por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 8 de maio de 2011

OS OLHOS QUE TUDO VÊEM - José do Vale Feitosa



Tato Lacerda nasceu com uma guilhotina prestes a separar sua cabeça do corpo. Não tomava sol. Tinha medo de enegrecer e virar o cão. Sal lhe despertava repugnância: não queria virar uma estátua de sal como a mulher de Ló. O açúcar, sustos de escassez da insulina. A mulher vinha com a blenorragia, a homossexualidade com a imoralidade, o onanismo como sujeira. O amargo dava úlcera e o sabor engordava.

Sem sol, praias, mulheres e bebidas, temia a perda de audição com o Rock and Roll. A fobia de contato com as coisas evidentes da civilização fazia de Tato um profícuo orador dos “perigos da série”. Ou melhor: dos perigos em série.

Morava numa periferia da cidade de Crato, no todo deste planeta convulso, mas era atento ao que ocorria. Por isso mesmo conhecia tudo sob o solo e acima deste. Especialmente nos céus.

Pois foi deste céu que um dia tomou conhecimento das possantes lentes que, postadas nos satélites, seriam capazes de identificar uma pessoa aqui no rés do chão. A questão não era que Tato Lacerda tivesse um erro ou outro, a sua angústia era que ele todo seria alvo de espionagem. Espião examina e age. Tato se escondia.

Era um verdadeiro Bin Laden sob lençóis, enrolado na rede de dormir, quase sem brecha a não ser as luzes filtradas pelos punhos. E a modernidade era fatal, tinha olhos para enxergar até no escuro da noite. Tato almoçava num quarto escuro, sob um guarda chuva preto, mastigando devagar para não expor-se em excesso de movimento.

Nem se fala da agonia da família, o centro perseguido de Tato era maior que tudo mais, inclusive os amigos e a opinião pública. Psiquiatra não resolvia, não tinha pílula para camuflar Tato dos satélites espiões.

E tem cura? Deste tipo de espionagem não. A verdade é que Tato já andava desconfiado de Deus. Por isso mesmo foi retirado do catecismo antes de decorar os atributos dele. A catequista dizia: Onipotente....Tato levantou a voz em exclamação e logo foi dispensado das lições. Podia aprender que o Espírito Santo, o Filho e o Pai eram deuses, mas não eram três deuses distintos, apenas um verdadeiro. Não tinha problema resolver este enigma, mas dizer que Deus era Onipresente e Onisciente provocaria um desastre na segurança do rapaz.

Mas aconteceu que uns árabes de meia tigela, sem armas importantes e vindos dos cafundós do Judas, derrubaram as duas torres gêmeas do país dono dos satélites espiões. E os satélites não viram os árabes e nem adivinharam as intenções dele. E foi um bem depois do outro. Lá no Crato tinha tempo de correr da bacia d´água jogada fora, mas os satélites espiões nem para isso serviram.

Pronto no dia seguinte estava Tato, sem camisa, na maior satisfação, tomando banho de sol em plena manhã da Praça Siqueira Campos.


por José do Vale Pinheiro Feitosa

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