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Somos. Estamos no mundo. Mas a face deste nem sempre é risonha para você. Há muito que me sei uma minoria, sem qualquer defesa, sem apelo político ou políticas específicas. Mesmo assim tive sorte, ninguém pretendeu mutilar-me o modo, afinal a minha avó o era também. Somos canhotos e não existe minoria mais descuidada que os canhotos.
Na indústria e nas atividades que envolvem ferramentas somos vítimas usuais do design que se construíu para destro e só raramente se considerava o canhoto. Um exemplo neste dia do músico é de Canhoto da Paraíba quando foi aprender a tocar violão. Quem viveu a renovação das carteiras escolares, com aqueles bancos com o apoio para escrever do lado direito sabe o que falo. Ainda bem que a caneta tinteiro desapareceu e veio a esferográfica que não borra a escrita enquanto minha mão se arrasta sobre ela.
A outra minoria eu não sabia a dimensão que tem. Uma recente pesquisa da Fundação Perseu Abramo identificou as coisas que os brasileiros mais têm aversão ou intolerância: a que ganhou, inclusive à frente dos usuários de drogas, foi os ateus. A coisa é tão intensa que se encontra em segundo lugar, um pouquinho apenas atrás dos usuários de droga quando se perguntou sobre as pessoas com que menos gosta de encontrar.
E tem mais. Há algum tempo um amigo desejou se encontrar no olho do furacão pois ali reina a paz, no centro onde tudo gira. Eu fiquei fervendo de insatisfação. Não posso me conformar, aceitar o dado passivo de uma realidade que sei uma opção de gente muito ativa. Não me conformei e respondi-lhe com este poema bem ao estilo rebelde e para sempre rebelde:
PORTAS SEM FECHADURAS
Rio de Janeiro, 10 de outubro de 2006 - às 21:55 horas
meu ser, não abandones as tempestades,
que desfolharam as roseiras de tua juventude,
e transportaram para o chão as pétalas sedosas,
as cores impressionistas de tua alma aprendiz.
tantos galhos quebrados, pedaços lançados,
no turbilhão que dobra, tanto dobra até partir,
na janela e feche-a para as ventanias inaceitáveis,
negues demônios intoleráveis que te ofertar morta paz.
meu ser, nunca te adaptes as coisas como estão,
alguém ou algo lhes deu o estado que não te convém,
aceita a tua natureza de não aceitar jamais o que é,
no mundo em movimento, o que é, o é em transformação.
meu ser, diga sempre sim, já expirando a palavra não,
o infinito de Deus, é uma plêiade de astros finitos,
a eternidade é a pausa da respiração entre o não e o sim,
é como a harmonia dissonante de tantas vozes se exprimindo.
se queres viver a própria morte, antes negue a renascença,
e tua alma se apascentará nos meandros medievos de Francisco,
chagas te atravessarão as palmas e calma, calma em teu inferno,
de cuja profundidade jamais sairás, este é o conceito primeiro.
mas abraça o chão que te sustenta, sempre desejando voar,
ama a multiplicidade, sonha com a unicidade e fragmenta-te;
os espaços que entre eles surgirão, de dor ou alívio, são lembranças,
da unidade que se adiciona, se divide e se multiplica em tantos.
viaja, transita nos espaços distantes, com as pás dos ciclones,
junta-te aos objetos que por lá são jogados, tonteia-te no giro,
retorna ao mesmo que antes estiveste, sabendo da outra volta,
mas, meu ser, não te deixes ficar no olho vazado dos furacões.
banha-te neste rio de batismo, purifica-te de tantas limpezas,
deixa que as águas adicionem a esta superfície que nada tem,
os minerais que nodoam, as manchas que distinguem,
pois o imaculado é a ditadura de uma única nota na canção exilada.
meu ser, quando a ponta do chicote lanhar tua carne, viva de sofrimento,
não dialogues com o acoite e tampouco com a ferida, ambas irracionais;
olha bem fundo nos olhos do rosto cuja mão acionou o corte em ti,
e revele que aquilo não é natural, é apenas a vontade de alguém.
meu ser, ao sair nas ruas, não te esqueças de ti mesmo, no silêncio interior;
o vai e vem da vida, é um tanto que vai e outro que não virá, chegando e saindo;
na marcha a paisagem que revela é crítica, pois é construção de cada um,
contempla-a com senso de transformação e com alguns tragos de preservação.
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