a ração das vacas e bezerros e abastecia de água os serviços domésticos da casa grande. Tamanha atividade física exigia uma boa alimentação. Lembro-me que o almoço do Zé Moreira não cabia num prato comum. Assim sendo, ele comia numa bacia de folha-de-flandres quase do mesmo tamanho daquelas bacias brancas para o asseio das mãos, ainda existentes nas salas de jantar das casas do nosso sertão. Desnecessário afirmar que esta refeição, realizada três vezes ao dia, era composta de arroz, feijão, carne, farinha de milho e pequi, tudo dosado numa boa quantidade.

Até hoje se mantém gravada na minha memória uma incrível cena que presenciei. No lusco-fusco do final de tarde de outubro, uma grande boiada passava pela estrada do Pau Seco em direção ao Juazeiro. Um dos vaqueiros parou, disse a quem pertencia aquele gado e pediu pousada por aquela noite. Imediatamente obteve autorização para que a boiada fosse colocada na bagaceira do engenho, junto com outros animais que ali passavam a noite bebericando tiborna e comendo bagaço verde e palhas da cana. No dia seguinte, acordei mais ou menos às cinco horas da manhã, com a voz do meu pai perguntando por que o engenho ainda estava parado àquela hora. Os trabalhadores responderam que havia um touro brabo no meio do gado, botando todo mundo para correr. Naturalmente, aquele boi ficara bêbado por exceder-se na tiborna, um rescaldo da destilação do alambique, que deixa enfurecido qualquer animal que não tenha o hábito de bebê-la com freqüência dos bois acostumados com a bagaceira. Levantei-me a tempo de ver o touro escavando o chão, formando em torno dele uma enorme nuvem de poeira escura. Os próprios vaqueiros que conduziam a boiada sentiam-se desencorajados para prender aquele valente boi. Quando Zé Moreira avistou aquela cena, ignorando os protestos dos seus companheiros de trabalho, que temiam por sua sorte, entrou firme na bagaceira e esperou o boi partir para cima dele. Com a rapidez de um praticante de luta livre segurou os chifres daquele touro enfurecido e deu um giro de aproximadamente 90° na cabeça do paquiderme. A fera caiu de uma vez só, provocando um surdo ruído ao bater com o corpo no chão. Um choque de cinqüenta arrobas contra o solo seco. Os vaqueiros depressa se encheram de coragem e laçaram o boi. Ajudados pelo Sansão do Cariri conduziram-no para o meio da boiada que esperava no caminho, um pouco mais adiante.
  
A família do Zé Moreira era composta por uma mulher cega e dois de seus cinco filhos também cegos. A cegueira não impedia sua mulher de fazer os serviços domésticos, além de realizar pequenos consertos de costura. Era admirável como ela conseguia enfiar a linha pelo buraquinho estreito da agulha. Não sei se devido a esse infortúnio, Zé Moreira gostava de beber uma “branquinha” e espairecer um pouco nos seus dias de folga. Então, largava-se para o Crato ou Juazeiro, onde quer que houvesse um forrobodó. Certa vez estava num “samba” que se realizava próximo à estação ferroviária do Juazeiro. Convidou uma jovem para dançar e ela respondeu que não dançava com velhos. O sangue juntamente com a cachaça subiu-lhe à cabeça. Segurou a moça pelo vestido, à altura dos seios e deu um forte sacolejo para o alto, que a jovem subiu alguns centímetros acima do nível do mar, de modo que, o seu vestido ficou preso nas mãos do Zé Moreira. O tempo fechou nesse “samba” e o sarrafo comeu solto. Era Zé Moreira contra uns dez homens que não conseguiram domá-lo. Dois policiais que estavam na estação, viram a confusão, rapidamente chegaram ao local da festa e agarraram nosso Sansão. E ele, com a serenidade que lhe era peculiar, começou a pedir calma aos dois policiais, enquanto apertava o braço de cada um deles com tanta força, que eles o soltaram; desistiram de prendê-lo e saíram imediatamente do local. A coisa serenou e o Moreira pedia que o tocador voltasse com a música. De repente, chegou um caminhão carregado de policiais. Era demais! O nosso herói vendo que seria preso e espancado por aquele batalhão, correu pela linha do trem em busca do São José. A polícia seguiu em seu encalce até a saída do Juazeiro. Quando Zé Moreira ia chegando próximo do São José, extenuado pela correria de mais de seis quilômetros, tropeçou num dormente da ferrovia, caiu e exclamou como se reconhecesse uma derrota: “filhos de uma égua, ainda vêem atrás de mim esse tempo todo!”

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Nenhum comentário: