por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Farol


                                                     J. Flávio Vieira
Eram os gloriosos Anos 60, aqui em Crato. Vivíamos a época de ouro do futebol na nossa cidade. Campos se multiplicavam pelos subúrbios. Toda uma geração de garotos  se imantava na conquista das Copas do Mundo de 1958 e 1962. Times de Futebol Association como o “Sport”, o “Satélite”, o “Rebelde” e craques como Anduiá, Charuto, Chico Curto, Antonio e Luiz Pé de Pato, Fruta-Pão , Netinho, Pinto, Enoque levavam a torcida a superlotar o precário Campo do Sport. Paralelamente, os nossos times de Futebol de Salão ganharam renome em todo estado pela combatividade e efetividade do seu jogo. Ainda menino, encantava-me com as disputas gloriosas e acirradas entre o Votoran, o Volkswagen, a AABB e o Crato Tênis Clube e com as jogadas de craques como Gledson, Reginaldo, Dote, Luciano, Pernambuco, Zé Vicente, Paulo Cézar, Gilton. Desses times, periodicamente, se convocava a aguerrida Seleção Cratense de Futebol.
                                   Com tantos embates empedernidos e fabulosos, surgiu a necessidade imperiosa do seu registro midiático e foi justamente neste período que floresceu o jornalismo esportivo da região, em Crato polarizado entre as duas Rádios : a pioneira Araripe e a jovem e recém-inaugurada Educadora. Foi neste cenário e com alguns célebres personagens que aconteceu, nessa época, o mais monumental acontecimento da história radiofônica caririense.
                                   A Seleção Cratense de Futebol de Salão , multivitoriosa, viajou para um embate duríssimo com a Seleção de Iguatu que jogava em casa. A transmissão naqueles tempos áureos era dificílima. Iguatu encontrava-se numa zona silenciosa de radiodifusão e só existiam duas maneiras de executar a tarefa. Conectar a rede diretamente no fio do telégrafo ou na linha do trem, captando, depois, por fios, diretamente aqui, os sons possíveis e múltiplos que viessem. A qualidade era péssima, cheia de ruídos e sons adventícios, principalmente quando se utilizava a modalidade linha do trem. E mais, sem possibilidade de comunicação direta com a Rádio local, nunca se sabia se a transmissão estava sendo possível. Era  sempre um tiro no escuro. Pois bem, a Rádio Educadora adiantou-se e, em ofício, solicitou a linha aos “Correios e Telégrafos”. A Araripe ficou no olha-e-veja, tarde despertou para o fato de ter sido sobrepassada pela concorrência . Restava-lhe, tão somente, optar pelo péssimo recurso da linha do trem e a incerteza da possibilidade de retransmissão ou a certeza de perder a audiência para a Educadora por conta da baixa qualidade sonora. Um jovem locutor esportivo, então, teve uma ideia inusitada. Ouvir no estúdio da Araripe em Crato, a transmissão da concorrente e , através dela, fazer a própria veiculação da partida, como se lá estivessem. O comentarista esportivo, mais tarimbado, temeu pela dificuldade quase intransponível do feito, mas, sem opção, acedeu. A equipe cedo se trancou no estúdio da Araripe, para que todos pensassem que haviam viajado para Iguatu e, de lá, sorrateiramente, ouvindo a emissão defeituosa e cheia de ruídos da Educadora, retransmitiram, como se lá estivessem, todo o jogo. Até mesmo o segundo gol do time do Crato , gritaram antes . Como foi possível ? O jovem locutor, atento, em meio a propaganda da Araripe, percebeu quando a torcida do Crato berrou : Gol de Gledson ! E, antes da adversária, sapecou : -- Gollll da Seleção Cratense ! Gledson ! O comentarista, anos depois, contava que o mais terrível era ter que comentar os lances sem ver e, mais, no intervalo do jogo, ver-se na imperiosa necessidade de fazer considerações minuciosas por mais de quinze minutos sobre a partida. Nem é preciso dizer que todo Cariri optou pela transmissão da Rádio Araripe, limpíssima e sem quaisquer barulhos estranhos. Quando a Educadora descobriu o blefe , estabeleceu-se uma celeuma danada, protestos e mais protestos, editoriais no noticiário. Nem sequer perceberam que haviam presenciado a mais extraordinária façanha do Rádio caririense em todos os tempos, protagonizada por um jovem locutor esportivo, ainda pouco conhecido, chamado Heron Aquino e um comentarista já mais taludo e que se tornaria, depois, um dos nomes mais queridos do jornalismo cearense : Elói Teles.
                                   Pois bem, amigos, rápido, cinquenta anos se foram desfolhando, como por encanto, na Folinha da parede. O nosso querido comentarista já hoje flutua nas ondas celestiais. Neste  dez de setembro, o Dia da Imprensa , o Cariri emudece um pouco mais, quando seu companheiro,  o jovem locutor de outrora, resolveu dependurar o microfone.
          Neste interlúdio de meio século, Heron Aquino se tornou o mais completo nome do Rádio Caririense. Locutor, Narrador Esportivo, Noticiarista, Disk-Jóquei, Cerimonialista, Assessor de Imprensa, Produtor, Publicitário, Diretor de Emissoras de Rádio, Redator e Repórter, desempenhou as mais variadas e díspares funções com galhardia, competência e simplicidade. Trabalhou ainda em Fortaleza,  na Ceará Rádio Clube e na TV Ceará e poderia ter tido uma fulgurante e próspera carreira nas terras alencarinas se  a saudade do pé-da-serra não tivesse vencido aos doces prazeres da beira-mar.  Aqui retornou e fez sua voz brilhante e característica se transformar na voz oficial da nossa cidade. Ético,  nunca fez da sua atividade um balcão de tramoias e negociatas, não precisou por qualidades em quem não tem, nem pespegar virtudes em salafrários. Equilibrado sempre propagou a notícia como um mote para que o ouvinte , do outro lado, desenvolvesse sua própria glosa.
            Sem Heron, o Rádio perde uma voz importante e isenta e um técnico de uma completude  quase que insubstituível.     Ele     seguiu, intuitivamente,  os preceitos de Pulitzer do bom jornalismo : foi sempre breve para que fosse ouvido; claro para que lhe apreciassem; original para que nunca o esquecessem e , acima de tudo, preciso para que , como um farol, muitos viessem a ser guiados por sua luz.

