por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 23 de junho de 2011

O perigo de uma história única - por José do Vale Pinheiro Feitosa


quarta-feira, 23 de junho de 2010

Ontem trabalhei quase três horas na degravação desta fala da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Senti-me na obrigação de fazê-lo para suprir os blogs aí da região com esta questão relevante, especialmente para os escritores contadores de história. Ao final, por volta das duas madrugadas, eu estava com um material que não prestava para os veículos: a fala dela foi de 18 minutos e resultaram em cinco páginas escritas.

Para não me perder nos objetivos tentaria resumir o que e importante ela disse, com trechos da mesma. Acho que todos gostariam de ouvir esta escritora, que embora falando em inglês tem legenda em português. O blog que ouvi foi neste endereço: http://maureliomello.blogspot.com/

“Eu sou uma contadora de histórias e gostaria de contar a vocês algumas histórias pessoais sobre o que eu gosto de chamar “o perigo de uma história única”. Ela foi criada num campus universitário, numa família de classe média nigeriana e começou a ler e escrever muito precocemente. A leitura dela era a britânica e a americana. E quando escreveu os primeiros textos ainda criança o que vinha: “Todos os meus personagens eram brancos de olhos azuis. Eles brincavam na neve. Comiam maçãs e falavam muito sobre o tempo, em como era maravilhoso o sol ter aparecido. Agora, apesar do fato de que eu morava na Nigéria. Eu nunca havia estado fora da Nigéria. Nós não tínhamos neve, nós comíamos manga. E nós nunca falávamos do tempo porque não era necessário.”


Quando ela começou a ler autores africanos como Chinua Achebe e Camara Laye: “Eu percebi que pessoas como eu, meninas com pele da cor de chocolate, cujos cabelos crespos não podiam forma rabos-de-cavalo, também podiam existir na literatura. Eu comecei a escreve sobre coisas que eu conhecia. Bem, eu amava aqueles livros americanos e britânicos que eu lia. Eles mexiam com a minha imaginação, me abriam novos mundos. Mas a conseqüência inesperada foi que eu não sabia que pessoas como eu podiam existir na literatura. Então o que a descoberta dos escritores africanos fez por mim: salvou-me de ter uma única história sobre os que os livros são.”

Ela toca numa questão fundamental em literatura que é o equilíbrio e a visão consciente de possíveis efeitos adversos ao que tentam. Lembro que na época que fui médico numa favela do Rio nos preocupávamos com a cultura como fonte de libertação daquele estado de coisa chamado favela. Muito do chamado texto de “denúncia” contra a pobreza dos favelados, eram na verdade um estereótipo que os tornavam sem alma e sem espírito de luta e reação. E isso era uma grande mentira, todo dia eu via a luta árdua e o progresso pessoal daquele povo. A nigeriana chega ao mesmo resultado quando analisa uma criança pobre que trabalhava na sua casa e a visão que a mãe criou na sua mente e o momento quando ela toma consciência disso: a mãe dele nos mostrou um cesto com um padrão lindo, feito com ráfia seca por seu irmão. Eu fiquei atônita! Nunca havia pensado que alguém em sua família pudesse realmente criar alguma coisa. Tudo o que eu havia ouvido era que eram muito pobres, assim teria se tornado impossível para mim, vê-los como alguma coisa além de pobres. Sua pobreza era a minha história única sobre eles.

Ela ganhou uma bolsa de estudos nos EUA e foi estudar numa universidade e morar num quarto junto com uma colega americana: “Minha colega de quarto americana ficou chocada comigo. Ela perguntou aonde eu tinha aprendido a falar inglês tão bem e ficou confusa quando eu disse que, que por acaso, o Inglês era a língua oficial da Nigéria. Ela perguntou se poderia ouvir o que ela chamou de minha “música tribal” e ficou muito desapontada quando eu toquei minha fita de Mariah Carey. Ela presumiu que eu não sabia usar fogão. O que me impressionou foi que ela: sentiu pena de mim, antes mesmo de ter me visto. Sua posição padrão para comigo, com uma africana, era um tipo de arrogância bem intencionada, piedade.”

Depois ela levanta como esta história criou a idéia da África com uma catástrofe e identifica esta visão européia desde o princípio da exploração marítima do atlântico. A visão que os africanos não tenham progresso, capacidade de autogestão e criar uma civilização. Isso fica mais claro quando ela visita o México após alguns anos nos EUA de ouvir a grande questão da imigração irregular, acusando os mexicanos de espoliar o sistema de saúde, passando escondidas na fronteira, sendo presas. Aquilo atingia todo o povo mexicano. Foi quando ela passear em Guadalajara “vendo pessoas indo trabalhar, enrolando tortilhas nos supermercados, fumando, rindo. Eu me lembro que meu primeiro sentimento foi de surpresa. E, então, eu fiquei oprimida pela vergonha. Eu percebi que havia estado tão imersa na cobertura da mídia sobre os mexicanos que eles haviam se tornando em minha mente: o abjeto imigrante. Eu tinha assimilado a única história sobre os mexicanos e eu não podia estar mais envergonhada de mim mesmo.”

Então ela associa tudo isso à estrutura de poder e diz: “Então é assim que se cria uma história única: mostre um povo com uma coisa, como somente uma coisa, repetidamente, e será o que eles se tornarão. É impossível falar sobre história única sem falar sobre poder.” “Poder é a habilidade de não só contar a história de outra pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa. O poeta palestino Mourid Barghouti escreve se você quer destituir uma pessoa, o jeito mais simples é contar a sua história, e começar com “em segundo lugar”. Comece uma história com as flechas dos nativos americanos e não com a chegada dos britânicos e você tem uma história completamente diferente.”

Recentemente eu palestrei numa universidade onde um estudante me disse que era uma vergonha que homens nigerianos fossem agressores físicos como a figura do pai no meu romance. Eu disse que havia terminado de ler um romance chamado “Um Psicopata Americano” e que era uma grande pena que jovens americanos fossem assassinos em série. Nunca havia me passado que só de ter lido um romance no qual o personagem era um assassino, isso fosse representativo de todos os americanos. E agora, isso não é porque eu sou uma pessoa melhor do que aquele estudante, mas devido ao poder cultural econômico dos EUA, eu tinha muitas histórias sobre a América. Eu tinha lido Tyler, Updike, Steinbeck e Gaitskill. Eu não tinha uma única história sobre a América.

Eu sempre achei que era impossível se relacionar adequadamente com uma pessoa ou um lugar sem relacionar-me com todas as histórias daquele lugar ou pessoa. A conseqüência de uma história única é essa, ela rouba a dignidade das pessoas. Faz o reconhecimento de nossa humanidade compartilhada difícil. Enfatiza como nós somos diferentes ao invés de como somos semelhantes. E se antes da minha viagem ao México eu tivesse acompanhado os debates sobre imigração de ambos os lados, dos EUA e México?

Ela continua reforçando tais argumentos com uma série de outros exemplos, daquilo que ela chama espírito empreendedor do seu povo até que no final terminou assim: Eu gostaria de finalizar com este pensamento: Quando nós rejeitamos uma história única, quando percebemos que nunca há uma única história sobre lugar nenhum, nós reconquistamos o paraíso.

José do Vale Feitosa


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