por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Cortando o cordão – Por Carlos Eduardo Esmeraldo

O acaso sempre esteve presente na minha vida. Sem que eu planejasse muita coisa, como muitos o fazem, deixei que a vida me levasse e, ela me conduziu por caminhos retilíneos e belos. Em janeiro de 1964, eu pensava que iria continuar estudando no Crato, na minha zona de conforto, sob a proteção dos meus pais, entre meus familiares e colegas de estudos, uma turma unida e muito amiga. Dizem que o destino sabe traçar a estrada daqueles que sem querer, a ele se entregam. Talvez tenha sido esse o meu caso.

Um primo que estudava engenharia no Recife, estava de férias e visitava nossa casa, no São José. Ao vê-lo, fui conversar com ele, saber como era o curso de engenharia, suas dificuldades e sobre o vestibular. Sabedor de que eu desejava cursar engenharia, ele me aconselhou a ir estudar no Recife durante o curso científico. Disse-me que se eu ficasse no Crato, correria o risco de não ser aprovado no vestibular. Respondi que não dependia de mim. E então ele foi falar com o meu pai. E o fez de uma forma tão convincente, que eu senti naquele contato a concordância do meu pai. Mas este não disse nem sim e nem não. Para mim dizia ser impossível, pois não estava podendo arcar com as despesas.

Dias depois, um parente do meu pai, diretor da Escola de Engenharia de Minas de Ouro Preto, visitava meus pais, sempre que vinha ao Crato em suas férias. Ao saber do meu desejo de cursar engenharia, aconselhou-me que eu fosse estudar em Ouro Preto, colocando sua casa à minha disposição. Fiquei receoso de meu pai aceitar aquele convite protocolar, pois além de não ter nenhuma intimidade com aquele parente distante, Ouro Preto, para mim, era um fim de mundo.

No inicio do mês de fevereiro daquele ano, nada estava definido. Pensava tranquilamente que iria continuar no velho Colégio Diocesano e isso me dava certo alento, pois por ser o filho caçula, eu era muito apegado aos meus pais e irmãos. Entretanto, dias depois, o meu pai recebeu uma carta de uma irmã dele, a tia Anete, que residia em Salvador, dizendo que já reservara a minha matrícula e que eu poderia ir estudar na Bahia. Olhei no sobrescrito o meu futuro endereço: Avenida Beira Mar 404. Na minha imaginação surgiu, como que de repente, a avenida de mesmo nome que eu vira em Fortaleza na única visita que fizera até então a uma cidade maior que o Crato, além do Juazeiro, é claro! E imaginava que iria viver num paraíso. Fiquei ainda mais contente, quando soube que o meu primo e companheiro de brincadeiras, José Esmeraldo Gonçalves também iria.

Tudo então ficou decidido e às pressas, mamãe preparou um enxoval que fez minhas lembranças recuarem cinco anos, quando fui estudar no Seminário. Um medo disfarçado se apoderou de mim. Era a primeira vez que iria sair do Crato e debaixo das asas e da proteção dos meus entes queridos.

Um novo mundo se descortinava à minha frente, o desconhecido, a sensação de uma nova vida. Viajar de avião, coisa impensada, conhecer a cidade de Salvador e suas inúmeras igrejas e tantas outras belezas das quais ouvia falar com insistência.

Viajei com meus primos que lá já estudavam e residiam com minha tia Anete. Por causa de um defeito no DC3 que nos levaria, esperamos um dia inteiro no velho Aeroporto de Fátima, sem nada para enganar o estômago e sem comunicação. Somente no dia seguinte é que conseguimos voar num DC6 que veio em substituição ao avião danificado. O DC6 era um avião grande, com assentos com três cadeiras de cada lado e capacidade para mais de cem passageiros. Ao chegarmos a Salvador, uma Kombi da Varig levou os passageiros de porta em porta até a residência de cada um. O aeroporto distava mais de trinta quilômetros da cidade. Fomos os últimos a chegar ao destino, pois onde tia Anete morava era na Ribeira, final de uma península na cidade baixa.