Crato, 10/10/14

                                     

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

MILTINHO - José do Vale Pinheiro Feitosa

Apesar da imanência de alguns trolls, é agradável publicar em blogs. Definitivamente este é um dos componentes da comunicação via internet que mais me agrada. Por isso faço uma segunda postagem neste dia.

Para falar em Milton Santos de Almeida. O famoso cantor Miltinho que faleceu hoje no Rio. Aos 86 anos de idade de pleno ritmo. No meu horizonte, junto com Jackson do Pandeiro, está entre aqueles que melhor exploraram o ritmo da MPB em suas interpretações.

Fez um disco memorável com Elza Soares e em disco solo Miltinho infiltrou-se no tecido cultural do Crato ali pelos anos 65 a 68. Quando se ia para os bailes, com nossos conjuntos, os seus crooners seguiam o estilo. E o perfume das meninas sambava com Miltinho.

Em 1970 ou 1971 estava tirando uma segunda via do certificado de Serviço Militar na Décima Região Militar em Fortaleza quando aconteceu algo interessante. No final de semana o Miltinho fora a um programa de televisão com muita audiência, era do Flávio Cavalcanti, e anunciara que retirara o bigode como uma espécie de protesto contra as dificuldades financeiras pelas quais passava.

Os tenentes e capitães ficaram danados da vida. Queriam o sacrifício do cantor diante do regime que nos quartéis aprenderam a respeitar. Mas a verdade é Miltinho era um homem da Zona Norte do Rio.

Morreu no Hospital do Amparo no Rio Comprido. Este hospital pertence a uma ordem de freiras descendentes de alemães, a maioria originária do sul do Brasil. Até quando por lá estive as freiras ainda tinham forte sotaque ao falar, apesar de já serem da segunda ou terceira geração nascida no Brasil.


Seu velório será no Memorial do Carmo no complexo de cemitérios do Caju. Em princípio e ao cabo, Miltinho foi um carioca da gema. Do mais intenso que é ser carioca.   

