A vida da gente parece um breve piscar de um relâmpago. Dura apenas algumas frações de segundos. Quando menos esperamos, estamos percorrendo o ramo descendente da parábola. Se pararmos para assim pensar, o eterno que existe em cada um de nós começa a desvanecer e nos precipita à conclusão simplória de que somos seres simplesmente descartáveis. Mas não é bem assim, acreditem. A eternidade existe. À medida que vamos envelhecendo, a nossa percepção de tempo muda, e este nos parece passar mais aceleradamente. Penso que, na eternidade, o tempo se faz correr mais velozmente que os raios que descem dos relâmpagos em noites de tempestade.
Ainda outro dia era criança e, de repente, fui surpreendido com um aviso da proximidade da minha inclusão nos benefícios oferecidos pelo novo estatuto do idoso. Necessitando fazer uma polissonografia, um exame de nome feio e execução mais horrorosa ainda, tive de ir à sede da Unimed para conseguir uma autorização. Na recepção, a atendente me deu uma senha de número 41 e, ao chegar ao guichê de atendimento, a senha que estava sendo chamada era a de número 185. Então, voltei e indaguei à moça se ela não havia se enganado, pois já estava sendo chamada a senha 185. Ela calmamente respondeu, indicando-me um outro guichê:
– A sua senha é para aquele guichê à esquerda!
Olhei para o local indicado e estava escrito: Atendimento a gestantes, deficientes físicos e idosos. Mirei a minha barriga e conclui que, após o rigoroso regime alimentar, ao qual tenho me submetido ultimamente, não poderia de modo algum ser confundido com gestante. Pisei firme com as duas pernas e estava inteirinho. Então, perguntei à moça:
– Você me deu a senha da fila dos idosos?
– Foi – respondeu ela com muita naturalidade.
– Muito obrigado! – disse agradecido, antevendo as virtuais delícias e regalias da terceira idade.
A propósito desse assunto, lembrei-me de que a Coelce tinha um funcionário conhecido por seu Chiado. Era meio pernóstico e falava chiando, querendo imitar os cariocas, pois gostava de dizer que morara no Rio de Janeiro por mais de vinte anos. Dizia que era natural do Crato e parente da famosa musicista Branca; da professora Ida, homenageada com uma placa contendo o seu nome numa pequena travessa da nossa cidade, e também de Ana, nome de rua em Fortaleza, todas elas, suas primas. Apesar de aparentar mais de sessenta e cinco anos de idade, atribuía a si próprio a fama de grande conquistador. Cabelos tingidos de preto e impecavelmente penteados, assentados à custa de muita brilhantina, andar elegante, cigarro permanentemente entre os dedos, tal qual um astro de Hollywood. Era dessa forma que ele se apresentava. Esta história me foi contada por ele mesmo. Precisando ir descontar um cheque numa agência bancária do centro da cidade, entrou numa interminável fila, quando notou duas jovens acenando para ele. Entusiasmou-se todo, pois julgou que elas estavam a fim de paquerá-lo. Aproximou-se delas e assim as abordou:
– Boa tarde! Nós já nos conhecemos, tenho certeza. Vocês acenaram pra mim e aqui estou inteiramente à disposição dessas tão belas jovens.
– Não, senhor. A gente queria apenas avisar ao senhor que a fila dos velhos é aquela outra – responderam as duas mocinhas, para tristeza do nosso Dom Juan.
A vida é bela, mas é breve. A gente nunca pensa que um dia morrerá. Para nós, a morte somente acontece aos outros. Sem pensar no futuro, mas somente para me livrar de um vendedor insistente, comprei, há uns oito anos, um jazigo num novo cemitério em Fortaleza, em construção. Depois do pagamento do título, comecei a receber pequenas cobranças da taxa anual de manutenção, que poderia ser paga em doze módicas prestações mensais. Mas Magali pagava tudo de uma vez, pois dizia não se sentir bem olhando para aquele papel todos os meses. E eu, então, acrescentei:
– Não sei pra que eu comprei esse túmulo. Acho que se eu morrer aqui em Fortaleza, vão levar o meu corpo para o Crato.
– E eu? – disse ela. – Que nem de morrer gosto!
A vida é bela, é curta, e ninguém quer morrer, por maior que seja a fé. Ah, se a nossa fé fosse ao menos do tamanho de um grãozinho de mostarda! Pensando nisso, lembrei-me de uma pequena história que me contaram.
Um cardeal voava com destino a Roma, num desses superjatos, ao encontro do Papa. Com todo direito que a sua autoridade lhe permitia, sentou-se na fila da frente da primeira classe. Em dado momento do vôo, que até então havia sido tranqüilo, ouviu-se um estranho barulho, um grande sacolejo no jato. A comissária foi até à cabine, para saber o que tinha ocorrido. Então o comandante lhe disse:
– Avise aos passageiros que iremos cair no mar, pois pifaram de uma vez as quatro turbinas e não estamos conseguindo fazê-las funcionar novamente. Mas dê a notícia com muito jeito, para não causar pânico – ordenou-lhe, com aparente tranqüilidade, o comandante.
Ao sair da cabine, o primeiro passageiro avistado pela comissária foi o cardeal. Então trêmula, porém esforçando-se para aparentar calma, tentou disfarçar:
– Monsenhor, que é que o senhor diria se este avião caísse daqui a cinco minutos, e nós todos morrêssemos?
– Oh! Seria a glória suprema! O momento mais aguardado da minha vida! Iria estar face a face com Jesus. – respondeu-lhe o cardeal.
– Pois, monsenhor, daqui a cinco minutos o senhor estará face a face com Jesus, porque este avião vai cair. Todas as turbinas falharam e não resta nenhuma possibilidade de serem recuperadas a tempo.
– Pelo amor de Deus, não diga uma desgraça dessa não, moça!
A vida é bela, porém breve.
Extraído de “Histórias que vi, ouvi e contei” de Carlos Eduardo Esmeraldo, Premius Editora, 2005, p.17
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