Numa noite silenciosa e fagueira, minha mãe e eu estávamos no coração da casa (cozinha) conversando miolo de pote, jogando conversa fora, tomando café. Num certo momento, quando a conversa já estava escasseando, ela chegou bem pertinho de mim e me disse que iria cantar a letra de uma canção que há muito tempo sua mãe (minha avó Micinda) cantava, e que era tido como "imoral". Pegou solenimente o bandolim e dedilhou acompanhando uma canção cacofônica:
EVA COAVA
O CAFÉ QUE ADÃO TOMAVA
ADÃO FUROU O COADOR
E NUNCA MAIS EVA COOU
Trocamos uma gaitada tão intensa que reverberou nos talheres!
Ainda hoje utilizo esta pequena canção quando vou falar em sala de aula sobre os aspectos que deram origem a composição de duplo sentido. Esta inofensiva e pequenina canção do Coador de Eva remonta a um tempo muito antigo e é um curioso exemplo de como os versos e as melodias viajam por este Brasil a fora por meio do bastão da oralidade: num encontro que tive com um grupo de teatro (Mostra SESC - 2004) tive a surpresa de ouvir a mesma letra e canção cantada por uma cantora mineira que me revelou ter aprendido de sua avó!
Seja encarado como "som desagradável" ou vício de linguagem, o interessante e sabido é que desde o padre Antonio Vieira do Brasil Colonial e do Jumento é Nosso Irmão, passando por Quintino Cunha, Patativa do Assaré e Bastinha Job que se cria versos cacofônicos e picantes com o velho intuito de descontrair e quebrar formalidades.
Freud explica, mas não replica!
Freud explica, mas não replica!
Um comentário:
Boa lembrança!
Quem conhece tua mãe comunga contigo
o carinho.
Abraços, menino!
Postar um comentário