PRAIA DA PEDRA RACHADA - José do Vale Pinheiro Feitosa

Todo o horizonte da existência desfaz-se em espuma de maré, entre a linha que delimita o invisível e a beira mar onde as ondas se escumam. O desmanchar-se da superfície móvel do mar prende meu olhar já nos instantes da despedida das luzes do Ceará. E, no restaurante do meu amigo João de Gabriel, enquanto Raimundo Cabirote dava vida à melodia brasileira, desfazia-me em espumas do mar.

Desfeito, sílabas soltas, letras desgarradas, conceitos perdendo forma, a síntese daquele mundo a dominar a mente tão plena de luz agora como depois filamento partido de uma lâmpada queimada. Mas eis que entre a inação das espumas igual ponto branco se firmou. Coalhou no olhar.  

E do fundo do olho, entre as espumas do mar, aquele ponto branco não se desfez e mais ainda, com pouco moveu-se no espaço. Moveu-se e cresceu. Num viajar em direção à praia. O recorte de uma vela latina, branca como as espumas, negou a negativa do feito. Um novo feito acontecia no centro das águas desfeitas.   

E de repente a rua Bárbara de Alencar, sem nenhuma semelhança com o que encontra, quem por ela caminha ou passa de automóvel, é uma vela latina branca. Branca como as espumas da desova dos girinos destas lembranças anfíbias. E nem preciso mais que um quarteirão, entre a João Pessoa e a Santos Dumont.

E nem preciso da Confeitaria Glória e nem das asas do 14 Bis. Apenas entro no Salão ABC ouvindo o cric crac do movimento manual da máquina de cortar cabelos e o inerente ar perfumado da Aqua Velva. Passos em ambas as calçadas da rua estreita onde o comércio faz seu desfile de ofertas e preços.

E são tantas lojas, armarinhos, mercearias, bares, salões, farmácias que coisas mais ainda se esquece como retalhos de uma peça colorida e desenhada nas prateleiras quando a roupa não se vendia feita. E mais ainda: os nomes de fantasia das placas, que tanto anunciam, eram menores que os próprios donos.

Ora quem há de pensar noutra denominação que não seja seu José Eurico, com seu corpo magro e o modo educado. Abidoral absolutamente patrimonial com seus herdeiros talentosos do nome e após o comércio no cair da tarde solando um violão na brisa da calçada. Ora está escrito. Anotado. Pronto para conferência.

A caderneta de compras na mercearia de Ciço Beija Flor pode haver nome mais belo entre a fantasia de uma placa de comércio e o próprio que assim se nomeou? Pode. Mas como a vela latina vem em minha direção, vou afirmando que não há.

O Bar de Jan Jão. É assim mesmo que minha lembrança oral traduz em letras? Não me tome por desatento, mas nem quero nomear os frequentadores, assim como esqueci do anátema que alguém um dia aplicou a Yô Yô apenas por que ele abria as portas para cessar os tremores do delirium tremens do amanhecer. Atento, Yô Yô, fica em outro quarteirão.

Moacir quem há de esquecer. Ontem tomei um gole de alegria por sabe-lo longevo. Há pouco se fez espuma quando por mais de noventa anos se fez uma vela latina. Em busca de fregueses. Sempre o poder sedutor da venda. Da negociação. Do baixar o preço no final da conversa após a alta do início.


Do chegar mais ainda a vela latina. Chegar à beira mar. Aportar. Descer o jangadeiro com o peixe e firme plantar os pés no chão iluminado com tantas luzes. Destas luzes sem filamentos em risco de partir-se. Uma luz permanente, digamos assim. Mesmo que a permanência seja a afluência de novas gerações.       

