por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



terça-feira, 15 de março de 2011

MEU SÓCIO - Por Marcos Barreto de Melo

Nasci e me criei no sítio São José, numa área de propriedade do meu pai, onde ele criava gado e praticava a agricultura, tendo como atividade principal a cultura canavieira. Quando menino, perambulava pelo engenho e pela bagaceira. Pegava carona em lombo de burro e ia até o “corte de cana”. Lá, sentado sobre a esteira de cana, chupava a cana torcida e a garapa escorria pelo bucho para depois juntar-se à poeira das veredas por onde passavam os burros transportando a cana para o engenho. Era um tempo de muita liberdade onde a criançada saía de pé no chão, pisando na areia ou na lama, lavando os pés nas levadas que cortavam as áreas alagadiças do brejo e ainda montava cavalo de pau levando o gado para o curral, se fazendo de vaqueiro.
Com tanta liberdade, ainda menino já me interessava em praticar alguma atividade que pudesse me trazer alguns dividendos. Assim, criava um porco em sociedade com um morador e ainda uma meia dúzia de galinhas.
Bem próximo ao engenho ficava uma casa grande de alpendre, construída pelo meu avô paterno e para onde a família se mudava durante todo o período da moagem. Eu não alcancei este tempo. Quando me dei por gente, nela já morava um antigo morador do meu pai. E foi nesta casa que eu vi uma criação de capotes (guinés). Disse a este morador que também queria criar capotes e ele prontamente me presenteou com uma quantidade de ovos capaz de dar início ao meu tão sonhado empreendimento. Seria este o meu primeiro grande negócio. Fazia contas e mais contas do quanto ganharia com a venda dos ovos e de alguns exemplares.
No início, tudo correu bem. Quase todos os filhotes se criaram, o que é muito raro de ocorrer. Entusiasmado, tratei logo de preparar uma nova ninhada. Como estávamos no verão, quase todos os filhotes desta segunda ninhada também chegaram à idade adulta. O capote tem a característica de por seus ovos longe de casa e dos olhos do dono. Era uma trabalheira para encontrar os seus ninhos. Sempre havia um cachorro esperto de plantão e decidido a colher os ovos antes de mim. Havia também uma simpatia de matuto, segundo a qual não podíamos pegar os ovos com a mão e sim, com uma colher de pau. Segundo esta simpatia, se pegássemos com a mão, a fêmea poderia perceber que o seu ninho havia sido descoberto e mudar-se para outro local ainda mais escondido. Toda tarde, próximo ao anoitecer, eu saía com uma panela e uma colher de pau para a colheita do dia.
Mesmo com todo este trabalho, preparei a terceira ninhada aproveitando o final do verão e confiante nas perspectivas de bons negócios. Com três ninhadas passeando pelo terreiro da casa, o que representava algo em torno de 60 capotes, sentia que estava no rumo certo e que o meu negócio era mesmo promissor. E para incrementar a venda dos ovos, ganhei da minha cunhada Norma, de Fortaleza, algumas embalagens de isopor vazias, algo que não havia no Crato neste tempo. E por coincidência, a caixa trazia a inscrição Ovos São José, já que eram vendidos pelo antigo mercantil São José.
De bem com a vida e com os negócios, aos doze anos de idade eu já fazia planos mais ousados, baseando-me no crescimento vertiginoso da minha criação de capotes.
Mas, como diz o provérbio popular, “Deus quando dá a farinha, o diabo vem e rouba o saco”. E foi o que ocorreu comigo.
Numa tarde de janeiro, época chuvosa, um amigo muito íntimo da família visitava o meu pai quando, para o meu azar, desfilou à sua frente todo o meu rebanho de capotes, naquele maior alarido. Tudo aconteceu na hora mais imprópria. Esse desfile fora de tempo foi o bastante para despertar neste visitante o interesse em também criar capotes. Imediatamente chamou-me a compor uma sociedade com ele. Ele pagaria os ovos e eu me encarregaria do restante, ou seja, eu ficaria com o trabalho e o que nascesse seria de nós dois. Diante do olhar do meu pai, eu não tive outra opção a não ser concordar com esta bela proposta.
Negócio fechado, no dia seguinte eu parti para a luta. Acontece que estávamos na quadra chuvosa e o momento não era propício para iniciar uma criação de capotes, já que estes bichinhos são muito frágeis e vulneráveis a doenças. Mas, toquei em frente o projeto. Afinal, o meu sócio nos visitava com muita freqüência, era gente da família e uma vez por semana jantava conosco. A cada visita, ele me perguntava sobre o progresso de nossa criação e, quando eu ia lhe responder, o meu pai se adiantava e dizia a ele que estava indo tudo muito bem. Na verdade, de trinta filhotes que nasceram metade morreu nas primeiras chuvas. Restaram apenas quinze, que foram morrendo aos poucos de doenças ou no bico de um gavião faminto. Eu queria dizer isto ao meu sócio, mas meu pai não deixava. E o meu sócio, certo de que tínhamos trinta capotes já adultos, inventou de comer um capote a cada semana, toda vez que jantava lá em casa. Com isso, eu via definhar o meu rebanho ao tempo em que também ia abaixo o meu sonho de criador. De sócio, ele passou a ser um verdadeiro predador. Pior do que qualquer ave de rapina. E o pior de tudo é que abolira de vez qualquer outro tipo de carne do seu cardápio. Sempre pedia à minha mãe que preparasse para o jantar um capote “dos nossos”. Nunca vi alguém gostar tanto assim dos meus capotes.
Revoltado e indignado com a situação e sem poder dissolver a sociedade, aproveitei-me da ausência do meu pai que fora passar uns dias na fazenda, em Pernambuco, e me vinguei para sempre deste meu sócio incômodo. Vendi tudo que ainda restou para o dono de um restaurante, e com o dinheiro apurado comprei um relógio da marca Hernavim. E depois, conversando com os meus botões, falei: quero ver agora quem é que vai tomar o meu relógio.

Marcos Barreto de Melo

7 comentários:

Stela disse...

Maravilha de história, Marcos.
Espero que não tenha havido nenhum olho grande em cima do seu relógio. (risos)
Abraços

Aloísio disse...

Marcos,

Além de grande poeta, você está demonstrando ser um grande cronista.
Parabéns pelo texto.

Abraços
Aloísio

Marcos Barreto de Melo disse...

Stela,

Muito obrigado por se fazer presente com o seu comentário.
Abraço,

Marcos

Marcos Barreto de Melo disse...

Caro Aloísio,

Obrigado pelo incentivo. Ainda estou aprendendo com os colegas.
Abraço,

Marcos

socorro moreira disse...

Excelente texto. Viajei!

Aloísio tem razão.

Grande abraço, menino!

Marcos Barreto de Melo disse...

Socorro,

Fico enaltecido com o seu comentário.

Abraço,

Marcos

Denise/Brito disse...

Maravilhaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!

Sds,Brito