Passados tantos anos já ia ficando difícil saber o que realmente acontecera . O limo do tempo fôra recobrindo os detalhes mais importantes e a verdade se fizera fluída e escorregadia. O certo é que fragmentos da história eram narradas pelos mais velhos nas rodinhas de praça e, os mais novos, foram preparando suas as versões pessoais, nem sempre congruentes, como se montassem um quebra-cabeças. Havia porém, pontos de consenso: A Vila fôra muito próspera, encruzilhada necessária onde confluíam ( como numa foz), mascates e peregrinos, foi aos poucos formando um comércio próprio, que foi se robustecendo com o passar dos meses. Mergulhada a Vila numa terra fértil, foi aos poucos desenvolvendo uma agricultura que passou da subsistência à produção em escala quase industrial. O povo feliz, trazendo no sangue a seiva de índios, negros e brancos colonizadores , mantinha a sua cultura a ferro e fogo e a pequena Vila passou a próspera Cidade, sem nunca deixar de carregar consigo aquele doce ar provinciano. Metamorfoseara-se , geograficamente, em cidade, mas historicamente ainda era uma Vila: ganhara o conforto da metrópole, sem perder a ingenuidade e placidez de Vila. Até este ponto todas as versões terminam por desembocar. A partir daí perde-se o fio da meada, as estórias tendem a divergir sistematicamente. O certo é que a Vila ,no seu apogeu, sem causas visíveis, entrou, rapidamente, em franca decadência. Era como se tivesse sido sorvida por um buraco negro, como se houvesse caído sobre ela o Cometa que se diz Ter destruído os dinossauros.O comércio minguou, os engenhos passaram a não mais safrejar e o povo foi pouco a pouco jogando fora suas tradições e destruindo seus sítios históricos.A cidade foi , paulatinamente, se tornando vazia e oca, parecia até aquelas cidades abandonadas dos filmes de faroeste, só faltavam os rolos de feno carregados, no meio da rua, pela ventania. O povo, no entanto, montado no fausto de outrora e em meio à decadência, ia cada vez mais empinando o queixo, se tornando pábulo e contador de vantagem. Qualquer pequena obra no município era comemorada como se inaugurasse a Estátua da Liberdade.
Os motivos da hecatombe eram muitos e davam munição para discussões acaloradas em todos os logradouros. Havia um outro aspecto, porém, que era consenso entre todos: velhos e novos. A causa principal do declínio era política. Alguns, mais supersticiosos, achavam até que era "coisa botada", um caié, uma urucubaca encomendada. Por quase cinqüenta anos o município se submeteu a administrações péssimas. Sempre que se elegia um prefeito, repetia-se sempre a mesma coisa: arrodeava-se de apaniguados, indicava os familiares para os cargos mais importantes e estava montada a quadrilha. Era um não mais parar de roubar, de apropriar-se dos bens da população, coisa de fazer Ali Babá indignar-se. Acabado o mandato, o povo respirava aliviado, pensando: --- Ainda Bem ! Pior que este é impossível! O diabo é que o mal não tem fronteiras e , na sua infinitude, sempre conseguia arranjar um edil pior e mais ardiloso que o outro e aí o ciclo se fechava. É certo que numa das gestões apareceu um sujeito do bigodão , com cara mais séria que fundo de touro , cabra pontos nos ii . O diabo é que o homem morreu no meio do mandato aí.... O Vice, sedento, faminto, Assumiu! Este ponto era, inclusive, o que mais alimentava as especulações dos supersticiosos , que achavam que alguém tinha costurado a boca de um sapo e enterrado na prefeitura da cidade.
Dias desses, em meio à Festa da Padroeira, os maior fofoqueiro da Cidade, Zé Gallup, resolveu fazer uma enquete. Saiu , travestido de pesquisador do Ibope, fazendo a seguinte pergunta: --"Qual o melhor Prefeito desta cidade nos últimos cinqüenta anos ? Depois da consolidação dos dados, Zé Gallup, reuniu , na praça, os amplificadores de boatos da cidade e divulgou o vencedor. O resultado não podia ser mais surpreendente:
--- Zuca Mingau!!
Antes que todos protestassem, já que Zuca, era um simples gari, um dorme-sujo que jamais sequer sonhou em ser nem vereador; Gallup , com a seriedade dos pesquisadores renomados, explicou:
--- O resultado tá certo cambada! Vocês lembram que o penúltimo prefeito desta porcaria, não tendo conseguido eleger seu sucessor, ficou com raiva e não quis passar o cargo ao inimigo político eleito? Entregou, então, as chaves do paço municipal a Zuca Mingau, que tava capotado ali por perto, numa ressaca danada. Pois bem, Zuca ficou ali esperando o novo prefeito, para entregar as chaves. Foi então(queira-se ou não!) Prefeito por duas horas. Ele, na sua curtíssima administração, varreu o pátio da Prefeitura, limpou as escadarias, não roubou nada e nem deixou que ninguém roubasse, embora estivesse de posse das chaves e , também, não chamou os filhos e a mulher para chafurdar o paço. Pois bem, nas duas horas apenas que passou como Prefeito, Zuca Mingau, foi o melhor administrador desta cidade, nos últimos 50 Anos.
J. Flávio Vieira
Um comentário:
Lembrei-me da "Rainha Inês de Castro"... Bem lembrada !
Difícil um político ficar na história , como impoluto.
A vocação da população ajuda, na dministração. Neste caso , vence a maioria.
A minoria se expôe , ou em silêncio, alimenta um ideal de reversão política.
Na minha omissão, eu rezo!
Quem sabe tenhamos novas graças, num futuro próximo?
Vou p/Matozinho , beber água , na fonte do criador das histórias. Nele, eu confio!
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