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Cadê a "ÉTICA", Marina ??? - José Nilton Mariano Saraiva

Em tempos de “facilidades” propiciadas pela Internet, é necessário que as pessoas, instituições, partidos políticos e/ou outros atores tenham cuidado com o que expõem como se fosse da própria lavra, sob pena de desmoralizar-se publicamente. Afinal, isso é ilegal, além de constituir "falta de ética" e despreparo, já que pura “enrolação” objetivando enganar os incautos, em benefício próprio. 
A reflexão é só pra lembrar que, à medida que vai sendo paulatinamente “destrinchado” por gregos e troianos, comprovado está que o tão badalado plano de governo da candidata Marina Silva não passa de uma “colcha de retalhos”, onde tudo cabe e todo mundo agrega algo, só que com um detalhezinho sorrateiro e aparentemente vulgar: a freqüência com que a combinação informática “Crtl+C + Crtl+V” é utilizada.

Para quem não “manja” nada de informática ou simplesmente tem dificuldade em manusear o “bicho” chamado computador, o “Crtl+C” é a combinação prosaica de duas teclas que, acionadas conjuntamente, “COPIAM” qualquer texto que você deseje manter em arquivo; já o “Crtl+V” é uma espécie de “complemento”, já que com a função de “COLAR” o que foi copiado, gerando um documento à parte.

Pois bem, dias atrás o candidato Aécio Neves “botou a boca no mundo” para acusar a candidata-concorrente Marina Silva de “plagiar” parte do Programa Nacional de Direitos Humanos lançado por FHC em 2002, já que nem as vírgulas foram suprimidas. Indignado, cobrou-lhe pelo menos o “crédito” da matéria (citação da fonte originária). Marina Silva ignorou.
Mas, se alguém acha que a acusação do Aécio Neves é mera picuinha e não merece credibilidade, é bom que saiba que no programa de Marina Silva, na parte que trata sobre “Educação, Cultura e Ciência, Tecnologia e Inovação” foi copiado na íntegra (ipsis líttteris) um artigo publicado na edição nº 89 da Revista da USP (março/maio 2011), sem que fossem citados fonte (a tal revista) e o autor (professor Luiz Davidovich). Como não poderia deixar de ser, tal método de Marina Silva e comandados foi duramente rechaçado pela comunidade acadêmica (não só da USP), que acusou a candidata e sua equipe de “falta de ética”.
Como são muitos os trechos (não caberiam no espaço) em que Marina Silva & Cia fizeram uso da combinação “Crtl+C + Crtl+V” (copiar/colar), abaixo apenas um deles:
TRECHO CONSTANTE DO ARTIGO DA “REVISTA DA USP” (original):
• Fortalecer o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária e as políticas de CT&I e agrícola com vistas a avançar na sustentabilidade da agricultura brasileira, desenvolvendo, aperfeiçoando e difundindo de forma ampla tecnologias eficientes de produção que conservem o solo, usem de forma eficiente a água, sejam compatíveis com a preservação do meio ambiente e da biodiversidade, e que permitam o aumento da produção sem expansão significativa da área ocupada.
TRECHO CONSTANTE DO “PLANO DE GOVERNO” DA CANDIDATA MARIA SILVA:
Fortalecer o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária e as políticas de CT&I e agrícola com vistas a avançar na sustentabilidade da agricultura brasileira, desenvolvendo, aperfeiçoando e difundindo de forma ampla tecnologias eficientes de produção que conservem o solo, usem de forma eficiente a água, sejam compatíveis com a preservação do meio ambiente e da biodiversidade e permitam o aumento da produção sem expansão significativa da área ocupada.

E aí, encontrou alguma divergência ???
Perguntas que se impõem: a) cadê a “ÉTICA”, Marina ??? b) se “apropriar” do que é de terceiros, sem a devida permissão, é correto ??? c) uma candidata cujo “Programa de Governo” não passa de um “ajuntamento” de textos de autores variados, sem que se lhes imputem pelo menos os “créditos” devidos, merece mesmo alguma credibilidade por parte dos seus presumíveis eleitores ???  d) se alguém “importa” um texto “ipsis lítteris”, será que terá condição de operacionalizá-lo mais à frente, se porventura chegar lá ??? e) será que a “falta de conteúdo” (ou comprovada “embromação”) da candidata Marina Silva nos debates e entrevistas, tem a ver com o fato de desconhecer o que consta do próprio Plano de Governo ??? f) ou, tal qual aconteceu com o texto sobre a comunidade LGBTs, aqui também houve apenas e tão somente mais uma banal “falha processual na editoração” ???
Alfim, essa é mesmo, de verdade, a pessoa mais credenciada para cuidar de um país complexo como o é o nosso Brasil ???





quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Desculpe, Marina, mas eu tô de mal...

