"General nigeriano acusado de envolvimento em conspiração, preso no interior do país, conseguiu subornar um dos carcereiros e estabelecer contato com um subordinado que promove campanha para libertar seu líder. O militar administra fundos de US$ 100 milhões em bancos suíços, e devolverá quantia multiplicada por 10 a quem enviar recursos para conta em Banco da Inglaterra assim que o General seja resgatado”.
O texto acima circula na internet, trazendo anexos fotos de um militar fardado cheio de condecorações e recortes de jornais falando do pseudo perseguido. Por incrível que pareça, muita gente atende o apelo e remete dinheiro para a conta informada no anúncio.
No caso, novidade mesmo só a internet como meio de comunicação. Golpes desta natureza são aplicados há muito tempo. Um dos primeiros registros na polícia brasileira é de 1893. Mas a prática certamente é mais antiga, pois, em 1895, Machado de Assis escreveu em uma das suas crônicas: “Aos sapientes e pacientes recomendo a bela monografia que podem escrever estudando o conto do vigário pelos séculos atrás, as suas modificações segundo o tempo, a raça e o clima”.
O embuste existe em muitos países, mas apenas nos de língua portuguesa recebe o nome de “conto do vigário”. Duas hipóteses para sua origem: a primeira seria porque os golpes iniciais usaram correspondências assinadas por supostos vigários de paróquias da Espanha e de Portugal. O tema era o mesmo de hoje, com pequenas variações, Coronel ou algum Nobre preso, dono de fortuna depositada em Bancos Ingleses. A segunda, diz que o nome foi dado por conta de um falsário português cujo nome seria Manuel Peres Vigário.
Apesar de nome relativamente novo, a prática de enganar os outros em proveito próprio existe desde os tempos bíblicos. O livro sagrado menciona inúmeras trapaças. Uma das mais conhecidas é o caso de Jacó, enganado pelo sogro Labão. Em vez de entregar a filha Raquel em casamento, obrigou-o a casar com Lia e exigiu mais sete anos de trabalho para ceder a filha mais nova.
Alguns golpes ficaram tão famosos que inspiraram livros e filmes, como o espertalhão que vendeu a Torre Eiffel, o loteamento de terrenos na lua e até mesmo o que vendeu bonde do Rio de Janeiro a mineiros. Os vigaristas americanos Joe Weil e Billy Wall ficaram milionários fraudando corridas de cavalos. Usavam artimanha bastante simples: subornavam telegrafistas para enviar os resultados das corridas em outros Estados em códigos primeiro a eles e só 10 minutos após mandavam a informação para as casas de apostas. Foram descobertos tempos depois graças à denúncia de um dos telegrafistas, mas já estavam ricos.
Uma das questões que se coloca é porque tanta gente ainda cai nestes contos. Segundo estimativa da delegacia de defraudações de Recife, de cada 50 tentativas desta natureza, há um acerto por parte dos bandidos.
Obtive estas informações no mês passado por conta de um golpe aplicado usando meu nome. O espertalhão ligou para um dos conselheiros do sindicato do BC na Bahia, falando em meu nome, disse que estava viajando para a capital baiana e o carro quebrou na cidade de Imbassahí. A oficina lá não aceitava cartão nem cheque, pediu para depositar um valor numa conta da CEF e prometeu que pagaria no dia seguinte, tão logo chegasse ao destino. Na primeira tentativa, um outro colega reconheceu que a voz não era a minha e despachou o sabido. Na mesma tarde ele ligou para outro conselheiro do sindicato e este resolveu conferir a história ligando para o sindicato em Pernambuco. Foi informado que eu estava viajando. Por coincidência, estava em Garanhuns, visitando os netos. Soube posteriormente que também foram feitas ligações para Curitiba e para Belo Horizonte, mas os colegas não embarcaram na conversa do bandido.
Com base no número da conta passada por meu colega, consegui o nome e endereço do golpista. Passei a informação à polícia e soube que o marginal, um jovem de menos de 30, já havia sido preso duas vezes por conta do “golpe do carro quebrado”, aplicado anteriormente no gabinete de deputado federal por Pernambuco e no sindicato dos odontólogos da Paraíba.
O espertalhão utiliza pesquisas na internet para obtenção dos dados. Sua última prisão, há dois anos, foi efetuada dentro de uma lan house e foi pego com relação de 32 entidades, entre sindicatos, associações e órgãos de classe e seus respectivos dirigentes.
Recentemente, o jornalista José Augusto Dias Junior lançou livro sobre o assunto (O conto do vigário no Brasil). Retirei informações desta obra.
2 comentários:
Vixe , que coisa boa , presença querida !
Texto, beleza !
Vamos ler com você : "O conto do Vigário", e nele nunca cair.
Abraços!
Reli. Muito interessante.Grande contribuição, Joaquim!
Postar um comentário