Chegou em casa e a mulher estava tiririca. Sabe-se lá como diabos ela descobriu a tramóia ! Devem ter sido as outras, pensou em meio à ressaca fenomenal, a classinha é extremamente solidária, quando são amigas contam tudo que viram ( sempre com algum acréscimo), em nome da dignidade feminina, quando são inimigas o fazem para ver o circo pegar fogo e deliciar-se de longe com as labaredas. Tinha tramado tudo, nos mínimos detalhes, durante uns dois meses. A mulher era uma fera: para cascavel só faltava o guizo. Pediu, com antecedência, para que a Grendene o escalasse naquela horário nobre que vai de uma hora da manhã até às oito horas do dia seguinte. Sapecou uma estória que estava a perigo e necessitava do adicional noturno. Os colegas desconfiaram daquela predileção de tetéu, justamente no mês de julho mas engoliram com alguma careta a justificativa . No finalzinho de junho já avisou à mulher da novidade. A patroa estrebuchou, logo no mês de férias dos meninos, no mês da EXPÔ/Crato, aquela notícia pouco auspiciosa! Mas empresa é assim mesmo mulher, quem quiser que se enquadre, senão a porca torce o rabo ! Guilhermina( assim chamava-se a crotálica esposa) destilou algum veneno, mas terminou por entender ,a contragosto, as razões apresentadas e abrandou o coração ao imaginar as possibilidades comerciais do adicional noturno. A partir daí o fojo estava armado e precisava só um ou outro ajuste, a sintonia fina do piau. Pois bem, chegada a EXPÔ/CRATO , foi uns dois dias com a serpente, digo esposa, e os filhos dar uma olhadinha nos bichos de dois e quatro pés e os meninos rodaram no parque. Tudo com muito comedimento que assalariado não pode se dar ao prazer de beber cerveja de três reais e refrigerante de um e cinqüenta, não ! Estribuchou mas não houve jeito, teve que cair na ratoeira da carestia que lhe disseram foi armada por causa de uma tal de terceirização e que por isso mesmo todos os preços , no Parque, foram multiplicados por três.Fez tudo isto com desvelo , o cuidado e a atenção para com a família fazia parte do plano que projetara. Na segunda de Exposição, chegou com cara amuada em casa , fingindo-se aborrecido e avisou à sua serpenteante mulher que a folga programada para a Sexta-Feira tinha sido cancelada por conta da doença de um colega que entrou com atestado.Ela resmungou, reclamou e ele, estrategicamente, somou suas lamúrias às de Guilhermina. A partir daquele momento puxara o cão para posição de tiro, o projeto encontrava-se na sua fase final de implantação. Na sexta, por fim, saiu de casa por volta das 11 da noite, pronto para o trabalho. Fingiu cansaço e partiu. Dobrada a primeira esquina, escapuliu ladinamente para uma bodega da caixa d´água, onde a turma já o esperava e encheu a cara de cana e não de “loura gelada”, conforme mandava o momento. Dali , enfiou um chapéu de palha grande na cabeça e partiu para o show do RPM. Foi uma noite e tanto. Arranjou uma moreninha torada no grosso, de pernas curtas mais roliças e dois air-bags de segurança e resolveu exercitar a última invenção dos novos tempos, coisa que sua geração jamais experimentara: o “Fica”. Ao amanhecer nem lembrava bem o nome da sua “ficante”, em homenagem ao RPM , lembrou-se dela sob o epíteto significativo de “Stefanie de Mônaco”.
Mal entrou em casa, no entanto, mal disfarçando o fim da embriaguez misturado com o começo da ressaca, aquela surpresa. Nem o FBI, nem o SNI, nem mesmo o MOSSAD conseguiriam tamanha agilidade na espionagem. Guilhermina saltou de lá, com a língua bífida e armou bote. Ele ainda tentou criar algum álibi, alguma estória paralela mas desistiu aí por volta da quinta lapada do cepo de carne no pé do toitiço.Recobrou os sentidos três dias depois na UTI do São Francisco, todo enfaixado: só os olhos de fora. Pensou ainda em dar parte da mulher, mas não existe delegacia especializada para homem agredido por esposa e, além do mais, estaria exposto definitivamente à execração pública. Quando o médico veio para visita perguntou o paciente sobre o atropelamento, imaginou que esta tinha sido a versão apresentada por Guilhermina, quando do internamento e manteve a versão. Disse que tinha sido uma moto que ziguezagueva na pista, próximo da sua casa ou uma cobra venenosa que o tinha mordido. O médico informou então que ele sofrera um traumatismo encefálico, mas encoontrava-se bem, estava pensando inclusive em dar alta, mas dependia tudo dele :
---- O senhor ainda deseja Ficar ??
O paciente levou as duas mãos enfaixadas até à cabeça inchada e, com aqueles olhos roxos, de guaxinim, suplicou :
---- Pelo amor de Deus, doutor, nunca mais eu quero Ficar nesta vida, viu ?
J. Flávio Vieira
Um comentário:
Fica a sugestão: que os baladeiros de plantão se organizem para a luta pela reivindicação da delegacia especializada para homens. Era só o que faltava!
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