por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 27 de maio de 2011

Colaboração de Stela Siebra


McCartney abre o baú dos Beatles em show no Rio

Escrito por Marcelo Abreu 


Ao ver Paul McCartney chacoalhar os ombros, balançar a cabeleira e tocar seu baixo na música All my loving, vestindo um terninho preto dos anos 60, por um segundo poderíamos até ter a sensação de pastiche dos Beatles. Mas aí nós lembramos (sim, sempre parece meio irreal) que estamos diante de um verdadeiro beatle, um das duas únicas pessoas no planeta que podem fazer isso sem ser imitação. Aqui, na segunda noite do show do Estádio do Engenhão, no Rio de Janeiro, Paul tem direito de ser McCartney e não deixa por menos. Mostra o que fez nos seus 50 anos de estrada como um artista de raro talentoso e generosidade com seu público.

Antes do começo do show, foi exibido no estádio, em dois telões verticais, ao lado do palco, um vídeo de meia hora que era uma colagem de imagens dos anos 60 e 70. É como se McCartney decidisse abrir uma velha gaveta da cômoda do quarto para nos mostrar fotografias, postais, cartas, recortes de jornais, botões velhos, capas de discos, pequenos objetos que contam sua vida e o seu tempo. Está todo mundo lá: a família, Linda, os Beatles, os Stones, Simon e Garfunkel.

Depois de abrir a gaveta de recordações, McCartney sobe no palco para abrir o baú de boas canções que têm embalado gerações. E que repertório! Foram 35 músicas no primeiro dia do show e 35 no segundo (com algumas deliciosas variações no set list). Beatles, Wings (sua banda nos anos 70) e a fase solo. Mas ao contrário de outros sessentões que fazem isso com nostalgia, quase num pot-pourri cansado, Macca faz com a energia da juventude que nunca lhe abandonou e bota pra quebrar, com uma banda muito competente. É o que no passado chamávamos de concerto de rock, daqueles de lavar a alma.

Os pontos altos das duas noites foram as músicas mais pesadas, mais propícias ao clima de estádio: Back in the USSR, com imagens no telão de velhos filmes de propaganda soviéticos; Paperback Writer, ilustrada com a exibição das incrivelmente datadas capas de livrinhos de bolso populares dos anos 60; e Helter Skelter, com as vertiginosas imagens de uma montanha russa ilustrando o clima da música.

Houve momentos intimistas interessantes como Blackbird e Here,Today, escrita em homenagem a John Lennon. Mas a grandiosidade do estádio dispersa a atenção da massa para momentos mais reflexivos.

Os sucessos dos Wings foram muito festejados como a popular Mrs. Vanderbild, e também Jet e Band on the run. A cinematográfica Live and let die foi o momento mais pirotécnico do show, com direito a explosões no palco e fogos de artifício.

A comunicação com o público é um show parte. Falando português, Paul lembra um velho professor estrangeiro. Consciente da inevitável distância física da plateia, utiliza gestos teatrais que, às vezes, lembram até a expressividade de Chaplin. Não perde a chance de fazer brincadeiras e se comunicar. Agradece pelas luzes, pelos balões coloridos, pelos aplausos. Citou até o nome do chefe da mesa de som.

Assistir a um show de Paul McCartney no Brasil é como penetrar num laboratório de experiências humanas, onde vovós cantam felizes canções de sua juventude, pais se emocionam por verem, orgulhosos, que os filhos gostam de boa música, e filhos adolescentes, dividindo espaço com os mais velhos, certificam-se de que, sim, o mundo na música não começou com Lady Gaga.

Mas os dois shows realizados no Rio de Janeiro demonstraram que, mais do que uma experiência coletiva de reunião de tribos e idades diferentes, o velho Macca proporciona um encontro muito pessoal de cada fã consigo mesmo. Um momento para cada um pensar na história de sua vida, lembrar o momento em que descobriu a música dos Beatles e como isso mudou seu modo de encarar o mundo.

Pode ser clichê mas vale repetir: McCartney é um super-herói do nosso tempo, gênio da música que alia, a um incrível vigor físico, um domínio completo do palco e um carisma inigualável. Sua Up and Coming Tour é generosa. Das quase três horas de espetáculo, só da fase dos Beatles, que Macca revisita livremente, foram tocadas 23 músicas, em versões fiéis e levemente mais roqueiras para o clima de estádio. Mas o baú dos Beatles é tão rico que, para cada música tocada no show, umas seis ficaram de fora. Para serem tocadas nas próximas vezes.

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