                
J. FLÁVIO VIEIRA

                                               Tinha-me prometido, nestes tempos eleitoreiros, em que todos os ânimos ficam exacerbados ao extremo,  não meter minha colher de pau nesta papa fervente. Até mesmo porque todos sabem, de cor e salteado, minhas posições políticas e sempre parecerá que, catapultado por elas, não terei o equilíbrio suficiente para discernir o milho da pipoca e acabarei puxando a brasa para meu piau. Como sei  que sempre, seja quem for, partirá de suas próprias convicções , para tentar entender e interpretar os cenários que se vão configurando, não tenho pruridos e resolvi entrar no jogo. Resistir quem há-de?
                                               Nas últimas semanas, então, com o prematuro desaparecimento do Eduardo Campos e a entrada de Marina Silva, numa partida até então morna e sem maiores atrações, a Maratona ganhou múltiplos atrativos. As pesquisas têm mostrado um aumento significativo nas intenções de votos da candidata do PSB  que tem ameaçado a reeleição da presidente Dilma e praticamente aniquilou a escalada titubeante de Aécio Neves , demonstrando a curva em descendente do outrora fogoso PSDB, hoje uma espécie em vias de extinção. O clima no país, com mudanças tão rápidas no tabuleiro de xadrez, é de perplexidade. A Direitona ,que apostava as cartas todas em Aécio, de repente, descobriu que tudo era um blefe e, rápido, lançou os trunfos  na canastra de Marina, atitude que já vem sendo tomada, inclusive,  por vários membros do próprio PSDB. O grande problema é que , relutantes, não acreditam nos posicionamentos também relutantes e mais filosóficos que pragmáticos de Marina. Sabem da sua história, da sua militância sempre mais à  esquerda, inclusive como Ministra de Lula e andam mais desconfiados que cachorros em Noite de São João. Mas que opções outras teriam ? Os Petistas, por outro lado, andam tontos com a súbita mudança de cenário. De repente, a avalanche há apenas quarenta dias do primeiro turno e os necessários correções e ajustes que precisarão ser feitos de forma emergencial no curso da campanha.
                                               Por que Marina parece tão palatável para a população ? Primeiro é importante lembrar que ela encarna, um pouco, aquela saga de Lula : uma pobre, da pobre região Norte, alfabetizada apenas aos 12 anos, crescida dentro das Lutas Sociais e que sonha em um dia ser a maior mandatária do país e corrigir todas as distorções e deformidades que tão bem conhece pois viveu-as toda na própria pele. Depois, Marina surge como uma alternativa viável à alternância de poder, à polarização de mais de vinte anos, com os desgastes esperados,  PT-PSDB. Além de tudo, Marina Silva transparece além de simplicidade, honradez: sua história política tem poucas máculas até mesmo porque não exerceu muitos cargos executivos. Além de humilde, despojada, transpira dignidade, eu compraria, de olhos fechados um carro dela e ficaria feliz se fosse minha vizinha.
