Recebi da minha irmã Maria Edith um exemplar da reedição do livro O Cariri, seu descobrimento, povoamento, costumes, escrito pelo Dr. Irineu Pinheiro, cuja primeira edição foi publicada em 1950. Obra belíssima, cheia de detalhes da vida dos cratenses de antigamente. Nas páginas 84/86 descreve uma cerimônia de núpcias, que transcrevo aqui:
“Cedo, às 2 horas da tarde, mais ou menos, batia-se o bombo a chamar-se os músicos, na calçada da casa do Mestre da banda de música local. Três as chamadas com intervalos de 5 minutos de uma para outra. Esse bater de bombo era como um toque de alerta a convocar o povo para partilhar da festa de casamento ou apreciá-la do lado de fora, na rua.
Algumas vezes varriam-se os passeios lageados da cidade até a porta da matriz, cobriam-nos de folhas verdes de mangueira.
Às quatro da tarde começavam a chegar os convidados ao domicílio dos pais da noiva.
Em dado momento, os homens iam buscar o noivo na residência deste e agrupados o traziam à frente de todos.
De volta, postavam-se na calçada, à porta da casa, e ali dando o braço às senhoras, formavam um longo préstito, às vezes de várias dezenas de pares.
Todos, uns atrás dos outros, acompanhavam os noivos a pé, até a matriz da cidade.
Registravam-se em certas ocasiões, na formação do cortejo, episódios engraçados. Algumas damas não queriam dar o braço a este ou àquele convidado, por julgá-lo de condição inferior à sua, por exemplo.
Faziam-se pequenas manobras hábeis, recuos disfarçados, mas, em fim, uma ou outra acabava por aceitar o braço indesejável e incorporar-se ao acompanhamento.
À frente deste, de braços dados, marchavam a noiva e o pai desta, logo após o noivo e a primeira madrinha, em seguida os outros pares indistintamente.
Uma menina segurava a cauda do vestido da noiva e uma outra levava em uma salva as alianças de ouro.
Na igreja, durante o cerimonial, os nubentes ajoelhavam-se em dois almofadões de seda para ali enviados adredemente.
As senhoras que compareciam a essas bodas, vestiam-se de fazendas caras, seda, merino, lã, alpaca.
Naquela época estava na moda o uso supliciante do espartilho. Tanto mais elegantes as mulheres quanto mais delgada a cintura. Algumas apertavam-na de tal arte que, as vezes, desmaiavam.
No patamar, na nave da igreja, em todo o trajeto de ida e volta, uma multidão curiosa a espiar os do séquito, a admirar os vestidos das senhoras, a cochichar bisbilhotices que despertavam risos.
À saída da comitiva nupcial da casa dos pais da noiva e à sua vinda, à chegada na matriz, tocava a banda de música, entusiasticamente, marchas e dobrados.
A noitinha começavam as danças: valsas, as polcas, o galope, as quadrilhas marcadas em francês por alguém, o par marcante.
Não havia entre os jovens de ambos os sexos essa excessiva familiaridade, que existe hoje, tão nociva ao prestígio da mulher.
Assistiam os noivos às danças na sala de visitas, sentados em um sofá, ela, a noiva, com o busto erecto e apertado pelas aspas de aço do espartilho. Um tormento a que nenhuma podia fugir.
Terminavam as festas com o ato de, pela madrugada do dia seguinte, todos os convidados acompanhados pela banda de música irem deixar os noivos na casa que lhes era destinada.
Assim se casavam os de há uns trinta anos atrás.
Joaquim Pinheiro
2 comentários:
Esse texto é épico !
Maravilhoso, Joaquim !
Estava guardado. Ei-lo !
abraços, querido
É muito bom acordar numa manhã de domingo, nublado, em Olinda pré-carnaval (e já carnaval) agitado,e ler um texto narrativo como este.
Joaquim sempre tem coisas interessantes pra contar.
Valeu, querido amigo.
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