Uma homenagem de Stela, amiga que não é secreta, pois desde crianças amamos os milharais, os arrozais, as cheias do rio Carás.
MILHARAIS
Zila Mamede
Nos milharais plantados (minha infância),
recém-nascidas chuvas pelos rios
que rebentavam adubando várzeas
onde meus pés-meninos se afundavam
no cheiro fofo do paul novinho.
Terra multipartida, covas conchas,
das mãos de meu avô descendo o grão.
Pela manhã íamos ver as roças
à superfície fruto devolvendo
-folhinhas enroladas,verde calmo
se desfiando ao sol, em sol, de sol.
Quando escorriam outros aguaceiros
os dedinhos do milho iam subindo
em vertical, depois abrindo os braços
e já mais tarde o milharal surgia
os pendões leques leves abanando
o triunfal aceno da chegada.
E vinha logo a quebra das espigas,
eu chorava de pena, elas dobravam-se
por sobre o caule, tesas deslizando
no chão, nos aventais apanhadores,
sua palha entreaberta - riso triste
de quem, nascido, vê-se morto infante,
pois sendo espigas tenras, de repente
logo viravam massa, logo, pão.
Eu as tomava com temor doçura,
trançava seus cabelos, embalava-as:
eram espigas não, eram bonecas
que me aqueciam, eu as maternava
lavando-as, penteando-as, libertando-as
de gumes de moinhos e de fomes
dos animais domésticos, ancinhos
fogueiras de São João. Pelos terreiros
procuro em vão os milharais vermelhos
de vermelhas papoulas adornando
as vaidosas tranças das espigas -
bonecas brancas, minha meninice,
meu avô, habitando agora um campo
onde ele, em vez do milho, é uma semente,
meu avô minha avó, os milharais,
não tendo mais infância, tenho-a mais.
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