Senti um misto de arrependimento e tristeza. A Avenida Beira Mar não era nada daquilo que eu imaginara. Era uma rua larga, às margens da Baia de Todos os Santos, sem calçamento, cheia de poças d’água, muita lama e enormes amendoeiras no meio, cujas folhas caídas se misturavam e recobriam as poças de lama. O bairro era triste, composto por um monte de casas velhas. Onde íamos morar era numa escola, o Educandário Pio XII, alojado num velho casarão de três andares, com piso de tábua corrida, que ecoava sob nossos passos. No terceiro andar havia um pequeno apartamento composto de três quartos, um banheiro, um vestíbulo com guarda-roupa coletivo e uma ante-sala ao lado da escada, onde estudávamos. Ao todo éramos seis pessoas que morávamos neste pequeno apartamento, eu, e os primos João Barreto, José Esmeraldo, Luciano Gonçalves, além do cratense Dailton, professor do Pio XII e dois jovens de Alagoinhas: Wedner e Ananias. Daílton era o mais velho do grupo. Ele tinha na época 26 anos, e por causa disso recebeu o apelido de “O Velho”.

A tia Anete ao nos receber, entregou a mim a Zé Esmeraldo uma chave da porta de entrada e nos disse: “vocês saem e entram na hora que quiserem e não precisam me avisar nada.” Senti um enorme peso, pois lá em casa, eu vivia sob certo controle e acompanhamento. Mas aos poucos aprendi a usar minha independência e isto me foi de grande importância para meu amadurecimento pessoal.

Ainda hoje, eu sou grato a essa minha querida tia por ter tornado possível a realização de um sonho. Se não fosse sua solicitude não teria oportunidade de estudar num grande centro. Por isso eu tenho por ela um enorme carinho e gratidão. Ela é a única das minhas tias ainda viva. Reside no Crato, com bastante lucidez e invejável memória, aos oitenta e nove anos. Em julho próximo, esperamos festejar seus 90 anos.

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

7 comentários:

socorro moreira disse...

Delícia de texto.
Vale a pena relê-lo muitas vezes.

Bom dia , amigo !
Grande abraço.

Aloísio disse...

Carlos,

Lendo seu texto, contando um pouco de sua vida, a gente quando termina, fica um gosto de quero mais.
Parabéns!!!

Abraços
Aloísio

Carlos Eduardo Esmeraldo disse...

Aos amigos Aloísio e Socorro

Agradeço terem lido e gostado do texto, escrito há mais de seis meses e guardado com receio de expor um assunto muito pessoal.
Alóísio, acredito que você não conheceu a Salvador dos anos sessente e início dos ans 70. Andávamos sozinhos nas rua, sem risco algum, muitas vezes até às duas horas da madrugada. Era uma tranquilidade.

tatiana disse...

Como sempre Carlos narra bem demais. A gente pensa que esta no local. Gostei. Parabens. Lembranças a Magali e Emilia, minhas queridas irmãs. Bjs

Corujinha Baiana disse...

A "Avenida Beira-Mar " que você se refere, é a da Cidade Baixa ?Se for... você acredita que eu sempre gostei dela além da conta ...suas amendoeiras e suas casas antigas,ou fundos de casas, que davam para a outra rua da frente, asfaltada, onde passavam os ônibus ?Lembro-me que um primo meu que morava em São Paulo, passou uns dias em nossa casa, e eu fui lhe mostrar alguns recantos da Cidade Baixa. Andamos toda aquela Avenida,não me lembro de haver lama,e ele gostou muito.Acredito que a lama se formava quando chovia, já que não havia calçamento.
Desculpe a "corujice".
Abraços da Corujinha Baiana

Carlos Eduardo Esmeraldo disse...

Prezada Corujinha Baiana

A Av. Beira Mar de Salvador só tem uma, na Ribeira, final da Cidade Baixa. Ela tem início na Igreja da Penha e final bem por trás da Igreja do Bonfim. Ficava ao lado de uma rua muito movimentada,onde existia uma igrejinha, chamada de Igreja da Piedade, onde tomávamos o ônibus para o centro da cidade. De lá até o Elevador Lacerda percorríamos 9 km de ruas já um tanto congestio0nadas para aquela época. Realmente o primeiro semestre de 1964 foi um ano de muita chuva, desde o dia em quelá cheguei até mais ou menos em agosto. Depois narrarei as aventuras de uma viagem por terra, do Crato a Salvador, onde se gastava em média 3 dias de viagem.
Obrigado pela sua participação!

Carlos Eduardo Esmeraldo disse...

Querida Tatica

Muito obrigado pelas suas palavras que muito me incentivam. Um grande abraço para você que juntamente comigo lhe enviam Magali e Emilia.
Depos do carvaval, passaremos uns dez dias por aí!