por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



terça-feira, 29 de março de 2011

RODA DE HISTÓRIAS COM BISAFLOR

Dedico esta história que vou contar hoje ao músico Nicodemos, que está aniversariando. A roda de histórias é, pois, em sua homenagem.

LING-LUN E A MÚSICA DOS PÁSSAROS MARAVILHOSOS

Em tempos muito, muito remotos, vivia numa floresta não muito afastada da corte do imperador Hong-Ti, na China, um sábio chamado Ling-Lun.
Ling-Lun, como todos os antigos sábios chineses, era um santo homem. Habitava numa choça de barro coberta de palha e alimentava-se apenas de frutas, mel silvestre e leite de corça. Assim purificava o corpo, que é o templo da alma. Seu espírito vivia em comunhão com a Divindade. Vestia uma túnica de linho branco e sandálias de cânhamo.
O sábio passava os dias meditando e orando, para que os bons espíritos estivessem sempre presentes em sua choça e em todo o país.
Ora, Hong-Ti, o imperador, era também muito sábio e só queria o bem de seus súditos. No império reinava paz e fartura. Não havia famintos nem doentes. Apesar disso, não se ouviam risadas, não se via um sorriso nos rosto dos chineses.
Hong-Ti sabia que Ling-Lun poderia ajudá-lo a servir aos deuses e assim trazer alegria e felicidade a seu povo. Enviou, então, emissários à choça do sábio, com tabuletas recobertas de cera, onde estavam escritas as ordens que o Filho do Céu enviava a Ling-Lun. Mandava-lhe, também, um tecido de cetim bordado, dentro de um cofre de ébano.
Recebendo a mensagem do Imperador, o sábio leu as inscrições das tabuletas. Diziam o seguinte:
“Amado Ling-Lun, digno de participar da eterna bem-aventurança. Hong-Ti, Filho do Céu, escreve esta mensagem para transmitir ao sábio Ling-Lun a vontade dos Deuses.
Os Gênios da Noite visitaram Hong-Ti e lhe trouxeram, num raio de lua, um sonho. Hong-Ti mandou bordar o sonho na seda, com as mais maravilhosas e divinas cores.
Hong-Ti ordena a Ling-Lun que decifre o sentido da mensagem dos gênios. Dela depende a nossa alegria e a de todos os chineses.
Que os bons espíritos estejam sempre com o sábio Ling-Lun.
Hong-Ti, Filho do Céu.”
Ling-Lun, depois de ler as ordens do Imperador, despachou os emissários e fechou-se na choça. Abriu o cofre de ébano, que continha o sonho de Hong-Ti, bordado na seda, e eis o que viu: o pássaro maravilhoso Fung e sua fêmea, Hoang, cujas penas refletiam as sete cores do arco-íris. Os pássaros tinham os bicos abertos, como se cantassem. Ling-Lun viu também, bordada na seda, sua própria imagem tendo na boca um instrumento de bambu. Em redor do sábio via-se o povo chinês com uma expressão de felicidade nos rostos e um sorriso nos lábios.
Então Ling-Lun se dirigiu ás colinas onde cresciam bambuzais. Cortou cinco pequenos tubos de bambu, de diferentes tamanhos, que uniu lado a lado, para determinar exatamente a altura dos sons; encheu de milhos os tubos e contou a quantidade de grãos que havia em cada um deles. Assim, calculou o comprimento que deviam ter, conforme o som que emitiram.
Sentou-se depois debaixo de um salgueiro, onde cantavam o pássaro maravilhoso Fung e sua fêmea Hoang, e com eles aprendeu as melodias e ritmos que encantam os ouvidos, pacificam a alma e elevam o espírito aos Deuses.
Partiu então para a corte e, no caminho, ensinava aos pastores como fazer o instrumento e tocá-lo.
Ao chegar ao palácio do Imperador, uma enorme multidão acompanhava o sábio Ling-Lun, para ouvir as melodias que ele aprendera com os pássaros maravilhosos. Ouvindo essas melodias, os corações dos chineses se encheram de alegria: a felicidade se manifestou nos sorrisos, que desde então nunca mais desapareceriam dos rostos dos súditos do Imperador Hong-Ti.
Hong-Ti, ao escutar a flauta de Ling-Lun, desceu do trono e se dirigiu ao encontro do sábio. Este se ajoelhou a seus pés, tocando o chão com a testa, em sinal de respeito. O Imperador ordenou a Ling-Lun que se erguesse, o que ele fez, oferecendo então, ao Filho do Céu, sua flauta.
- Ling-Lun, disse Hong-Ti, quero dar-te uma prova de meu reconhecimento. manifesta-me um desejo da tua alma e ele será satisfeito,
Foi esta a resposta de Ling-Lun:
- Grande Hong-Ti, há muito que Ling-Lun deixou de ter desejos, pois no Livro dos Deuses está escrito: “Mata o desejo e serás livre.” Mas tuas ordens são sagradas. Vou exprimir um desejo da minha alma. Deixa-me voltar à minha choça e serei feliz. Nas montanhas onde vivo o ar é puro, ouço cantar as fontes que correm dos rochedos, e o vento embala levemente as folhas do arvoredo. Vejo o sol levanta-se de seu leito de nuvens, pela madrugada; de dia, os pássaros maravilhosos Fung e Hoang vêm cantar suas canções diante de minha choça e, quando a lua enche de mistério o espaço estrelado, os Gênios da Noite trazem-me os sonhos celestiais. Filho do Céu, o único desejo da minha alma é voltar à minha choça.
- Vai – respondeu Hong-Ti -, e que os Deuses te sejam propícios. Tua missão já está cumprida, pois trouxeste aos chineses a única coisa que lhes faltava para serem felizes: a divina música transmitida pelos pássaros maravilhosos Fung e Hoang.

(Este conto foi narrado por Lavínia Abranches Viotti, no livro “ERA UMA VEZ: contos folclóricos de três continentes”, São Paulo, 1992.)

Um comentário:

Joaonicodemos disse...

Bisaflor,
se eu fosse um beija-flor
te beijaflorava..

Fiquei muito feliz com esta história que me foi dedicada! È sempre bom saber como a música é importante em nossas vidas... e na vida de civilizações tão antigas...
O entendimento do que seja a Música é resultado de um conhecimento tão alto e profundo que poucos podem perceber.
Fico lisongeado com esta dedicatória! muito grato!