                                               A Candidatura do PSB, no entanto, carrega consigo dubiedades sérias , arestas difíceis de se apararem. O Programa de Governo, por exemplo, prega a Disseminação dos Conselhos Sociais, alternativa já em franco desenvolvimento na Saúde, na Educação, na Cultura, na Justiça, desde a Constituição de 1989. A Direita, no entanto, torce o nariz, acreditando que é uma tentativa  de venezuelizar ou cubanizar o Brasil. Por outro lado, reza bônus salariais para professores e funcionários públicos por desempenho, uma iniciativa francamente neoliberal, chamada de Meritocracia e que dá engulhos na Esquerda. Deseja ainda priorizar o Agronegócio, com preservação do Meio Ambiente algo parecido com fazer o omelete sem quebrar os ovos. Pretende por sua vez reduzir o consumo de combustíveis fósseis e incrementar a Energia Solar e a produção do Álcool,  sem dizer claramente o que fará com a Petrobrás e com a Energia Hidroelétrica. Propõe ainda uma Reforma Tributária, necessária mas dificílima de se articular por conta dos díspares interesses da União, dos Estados e Municípios. Quer ainda aumentar em R$ 40 bilhões as verbas destinadas à Saúde, atitude louvável, mas sem muito lastro : de onde virão os recursos ? Por outro lado,  titubeia em questões já superadas pela Sociedade, que nos remete à idade das trevas,  por mero viés religioso,  como o Casamento Gay já resolvido pela justiça e pela jurisprudência e a pesquisa com células tronco-embrionárias. Marina Silva , como cidadã, tem todo o direito de escolher e exercer a religião que lhe aprouver, o presidente do Brasil, no entanto, tem que ser necessariamente laico como determina a nossa Constituição.
                                               O mais sério, no entanto, é que se eleita, com a pequena bancada que possui o PSB, haverá a imperiosa necessidade de arrematar apoio nos partidos do Congresso. Sem suporte amplo, não se governa, lembrem de Jânio e de Collor. Apoio, significa, necessariamente, cargos que serão rateados pelos muitos partidos da base de sustentação. O governo, assim, não será do PSB, mas  de coalizão. As velhas raposas de sempre voltarão famintas ao galinheiro. O leitor me dirá, qual o problema ? Os outros não fizeram igual : O PSDB e o PT ? Claro, isso , inclusive faz parte do jogo democrático, pode ser até uma deformidade da Democracia, mas está nas regras estabelecidas. A grande questão é que o discurso de Marina fala numa “Nova Política” que vem para sepultar a “ Velha Política”. Essa “Nova Política” é indefinível, ninguém até hoje soube de que se trata, quais as novas regras e os novos instrumentos.  Que diabos de “Nova Política “ é  essa que utiliza os mesmos métodos arcaicos da anterior?
                                               Boas intenções, infelizmente, não bastam. Os bordéis, os cemitérios, as câmaras estão cheinhas de bem intencionados. Marina carrega consigo aquela carinha messiânica de beata, de irmã de caridade e promete milagres e curas miraculosas como tantos de seus pares. A mim, não basta. Já cansei de pseudo-Messias e bezerros de ouro. Sua ambiguidade crônica, tergiversando, sempre, nas questões mais importantes, me remetem àquele soldado americano da Guerra da Secessão. Temendo ser atingido,  resolveu vestir-se com a camisa do exército confederado do Sul  e a calça do exército do Norte. Imaginava que assim estaria salvo no conflito. Na batalha o que aconteceu foi que os soldados do Norte atiraram na parte de cima   e os recrutas do Sul na parte de baixo . Virar tábua de pirulito é o destino político dos hesitantes. O campo de batalha está pronto e os soldados a postos.


