por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sábado, 19 de novembro de 2011

As finalidades do canto orfeônico - By Ângela

Outro dia vi, num telejornal, uma reportagem que mostrava professores em treinamento preparando-se para o ensino de música, matéria recentemente incluída no currículo escolar. Apesar da obrigatoriedade da disciplina, não existem professores capacitados para o exercício da função. E, como tudo que acontece no Brasil, correm atrás do prejuízo e são formados a toque de caixa. Mas o inusitado da situação fez o meu pensamento viajar no tempo, levando-me aos anos 60, no Ginásio São Pio X, mais precisamente a uma aula de canto orfeônico, cuja professora era dona Chiquinha Piancó.
Era uma figura contraditória, muito querida por todos. Porém não existia professora mais enérgica do que ela, sendo, assim, bastante temida. Ela sabia ser doce em algumas ocasiões, mas na sala de aula virava guardiã dos bons costumes e, como aquele senhor de que fala o evangelho, cobrava o que não dava.
Mesmo sendo uma boa aluna, nunca aceitei de bom grado a ideia de estudar canto orfeônico. Espírito contestador, achava aquilo uma baboseira. Afinal, para quê me serviria? Considerava perda de tempo. E, por não encontrar motivação, descuidava dessa matéria, chegando muitas vezes a passar o maior sufoco na hora de dar o ponto, pois raramente sabia a lição de cor.
A arguição era oral. Tínhamos que solfejar, no compasso correto, trechos de músicas a partir da partitura. Para mim, não existia suplício maior. Os símbolos que representavam as notas musicais não me eram nada amistosos. Ainda conhecia a clave de Sol, por achá-la bonitinha. Mas quando partia para identificar as breves, semibreves, mínimas, semimínimas, colcheias, semicolcheias, fusas e semifusas, aí engrigolava tudo. Era uma horror!
Um belo dia, dona Chiquinha decidiu, sem prévio aviso, tomar a lição de toda a classe. O assunto era “as finalidades do canto orfeônico”. Quando ela chamou o número 1, Adecy, eu fiquei apavorada, pois seria a próxima e não sabia nada. Tentei ainda decorar às pressas, porém Adecy não conseguiu lembrar de todas as finalidades, gaguejou e teve que voltar para a sua carteira com a recomendação de estudar mais, pois, naquele dia, só poderíamos sair da sala após provarmos que tínhamos aprendido.
Fui chamada em seguida. Titubiei logo na primeira finalidade, levei um carão, voltei para o meu lugar e, da mesma forma, todas as demais colegas. Naquele dia, não sei bem o porquê, não houve uma aluna que salvasse a pátria. E dona Chiquinha, pacientemente, aguardava a manifestação de alguém que já pudesse se desvencilhar daquela tarefa.
Após algum tempo, Adecy, sempre a primeira, levantou a mão, foi até o birô da professora, deu a lição completa e foi liberada. Saiu da sala de cabeça erguida. Aos poucos, uma a uma, as colegas foram se livrando daquela situação vexatória e partindo para suas casas. E lá restou apenas eu. Por mais que tentasse, não decorava as benditas finalidades. E a noite já estava chegando, o cansaço e o desânimo tomavam conta de mim.
Finalmente, dona Chiquinha resolveu usar o bom senso. Percebeu que seria melhor deixar para o dia seguinte, mas antes me obrigou a fazer um trato com ela: ninguém jamais poderia ficar sabendo que eu havia saído sem ter dado o ponto completo. Jurei que assim seria e fui correndo para casa.
No dia seguinte, ao chegar à escola, fui procurá-la para me livrar de uma vez daquele incômodo. Quase de um fôlego só, despejei tudo. Ao final, dona Chiquinha falou: “nunca mais você irá esquecer as finalidades do canto orfeônico”.
Ledo engano! Por mais esforço que eu tenha feito, não consegui lembrar uma só palavra. Também, é bom que fique registrado, nunca precisei usar aquelas informações para nada. De repente, bateu a curiosidade. Resolvi fazer uma pesquisa na Internet. Foi quase tão difícil quanto decorar o texto naquela ocasião. Finalmente, quando já estava quase desistindo, encontrei um artigo de Wilson Lemos Júnior/UFPR, onde consta a citação:
  • Na Portaria Ministerial nº 300, de 7 de maio de 1946, referente ao ensino de canto orfeônico nas escolas secundárias do país, lê-se o seguinte:I – O ensino do Canto Orfeônico tem as seguintes finalidades:a) Estimular o hábito de perfeito convívio coletivo, aperfeiçoando o senso de apuração do bom gosto.b) Desenvolver os fatores essenciais da sensibilidade musical, baseados no ritmo, no som e na palavra.c) Proporcionar a educação do caráter em relação à vida social por intermédio da música viva.d) Incutir o sentimento cívico, de disciplina, o senso de solidariedade e de responsabilidade no ambiente escolar.e) Despertar o amor pela música e o interesse pelas realizações artísticas.f) Promover a confraternização entre os escolares. (ARRUDA, 1960, P. 153)

E agora, a pergunta que não quer calar: será se existe alguém, que tenha estudado no Pio X e passado por situação idêntica, que possa ratificar o pensamento de dona Chiquinha, ao afirmar que eu jamais esqueceria?

2 comentários:

socorro moreira disse...

Estou por demais feliz com as suas valiosas colaborações.
Sempre senti sua falta, assim desse jeito.

Um beijo, amiga!

Ângela Lôbo disse...

Estou apenas tentando ser, de fato, colaboradora. Feliz por você estar de volta.
Beijo!