por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 7 de janeiro de 2011


Rosário e o meu diário

Foram dias vazios e longos . Esperei-te diante da TV, assistindo filmes ou cenas de novelas. Esperei-te em luz, nos finais de tarde. Esperei-te em imagens, em cada aurora que escutei. Falei contigo, só como as loucas encontram os ditos. Até que achei, no canto do meu silêncio, a essência do nosso sentimento, e meu coração aquietou-se!
Acredito na paisagem depois das curvas, nas terras depois das águas, na vida depois da morte, no tempo que nunca é passado!
Maria é essa figura, que você indaga amiudamente : ”que mulher é essa, que chegou, inesperadamente?”

- Achou-me num batente de rua, e comigo viveu madrugadas e tardes, mesmo de forma sonolenta.
O arrumar de coisas (querendo nada esquecer), a crescente excitação detonada pelo relógio, enquanto o clarão da lua cheia de agosto exacerba a emoção.

- E eu te acompanho pelas ruas, pelos becos. Hoje eu fico, enquanto você some como fumacinha de avião. Teu olhar se aparta do meu, teu cheiro de mato volta pro pé de jasmim, nem sei de qual jardim, e teu riso, se esconde na estrada, onde a minha mão te solta!
É a vida? É assim? Terá volta? Quem sabe nos envelhece, ou quem sabe nos renova?

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Girei nos canteiros da praça. Aqueles mesmos cheiros de pipocas, de filhoses...
Sem você sou cega sem guia. Tenho que enxergar teu vazio, e senti-lo em peso!

Mas um dia tudo volta. A separação é como um giro numa roda. Se eu conseguir não enlouquecer de saudades, meu amor será teu mais tarde!
Rosário é uma boneca cínica. Minha dor não a comove. Sabe que a nossa casa é uma gaiola sem portas e que as tuas coisas, se acomodam aqui e ali, penduradas como ela, querendo que o meu olhar as encontre. Aspiro a poeira dos teus sapatos, ainda perto da cama!

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Dia comprido. Recebi recadinhos com gosto de mel. Vi a rosa do céu com teu olhar, sempre apressado e astuto.

Abri mão de todas as luas e sóis. Ganhei um novo olhar sempre descondicionado. Precisamos que tu nos aproves. Aprove e prove a umidade do meu corpo, que a tua lembrança chove!
Menino dos meus olhos, eu tenho um rosário de beijos pra mordiscar, nesta noite, teu coração estrangeiro!

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Ainda é domingo. Chuvisca. A lua é clara e disforme. Desajeitada na luz, ela desloca minha saudade, pro sono chegar. O céu é claro, mas não vejo estrelas. Mudaram todas para enfeitar teus cabelos. Por isso, tanta prata?

Teus pezinhos não se arrastam pela casa. Sinto falta dos teus braços madrugados.

Cheiro no pescoço, já caído pelo sono, respira palmeira do terraço. Ao som de uma noite calada, só escuto o motor do ventilador.

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Manhã chuvosa. Não avistei Aurora. Acordei com cantigas de galo, pássaros, e o som de vassouras, rastreando folhas dos quintais da quadra. Teu olhar enxergaria os calos, nas mãos femininas das mulheres, jovens e velhinhas, que cheiram a alho, pó de café, lavanda e água sanitária.

Acho que vou buscar pão (aquele que tem a crocância do gergelim). Provavelmente, prolongue passos até a feira, olhar aquela misturada de coisas sem fim. Preciso de uns pauzinhos de canela, frutas doces, ver pessoas.Procurar teus cachos, nas bananas, nas espigas de milho, nas uvas, nos molhos de acácias. Quem sabe cruzo com o teu olhar, no moço que debulha o feijão; no azul pálido do céu; no chão pingado de lama, ou nos olhos de um gato ?
Teu dia também começa... O meu muitas vezes foi assim: ruas e rostos estranhos até o olhar harmonizar formas e cores.

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Bom dia, mi amor!

Aperte os olhos. Teu clique vai começar, num olhar e andar solitários, o que se esconde e parece invisível para todos, pra ti vai se descortinar!

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A praça começou a fazer zoada. Escuto fogos, cantorias na igreja, e sinto a poeira do povo. Noutros tempos era dia de comprar pano novo. As costureiras usavam seus dedais, literalmente, para pouparem os dedos. O que eu mais gostava era o caráter de virgindade das roupas. Tinha um só cheiro (inesquecível!) - o cheiro das roupas novas!
A partir de amanhã, quem sabe , encontre piedade, pra rezar aos pés da Penha; aspirar cheiros do Boticário espalhados no povo.Noutros tempos era “Magriff” ou “Madeira do Oriente”. Os tecidos eram de renda francesa, e não tinham esses fios rústicos que a gente tanto gosta. Adquirimos formas irreverentes de vestir e calçar, ao longo dos anos.
Lembro dos meus saltos, meias desfiadas, braceletes de ouro, aliança de tucum...
Bonecas de pano - eu e Rosário!
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