por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 27 de maio de 2011

Hello !


Defronte do Copacabana Palace, no Rio, no domingo dia vinte e dois de maio, uma multidão olhava para a janela da suíte presidencial, quase a quebrar o pescoço, esperando pelo aparecimento, por um mínimo instante que fosse, do seu ídolo. A turba formava-se por muitas gerações : bisavôs, avôs, filhos, netos. Uma senhora, passando pelo calçadão, arrastando seu poodle estranhou aquela atitude. “Um bando de gente desse, olhando para cima, como bestas, esperando o quê? Outro besta aparecer lá em cima?” Um rapazinho de uns vinte e poucos anos, fita-a seriamente e diz:
--- Minha , senhora! O que é isso? Respeite a religião dos outros! Se a senhora soubesse que Jesus estava hospedado aqui, não estaria ajoelhada neste calçamento? Pois ali em cima se encontra meu deus! Respeite a minha religião!
Pertinho, um outro rapazinho conversa com amigos e informa que não vai dar mais para esperar. Tem que ir para o Engenhão, render alguns amigos que estão na fila e precisam almoçar. E diz: “Estamos acampados lá desde quarta-feira, queremos ficar pertinho de Paul!”. À noite, no estádio, uma fila quilométrica aguardava a abertura dos portões. Pessoas de todas as idades estavam prontas a suportar mais de nove horas em pé, deslumbradas e anestesiadas com possibilidade de, após a maratona, estarem pertos, num show inesquecível, de São Paul McCartney de Liverpool. Avós, filhos, netos, das mais variadas regiões do país – umas quatro gerações --- ali estavam firmes e fortes. Alguns já tendo feito igual peregrinação nos shows anteriores de São Paulo, Porto Alegre e Buenos Aires. À nossa frente, uma senhora testemunha dos dourados anos sessenta, nos disse ter comprado ingressos para vir ao show daquele domingo e da segunda-feira. Passadas as longas seis horas aguardando o ídolo, uma platéia aparentemente estafada simplesmente ressuscitou quando Sir Paul apareceu no palco, com sua banda competentíssima e, sem muitas pirotecnias, sustentou um inesquecível Show de três horas. É que todos, totalmente reconfortados, assistiam à sua frente um show não de Paul mas do “The Beatles”.
Em pleno Império do Efêmero , pus-me a pensar: o que dá a uma obra tintas de eternidade? Ali estavam quatro gerações comigo, não de apreciadores da Banda, mas de Beatlomaníacos! Como aquilo era possível, se a primeira e mais primal atitude dos jovens é jogar no lixo tudo o que a geração anterior apreciou? Em plena era do Forró de Plástico, do Breganejo, do Axé Insosso, onde o sucesso dura no máximo alguns dias e as bandas nascem e morrem numa velocidade estonteante, como explicar a perenidade e a blindagem dos Beatles?
Queóps construiu sua pirâmide dois milênios e meio antes de Cristo.O faraó ergueu sua tumba gigantesca esperando ali ficar aguardando a ressurreição, ou seja moveu-o a busca da imortalidade. No fundo, toda obra de arte é uma nova pirâmide feita pelo artista, na quase sempre inglória tentativa de com ela driblar a morte e o esquecimento.A possibilidade quase que única de sobrevivermos de alguma maneira ao desaparecimento físico inexorável. A música que se faz hoje, quase sempre, na sua volatilidade, nada tem de ritualística e nem pode pretender ser arrolada como Arte. São casas de adobe, sem alicerce, para o pouso temporário e incerto de alguns. Feitas para o entretenimento daquele instante, daquele momento específico, rui como por encanto à primeira neblina. Sequer os bordões permanecem: “minha eguinha pocotó”, “minha mulher não deixa não”, “Ah, eu tô maluco!”
As tintas da eternidade são perseguidas por todos os artistas e, no fundo, é o moto-contínuo do seu fazer artístico. Mas não basta querer a permanência simplesmente. Nem mesmo a qualidade inequívoca da obra reconhecida hoje lhe dá, a certeza da permanência. Alexandre Dumas foi o mais reconhecido escritor da sua geração, assim como Anatole France e, nem por isso, a vivacidade das suas obras resistiram totalmente ao impacto do tempo. Balzac e Baudelaire, bem menos incensados enquanto viveram, criaram uma vitalidade impressionante com o passar dos anos. Além da qualidade temporal imprescindível da obra de arte, essa necessita de alguns outros atributos para as banharem de eternidade. Faz-se mister genialidade. O grande artista é sempre um visionário e consegue imprimir um profundo ar de atemporalidade naquilo que faz. Tantas e tantas vezes passa totalmente despercebido por seus contemporâneos, simplesmente porque pinta na tela do hoje utilizando as tintas do futuro.
Se a impermanência é o atributo mais palpável do reino animal, rescendeu um ar de eternidade , de divino quando Paul subiu ao palco do Engenhão no domingo. Como se todos estivessem diante da pirâmide e de lá saísse um Queóps redivivo dizendo Hello! e nunca, nunca mais, Good Bye!
J. Flávio Vieira

4 comentários:

socorro moreira disse...

Oi Zé Flávio

há pouco tempo li sua excelente postagem no Azul Sonhado. Quis comentar, mas o negócio lá encrencou e não fez meu login. Coisas de internet, coisas de computador. Fazer o quê?
Bom, tava aqui navegando e fui olhar a revista pernambucana Continente e achei outra preciosidade sobre o show de Paul McCartney.
Lembrei imediatamente do teu post e decidi compartilhar com você e outros amigos o artigo do jornalista pernambucano.
Muito bom o que vocês escreveram e viveram por lá.
Os leitores agradecem.

Um abraço
stela

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Zé,
Ontem vinha andando aqui perto de casa e ouvia uma música do nosso tempo e uma saudade plena de realizações me elevou acima da calçada. Imaginei que aquela música não seria do gosto dos atuais jovens. Foi quando me deu a idéia que não é impossível que um dia tenham as mesmas elevações que eu naquele momento e isso ouvindo Axé, Forróplástico e outras coisitas mais. Afinal uma vez numa pizzaria em Paracuru, após tantos anos sem ouvir e pelos milagres dos CDs reapareceu: Vanderley Cardoso, Martinha, Demetríus e tanta coisa que tínhamos certeza não eram grande coisa, mas funcionavam nas tertúlias.

Joaonicodemos disse...

Meu caro,
Gostei de saber que vcs foram ao show do Paul.
Realmente os Beatles mudaram a história com sua música e seu comportamento.
Imagine a nossa geração sem os Beatles!
Sorte nossa que temos esta memória para compartilhar. Já pensou se tivéssemos como referência um breganejo ou axenejo? Talvez a causa da memória curta seja isso: muita coisa é melhor esquecer mesmo.
Zé do VAle, se nos lembramos de W.C.ardoso e Leno e Lilian é porque não vale a pena esquecer... E pensávamos que não poderia ficar pior... A história mostrou que em termos de empobrecimento do senso estético o buraco não em fundo...
grande abraço, amigos!!

Ulisses Germano disse...

Belíssimo texto!
Zé Flávio
Lembrei-me de uma das frases instantâneas do escultor Zé Pinto: "Os Beatles "desbitolaram" o mundo!"
A verdadeira Arte segue a linha eterna da vida.