VIDA DE VIOLEIRO
(a Inácio Pessôa de Lima, 20/06/2009)
Um dos encantos que guardo
da minha infância rural
que os anos não trazem mais:
o claro toque de um banjo.
Ao som de uma viola
ouvi cantar Cego Heleno:
metálico era seu timbre,
e pela primeira vez
assombrou-me a voz humana.
Imaginei ser poeta,
cantador e repentista.
Exemplos não me faltavam:
Inácio da Catingueira,
um gênio no desafio,
e o grande Cego Aderaldo.
Por volta dos quinze anos,
em meio às dobras da vida
de improviso, em redondilha,
cometi uma sextilha:
Eu tinha catorze anos
quando minha mãe nasceu,
sol brilhou sobre o seu medo
e espiou dentro do meu,
eu tinha catorze anos
quando minha mãe morreu.
Bem depois vim a saber
que aquele verso, ou reverso,
paradoxo, bizarria,
modéstia à parte, eu diria,
sem querer já me fazia
precursor de Zé Limeira
o poeta do absurdo
(e por evocá-lo agora
transcrevo um seu breve estudo):
Nessa vida de viola
vivo pra diante e pra trás,
nunca mais tive alegria
depois que perdi meus pais,
minha vida é de caboclo,
quatro é muito, cinco é pouco,
dez não dá, sete é demais.
Depois conheci Zé Gato,
repentista, embolador,
que entre banhos de alegria,
numa feira lá do Crato,
num certo dia inspirou-me
um verso de pé quebrado:
Bom cantador é aquele
que canta o que está lacrado
no coração mais exangue
do homem mais desalmado.
Zé Gato, cadê teu pulo?
Nos dias que ainda traço
sem viola, nem repente,
sigo pensando na mente:
Quem não canta neste mundo
no outro fica engasgado,
pois o nosso mundo é este,
que o outro, é do outro lado,
por isso cante com a alma
que a vida lhe deu de agrado
para encantar quem não canta
e alegrar quem está calado!
(Assis Lima)
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