por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 23 de junho de 2011

Festa Junina - por Geraldo Lemos



Interessante... Estou sentindo um cheirinho de lenha verde queimada e de pólvora e o gosto de aluá, com pé-de-moleque. O céu está limpo e estrelado.As labaredas de uma fogueira me aquecem a pele e o coração.Sinto que meus pensamentos retroagem a um passado bem distante.Uma noite de São João,,no meu querido e inesquecível Crato.

Como era tudo lindo e inocente!

No Alto do Seminário, D. Maria Pretinha hasteava, em um grande mastro, uma bandeira, com um retrato de S.João.

Era vista de todos os recantos da cidade. ``À noite, havia a novena, regada a aluá, bolo de milho, ao som da banda cabaçal de Pedro Carmino.

Começavam os ensaios das quadrilhas.

Todos procuravam seus pares. A disputa era grande. Escolhiam-se os noivos, padrinhos, força Policial, juiz, pais dos noivos e padre.

D Belmonte ao Brejo do Brigadeiro, Das Guaribas ao Romualdo, tudo era preparação para a Grande festa junina. Havia disputa e o segredo das alegorias era motivo de cochichos, nos meios comerciário e estudantil. Os ensaios eram incessantes.

Quem viveu aqueles momentos se lembra do “Club da Rapadura”. Lá se reuniam os comerciários e estudantes da Escola Técnica de Comércio, nos intervalos para o almoço. A alegria, poeira, cheiro de rapadura e do suor das meninas tornavam o ambiente aconchegante e gostoso. Embaixo do salão, armazéns de rapadura, e, encima, o som de uma sanfona, pandeiro e triângulo, sob o comando do gritador de quadrilhas que bradava:”Anarrié, cinturinha, passeio dos namorados, lá vem a chuva, olhe a cobra, trancilim etc.Um passo bom era a troca de parceira.Quem nos agradava teria de nos dar o braço. Já era muito.Como era gostoso tanta garota em nossas mãos.Não se perdia ensaio.Era uma verdadeira confraternização. Todos se conheciam.Todos se respeitavam.

Chegava o grande dia, 23 de junho. Roupas eram remendadas, chapéus de palha eram enfeitados. A chita, transformada em vestidos, fazia das moças umas matutinhas lindas, com suas tranças, ruge, pó e um cheirinho gostoso de perfume popular. Ainda hoje sinto aquele cheiro, cheiro de saudade, misturado com recordações. Os rapazes usavam barba e bigode feitos a lápis. Todos eram matutos, com linguajar e andar brejeiros.

O cortejo nupcial começava. Noivos, na frente, em uma carroça ornamentada com flores e fitas, seguida dos pares da quadrilha.

Após o casamento, a festa se estendia, por toda a noite, varando a madrugada.

Nas ruas, calçadas a pedra tosca, fogueiras eram acesas. Moças e rapazes colocavam, em uma bacia cheia d’água, dois carvões. Se colassem, um no outro, era casamento, na certa. Uma faca virgem, fincada em um tronco de bananeira, no outro dia, apareceria a primeira letra da futura ou futuro esposo. Quem se olhasse em uma bacia com água cristalina, ao lado da fogueira, se não visse o rosto, era morte, na certa, antes do outro São João.

Capilé, sucos, sequilho, bolos de milho e grude, meladinha, vinho São da Barra e, às escondidas, a pinga do Brejo, ou do Brigadeiro. Meninos jogavam traques, nas brasas, para queimar os adultos. Não havia drogas, no entanto, os olhares das garotas, com o brilho das chamas produzidas pela madeira que queimava, acendiam o fogo existente nos corações dos enamorados.

A alegria da meninada começava com os vendedores de fogueiras, sob o comando de D. Alexandrina, percorrendo as ruas da cidade, com seus jumentos carregados de lenha verde e seca. Havia sempre troncos grossos, para as bases. A beira do rio e as ruas do comércio eram lotadas de bancas de fogos.

Quem nunca soltou traques? Quem não tocou fogo em um rasga lata? Atirávamos bomba, com baladeira, nas paredes e muros de casas. Havia pixite, chuvinha, pistola, coió, estrelinhas, vulcão e balões. Era a felicidade de todos estampada no clarão desses fogos que fazia a beleza e alegria da noite. Muitos andavam descalços nas brasas, para impressionar a amada. Pensando bem, quem nunca se queimou com fogos e não decorou “Olha pru Céu, meu amor”?

Muitos se casavam na fogueira. Como éramos inocentes! Lembram-se dos compadres, ao calor das cinzas, proferindo as palavras: São João disse, São Pedro confirmou que você fosse meu compadre, ou comadre, que São João mandou. Viva São João, Viva São Pedro e viva nós nosso compadre, (comadre)? Tornavam-se compadres, por toda a vida. Era a fé e o respeito aos santos.

Pois bem, já é quase de manhã. Vou colocar umas batatas doces na fogueira, cobri-las com cinza e, quando acordar, bem cedinho, virei comê-las, ainda quentes.


GERALDO LEMOS

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