por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 13 de fevereiro de 2011

BISAFLOR CONTA HISTÓRIAS NO AZUL SONHADO – por Stela Siebra Brito

Florbela casou-se muito jovem. Teve oito filhos, dezenove netos e cinco bisnetas, que, carinhosamente, a chamam de Bisaflor.
Bisaflor contou histórias para os filhos, depois foram os netos que se aninharam no seu colo e adormeceram embalados pelas aventuras da turma do Sítio do Pica Pau Amarelo, de príncipes e princesas, dragões, caiporas, saci pererê, bruxas, ogros.
Depois vieram as bisnetas que agora se deleitam com as narrativas de Bisaflor: histórias de sapo que virou príncipe, de jabuti que foi a festa no céu, de macaco que enganou onça e por aí vai.
Recentemente a anciã foi convidada para contar histórias em um blog coletivo. E hoje, com muita alegria, Bisaflor conta uma história No Azul Sonhado.


A ONÇA E O BODE

Esta história aconteceu antigamente, muito antigamente, quando tudo no Brasil era quase só mata.
A onça queria fazer uma casa, mas todo dia adiava o projeto, até que um dia, finalmente, decidiu-se e foi procurar um terreno; encontrou um bom lugar, roçou o mato. Satisfeita com esse primeiro passo, saiu perambulando por aí afora, quem sabe procurando comida.
O bode também decidiu fazer uma casa e ficou muito alegre quando encontrou o terreno roçado pela onça:
- Ora, ora, que lugar bom pra fazer minha casa!
Tratou logo de cortar madeira, enfincou as forquilhas no chão e dando-se por satisfeito com o trabalho foi-se embora.
No outro dia chega a onça e vendo o trabalho feito pelo bode, diz:
- Alguém está me ajudando, ah, só pode ser Tupã que está me ajudando! Agora vou fazer minha parte.
E falando assim, a onça tratou de colocar as vigas nas forquilhas e a cumeeira e depois foi embora.
O bode quando voltou admirou-se e pensou que estava sendo protegido por Tupã. Colocou os caibros na casa e partiu.
Quando a onça voltou no outro dia se espantou muito mais e, satisfeita com o andamento rápido da construção da casa, colocou as ripas e os enchimentos e retirou-se em busca de alimentação.
É a vez do bode agora que chega e vai logo envarando toda a casa. Depois volta a onça e faz a cobertura. O bode veio e tapou, a onça veio e... Assim, cada um fazendo uma parte, mas sem nunca se encontrarem, aprontaram a casa.
Quem se mudou primeiro foi a onça, que armou um jirau como cama e lá se meteu.
Quando o bode chegou e encontrou a onça tão bem instalada lhe disse:
- Ah, não! Esta casa é minha, amiga. Fui eu quem enfincou as forquilhas, botei os caibros, envarei e tapei.
A onça nem se abala e bem deitada na sua cama responde:
- Não amigo, a casa é minha. Encontrei o terreno, rocei, coloquei as vigas, a cumeeira, as ripas, o enchimentos, o sapé, fiz tudo isso, a casa é minha.
O bode questiona, a onça questiona, debatem, mas por fim, a onça, muito astuta, já pensando em comer o bode, propõe que dividam a casa. O bode concorda em morar na mesma casa com a onça, mas, como está com medo, arma sua rede bem longe do jirau.
No dia seguinte a onça avisa para o bode que quando ele a vir franzindo o couro da testa, “tome sentindo, porque este é o sinal que eu estou com raiva”. O bode também revela o sinal da sua mudança de humor: “é quando, amiga onça, eu balanço minhas barbinhas ali nas goteiras e dou espirros; quando você me vir fazendo isso, fuja que não estou pra brincadeira”.
A onça ouviu o bode, mas não se alterou, resolveu sair em busca de alimento, caçou um grande bode, matou, trouxe pra casa, e atirando-o no chão, sugeriu que o bode esfolasse e tratasse o animal morto.
O bode ficou abalado quando viu aquilo, pensando com seus botões: “ela matou um grande assim, imagine eu...”, mas disfarçou seu receio.
No dia seguinte ele falou para a onça:
- Amiga onça, hoje quem vai buscar de comer sou eu.
E partiu para o mato, andou, andou, andou até avistar uma onça grande e gorda. O bode, então, disfarçou e começou a tirar cipós do mato. A onça grande foi-se chegando e, achando estranho aquilo, perguntou:
- Amigo bode pra quê tanto cipó?
- Pois sim! Não tá sabendo não, é? O negócio é sério, o mundo vai se acabar, vem um dilúvio aí...
A onça grande ficou logo alterada, com medo do fim do mundo, e o bode aproveitando-se disse:
- Pois trate de arranjar escapatória, amiga onça, venha se amarrar, que eu já me vou.
A onça grande escolheu uma árvore de tronco grosso e pediu ao bode que a amarrasse, o que ele fez com grande prazer. Foi enlinhando-a com os cipós e amarrando-a bem firme, até certificar-se de que não tinha outro jeito pra onça a não ser morrer. Matou a onça a cacetadas e arrastou o corpão pesado para casa. Lá chegando disse:
- Aqui está, se quiser, esfole e trate.
A onça não acreditava no que estava vendo, ficou muito espantada. E agora era assim: o bode com medo da onça, a onça com medo do bode, nos cuidados um com o outro, até o dia em que o bode ficou nas biqueiras da casa, tomando ar fresco, olhou de soslaio pra onça e ela estava com o couro da testa franzido. O bode sentiu medo, balançou as barbas, soltou um espirro. A onça pulou do mundéu, largou-se em grande carreira, ao mesmo tempo em que o bode também se precipitou em louca correria.
E dizem que ainda hoje eles correm, cada um pra um lado; quem viaja pelos sertões adentro conta que nessas andanças têm encontrado a onça em louca dispara e o bode noutra direção, um com medo do outro.
Dizem... Eu conto porque assim ouvi do meu pai, que escutou a história contada por seu pai, que ouviu da avó, que escutou de uma velha índia, e por aí vai, muitos já contaram e outros ainda contarão, não tem fim.

2 comentários:

socorro moreira disse...

Chorei pela infância perdida
Sorri pela curiosidade resgatada , no pedido mais besta :
Conta uma história pra gente?
Quando achei na tela, arregalei os olhos, e fiz de conta que estava sentada no batente da casa, na Pedro II.
A noite está fresquinha. Choveu. Enquanto o sono não chega, adormeço, na imaginação da Bisaflor.
Figura queridíssima !

Stela disse...

Pois é, minha amiga, as histórias têm essa magia de nos transportar no tempoe e no espaço...
"Conta uma estória pra gente" "Conta de novo" "Conta aquela..." E por aí vai...
Foi assim e sempre será, pois a transmissão dessa magia não tem começo, talvez, ou se esbarria em que começo? Nos mitos e nas lendas dos povos do mundo inteiro. E sempre haverá alguém finalizando uma história como essa que Bisaflor contou, dizendo que "ouvi do meu pai, que escutou a história contada por seu pai, que ouviu da avó, que escutou de uma velha índia, e por aí vai, muitos já contaram e outros ainda contarão, não tem fim.