por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



segunda-feira, 7 de março de 2011

O Chevette vermelho do meu pai - por Socorro Moreira




Ele não tinha dinheiro pra comprar carro zero todo ano , tinha pelo tal , o maior cuidado. Horas por dia passava polindo a pintura , sem deixar que nela ficasse, sequer uma manchinha. Dormia coberto , e não saia em dias de chuva. Era um brilho só ! Em 1975, transformou o modelo, e o carro não saiu do zero., e assim fez por mais alguns anos... Até 1987 , quando faleceu. Não sei se por zelo ou mania, o carro era tratado com a maior frescura do mundo.
Um dia ele saiu numa sexta-feira , e não voltou por dois dias. A casa ficou triste e preocupada. Minha mãe já pressentindo o destino do sumido, só rezava. Ela trabalhava numa instituição educacional , nas imediações do "gesso". Na segunda-feira estava a caminho da escola, quando avistou o carro do meu pai, em frente a uma daquelas casas , que se diziam "suspeitas". Não quis conversa. Caladinha, pegou em casa a cópia da chave , arranjou um motorista , escondeu numa garagem amiga, e esperou os acontecimentos.
Chega meu pai , desesperado ... Roubaram meu carro ! Perdi o carro !
Compadecida com a tristeza do marido , ela abre o jogo : seu carro tá guardado. Por que fiz isso? Achou que eu pudesse deixar ao relento um carro, do qual tem tantos ciúmes? E se chovesse? E se o sol do meio dia estralasse a pintura ou desbotasse o vermelho ?A gente casou ou não casou no católico e no civil? Pois então... Eu zelo por tudo que é seu !
A Valda é quase uma santa, mas ninguém consegue enganá-la. Claro que ela perdoava, porque sabia-se amada. Os homens do tempo do meu pai não eram castos, nem irresponsáveis... Faziam porque eram "machos" ! No fundo, no fundo, só amavam as nossas mães , e costumavam pecar, sem deixá-las !
Era pra valer, o "até que a morte nos separe." Foi assim com os meus pais, e não tenho dúvidas do quanto foram felizes, e de que tenham mesmo nascido um para o outro. Minha mãe , filha de Maria; meu pai, boémio inveterado.
No final da vida, completamente convertido e redimido, Moreirinha viajou primeiro pra construir uma morada eterna . Aposto que nessa morada tem um chevette vermelho na garagem.

Um comentário:

Altina Siebra P.Barreto disse...

Socorro,
admiro sua mente aberta, sua sensibilidade e o carinho quando fala de seu pai. Você sabe que o conheci. Era, realmente, uma pessoa alegre, espirituosa e deu muitas alegrias a quem lhe entregou seus automóveis para conserto. Se sua mãe enfrentou numa boa as trelas dele, quem teria direito de criticá-lo? A geração de nossas mães casava "até que a morte os separe", realmente. Umas santas. Os tempos eram outros. Só quem os viveu entende o comportamento das pessoas à época.
Fiquei curiosa para saber que fim levou o chevete.
Abraços!

Altina Siebra P.Barreto