por Jorge Mello em 16 de agosto de 2007
Publicado em Cancioneiro de Garoto
Piano Bar - Alberto Sughi
Detalhe de “Piano Bar”, gravura do artista plástico italiano Alberto Sughi.
Num bar da notívaga São Paulo da década de 50, um conjunto formado por bandolim, piano, contrabaixo e bateria toca um animado choro instrumental. Chega então um freguês, que é prontamente atendido pelo garçom:
– Boa noite!
– Boa noite.
– Ué, sozinho hoje?
– Estou… Queria aquela mesa, perto do piano.
– Pois não!
Repentinamente o bandolim pára o choro e o freguês pede firme:
– Maestro!
Surge então a voz aveludada de Dick Farney, entoando a letra de um samba-canção de sofisticada – porém envolvente – harmonia:
Foi neste bar pequenino
Onde encontrei meu amor
Noites e noites sozinho
vivo curtindo uma dor
Todas as juras sentidas
Que um coração já guardou
Hoje são coisas perdidas
Que o eco ouviu e calou
Você partiu e me deixou
Não sei viver sem teu olhar
O que sonhei só me lembrou
Nossos encontros no Nick Bar
Assim é o primeiro registro sonoro de Nick Bar, composição de Garoto e José Vasconcelos – este último, aliás, responsável pelo “diálogo” garçom-freguês acima (para ouvi-lo, vá até o player localizado no rodapé deste artigo).
Nesta gravação, Dick Farney possui a companhia musical de Radamés Gnattali (piano), Garoto (violão e bandolim, tocado no início), Pedro Vidal (contrabaixo) e Trinca (bateria). O disco, um RPM 78 rotações da Continental de número 16479, foi gravado em 23 de agosto de 1951 e lançado dois meses depois – existem duas outras gravações dela feitas pelo próprio Dick em dois outros discos de sua autoria.
O paulistano e noturno “Nick Bar”
Bairro do Bixiga à noite, em São Paulo - fonte da imagem: http://flickr.com/photos/slgiusti/217836390/A boemia paulistana no início da década de 50 tinha como emblemático ponto de encontro um bar localizado no tradicional bairro do Bixiga, no número 315 da rua Major Diogo, ao lado do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), servindo como um refúgio informal e charmoso para músicos, atores, escritores, artistas, socialites e boêmios da época.
Seu dono, o americano Joe Kantor, conhecido boêmio na cidade daqueles tempos, batizou-o de Nick Bar em referência à montagem “Nick Bar… Álcool, Brinquedos e Ambições”, título em português dado à peça de três atos “The Time of Your Life” (1939), do escritor e dramaturgo norte-americano William Saroyan , dirigida pelo italiano Adolfo Celi. Esta, por sinal, fora a primeira encenação profissional do TBC, inaugurado havia pouco tempo, em 1949.
O escritor e cineasta paulistano Marcos Rey em sua crônica intitulada “Bares da saudade” sintetiza de forma sucinta a magia e o glamour que envolvia e atraía seus freqüentadores:
“(…) Era o reduto da sofisticada geração que se dizia existencialista, discutia Sartre e se recusava a apertar a mão dos adeptos da música caipira. Os artistas de sucesso e jovens intelectuais diziam presente todas as noites. Os cronistas sociais passavam por lá. Estar no Nick podia ser notícia. Com um pouco de sorte sentava-se na mesa ao lado de Tônia Carrero, Maria Della Costa e Cacilda Becker. Vizinhos da fama. O tom da geração, o estar na moda, ser up to date, era ali, no Nick, onde muita gente tomou uísque pela primeira vez, curtiu a dor-de-cotovelo inaugural e aprendeu que era feio dormir cedo. Devia ser tombado e seus fregueses transformados em figuras de um alegre museu de cera. (…)”
A lembrança desse clima de boemia e musicalidade que rondava o bar se tornou lenda, perdurando na memória dos que intensamente vivenciaram aqueles momentos.
Letra e música nascendo juntas
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