Crato, 03/09/14

Marina e a cédula de R$ 3,00 - José Nilton Mariano Saraiva

O eufemismo “falha processual na editoração” serviu de mote para que a candidata Marina Silva tentasse justificar modificações apressadas no seu programa de governo, recém-saído do forno. Só que, sabe-se agora,  a “verdade verdadeira” é que tal decisão foi resultado do “puxão de orelhas” que um dos seus influentes apoiadores, o pastor Silas Malafaia lhe aplicou, ao exigir, com prazo definido, que tratasse de retratar-se publicamente no tocante à questão da comunidade LGBTs, modificando o que fora divulgado: “Aguardo até segunda-feira uma posição de Marina. Se isso não acontecer, na terça será a mais dura fala que já dei até hoje sobre um presidenciável.” (Coluna Elio Gaspari – O Velho na novidade de Marina). E assim, às pressas, e sem se importar com a (falta de) coerência, tudo foi refeito “vapt-vupt”, de sexta-feira para o sábado, de modo a que os ânimos serenassem.

A reflexão é só para demonstrar que inexistem “coerência” e “firmeza” na tal “nova” política da candidata Marina Silva, porquanto os métodos não diferem um milímetro dos aplicados na “velha” e tradicional política do “é dando que se recebe”. Afinal, a simples perspectiva de perder os votos das lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneros e transexuais (LGBTs), foi determinante para que logo logo à tona emergisse a “velha” política da conveniência e da oportunidade. Afinal, que “nova” política é essa que obriga a candidata a tentar, sem sucesso, equilibrar-se no fio de navalha, com receio de desagradar alguns (poucos) prováveis eleitores ???
E se alguém imagina que se trata de uma questão menor e sem importância, é bom que tire o cavalo da chuva, porque se houve tal “abertura” numa questão pontual, uma pergunta básica se impõe: como Marina Silva negociará com o “banco de reserva” do  Congresso, quando as grandes questões da República forem postas, porquanto já disse e repetiu “ad nauseam” que não aceitará  conversar com os "titulares", adeptos da “velha” política ???
Já na questão tida como a mais relevante, a economia, não é preciso se ser nenhum “expert” para constatar que uma possível vitória da ex-verde Marina Silva significará um imediato retorno ao modelo econômico vigente à época do governo FHC, com tudo de deletério que representou aquele sombrio período (os juros chegaram a 45%, lembram). É que o seu principal ideólogo-formulador é o economista Eduardo Giannetti, ligado historicamente ao PSDB, que tem repetido para quem quiser ouvir que o projeto econômico de Marina é basicamente o mesmo que o projeto de Aécio Neves,
Lá, dito está, com todas as letras, que haverá um radical corte de gastos na área social, que a política do salário mínimo não mais contemplará ganhos reais, que a exploração do pré-sal não terá a relevância que tem hoje, que a redução do papel do Estado na economia será implementada de pronto (e aí, como conseqüência, medidas recessivas, desemprego e recessão) e por aí vai.

Alfim, o que se pode aferir do exposto no programa da candidata Marina Silva, é que a “nova” política anunciada por ela é tão verdadeira quanto uma nota de três reais (R$ 3,00). Valerá a pena pagar pra ver ??? Não se trata de um risco tão desnecessário quanto inoportuno ???

Post Scriptum:

A propósito: merece um "picolé de xuxu" aquele que tenha ouvido da candidata Marina Silva “respostas objetivas” sobre o que lhe é perguntado, nos debates ou entrevistas nos telejornais. É um “enchimento de lingüiça” sem fim.  

terça-feira, 2 de setembro de 2014

SUPERAR AS CLASSES SOCIAIS - José do Vale Pinheiro Feitosa

Eleições concentram ideias. Aquilo que individualmente se pensa, de repente se junta e se organiza em grandes ilhas que tendem a se aglutinar de modo continental. É preciso imaginar que forças de atração e repulsão agem nesse processo de fusões e organização.

A principal força é a que sustenta a vida do ser humano e seus modus operandi político, cultural e econômico no mundo. Sustentação da vida traduz-se como sabedoria e a causa maior de toda inteligência humana.

Mesmo quando a destruição e a violência se alastram como guerras ou conflitos civis, há por trás uma busca extrema pela sustentação da vida. Assemelha-se a uma contradição ontológica, mas na verdade a contradição é externa ao ser da sustentação vital.

São as classes sociais com seus modelos específicos e hegemônicos de definir a sua sustentação como a prioridade sobre a sustentação das outras classes sociais. Até por uma resposta imediata, que se imagine até primária, a superação das classes sociais é uma questão central e histórica. E pode ocorrer justamente porque externa à sustentação de se estar no mundo.

Eliminar as contradições sobre a essência do ser no mundo é livre arbítrio humano. É libertar-se das regras de pensamento totalitárias que cristalizam dominâncias e sufocam o exercício do ser no mundo. É ir além de toda as dependências escravas de uma visão que naturaliza as regras das classes dominantes como a explicação mais ampla para justificar o quão são irremovíveis as contradições.

Não é incomum nos espaços de debate, como estes privilegiados em blogs e nas redes sociais, uma argumentação caleidoscópica de clichês das sucessivas e apressadas leituras monolíticas e pouco afeta à pluralidade. Por isso se provoca tanto. Às ideias as substituem por chavões, à leitura do divergente vem xingamentos, fora isso, fora aquilo. E assim se naturaliza o linguajar psicopático quando alguma racionalidade se encontra sempre ao lado e ao alcance.

