por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 6 de abril de 2012

ANTÓNIO BARBOSA TAVARES




As mãos e o silêncio

O silêncio não existe em vão. Reverbera num fio de luz a essência do mistério. O céu é uma abôbada soturna que alberga esta mágoa de me não ser permitido saber para além do sopro deste sentir.

Olho as mãos vazias e busco uma canção para afagar a dolência desta hora. Reinvento uma esperança esquiva, busco um afago, uma explicação para o sangue que me percorre, na flâmula de vida que me foi soprada, a caminho do barro desta imparável condição.

Que palavras se me oferecem dizer, neste colossal silêncio em que me sinto soçobrar. Um homem defronte da sua magistral solidão, desnudo, a sós perante o indecifrável mistério de ser. Por onde começar esta inquirição? Olhos as mãos, escuto o fremir do sangue que pulsa, agita, alimenta o futuro do sonho , perplexifica e atemoriza o outro em mim.

Tento saciar a sede de infinito que Alguém me reinventou. Uma rosa vermelha dentro de um vaso de vidro sobre a mesa, deveria bastar.

Que insondáveis mistérios habitam a sede de um alma que se deseja saber no além-tempo desta fugiente viagem?

O silêncio é avassalador. Aniquilante e grandioso .Revelador e atemorizante Esventra a alma e faz-me sentir menos que a insignificância. Agora compreendo porque terá Deus inventado o homem. Provávavelmente, para aplacar a Sua própria solidão. Só seremos perante e em função de alguém. Precisamos do outro para saber que somos, por isso a solidão é penível e ainda mais tormentosa quando resulta do desejo não apenas de inquirir o infinito , mas de o sondar, para além do espectáculo da própria vida.

Ninguém suporta o seu próprio vazio, só os outros poderão colmatar ineficientemente as nossas brechas, suprir por algum tempo a nossa solidão.

Do desejo e da vontade de amar e ser amado se alimentam os caudais da vida. O mundo conquanto se nos assemelhe cruel e descompadecido, deve a sua perpetuidade à inexaurível sede de amor.

Olho as mãos vazias, mãos que sabem colher frutos e acariciar um rosto amado, mãos que servem para suster os vendavais e dedilhar as delícias da vida , mãos pacificadas, mãos erguidas no silêncio e na inutilidade de desejar do mundo um oásis de fraternidade. Mãos que se deveriam erguer para as nuvens e colher numa clareira de luz o mistério da fruição da vida , sem outra pergunta que não seja contemplar esta ave que gorjeia e aquela outra que leva no bico o sentido paternal da vida e soube arquitectar num acolchoado de penas o amoroso resguardo de seus filhotes.

Mãos que sabem ser piedosas e deveriam servir perenemente a piedade. Mãos que deveriam germinar um gesto de gratidão, um naco de pão espiritual, e se recollhem resguardadas, no seu abominável egoismo.

Preencho o intervalo do silêncio, reinvento-me numa esperança. Não sei que força secreta impele a viver, para além do fruto azul esperançadao do amanhã, sabendo que cada dia futuro será fiel e fatalmente a cópia do dia precedido, no inexorável caminho da eternidade da qual nada enxergo para lá do absoluto silêncio.

Olho as mãos vazias. Nada sei do mistério que as talhou. Sei apenas que este mundo não basta para aplacar esta sede que ultrapassa a humana condição. Não posso saltitar sobre a minha própria sombra, sem diluir a alma num ignoto mar de trevas, nem a magnifica luz do sol me revela este mistério ensolarado. Que vontade, desejo, sonho ou destino, se oculta por detrás da aparência do mundo?

Acaso saberá alguém distrinçar esta sede de infinito? Olho este cordame de veias por onde flui o sangue de milhentas interrogações sem resposta plausivel. Mãos talhadas para algum propósito, talvez mãos que se não consumaram ainda nos gestos de amor para que foram traçadas e que, por essa razão, não almejaram ainda a perenidade do seu fim último.

Quem me diz que as mãos , acariciando uma guitarra, serão as mesmas que despoletaram uma granada? Executam o que o coração ordena e são instrumentos da alma e tanto dedilham uma sinfonia como mancham de sangue um inocente. As mãos deveriam viver apenas para semear e colher as sementes da fraternidade para que a vida na terra não ensombrasse de pesadelos o mistério da criação.


António Barbosa Tavares
Brampton, Março/2002

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