Agora estamos em mais um processo eleitoral. Mesmo as ideias que nos aborrecem precisam ser consideradas. Mesmo que alguém imagine que sua agressividade vai ajudar seu candidato é sempre possível que este compreenda que agressividade é uma energia que pode ser usada ontologicamente no sentido de estar no mundo.

Logo em seguida tenha por regra que a agressividade que apenas se põe como correia de transmissão para sustentar posições de classes sociais é motor real da luta histórica. Não se pode esquecer que os senhores de escravos sabiam do ódio eterno que a escravidão despertava mesmo gerações após as outras.

Continuavam porque possuíam os meios econômicos para afrontar o estar no mundo do outro. Até que as fontes destes meios se tornavam insuficientes para conter os efeitos da afronta. E assim vai continuar até que se encontrem sistemas que superem as classes sociais e suas contradições.


Isso é socialismo como se pensou nos últimos trezentos anos. Não é religião. Não é um catecismo e nem um mero código de comportamento. É uma consciência de como se estar no mundo e que este estar é um processo histórico decorrente das relações humanas no contexto do planeta. É um mero arranjo externo ao ser.  

domingo, 31 de agosto de 2014


Poema do desmantelo azul
"Então, pintei de azul os meus sapatos
Por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos...
e colori as minhas mãos e as tuas.

Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.
E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.
E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul."
(Carlos Pena Filho)
BAILARINAS EM AZUL - DE EDGAR DEGAS
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sábado, 30 de agosto de 2014

INDO PARA A ESCOLA


     Acordava sem a ajuda de despertador. Ou melhor, tinha como despertador o mugir do gado no curral bem próximo ao quarto em que dormia. Naquele tempo, era costume dos fazendeiros terem o curral próximo a casa. E ainda na rede, eu ouvia a lida dos curraleiros tirando o leite das vacas, a bezerrada berrando e o chocalho das vacas a badalar naquela inquietação de mãe à procura do seu filho chiqueirado desde o dia anterior.
     Eram 05h30min da manhã quando eu despertava. Pulava da rede e, preparado para um novo dia de aula, ia em busca do café que a minha mãe, com muito zelo, já preparava na cozinha. Quando chegava à mesa, encontrava o meu pai sentado à cabeceira em conversa com alguns dos seus serviçais programando as tarefas do dia. Sentava junto a eles e, como eles, me enchia de pão de milho com café e tapioca com nata. Lembro bem de Seu Expedito, compadre Zé Nanô, Pedro Soares e ainda do seu vizinho e amigo compadre Neco. O meu pai sempre escalava esse time que compartilhava do café com todos nós, seus filhos. E assim também era no almoço ou no jantar. O certo é que na nossa mesa sempre teve a presença de um ou mais colaboradores do sítio. Isso nos fez crescer entendendo que somos todos iguais. Sem nenhuma descriminação, o mesmo que comíamos, eles também comiam.
     Uma lembrança também forte que tenho do nosso café da manhã, era a audição diária do programa “Coisas do Meu Sertão”, criação do saudoso radialista e folclorista Elói Teles de Morais, pela Rádio Araripe do Crato. Era um programa de apenas meia hora com clássicos da poesia nordestina narrados por seu Elóia, como era conhecido pelos matutos. Ele fazia o programa com um linguajar muito interessante, dirigido mesmo para o público do mato, embora tivesse enorme audiência entre os citadinos e pessoas aculturadas. Foi aí que aprendi a gostar de poesia e admirar os grandes poetas por ele citados e declamados, a exemplo de Patativa do Assaré, Zé da Luz, Catulo da Paixão, Zé Limeira, Zé Praxédes, Dedé França e tantos outros figurões da poesia popular. A trilha sonora deste programa, permeada pelo cantar de sabiás e de outros pássaros do sertão, até hoje está gravada em minha alma de menino nascido e criado no mato, pois nossa casa ficava e continua a 6 km da cidade. Hoje, tudo mudou e já estamos na zona urbana. Esse programa começava às 06h00min e terminava pontualmente às 06h30min, sempre com a mesma prosa e a mesma trilha sonora. Eram versos da autoria de Zé Praxédes, abaixo reproduzidos.

“Dotô inté outro dia
Basta mercê precisá
Um criado às suas orde
Na serra do Jatobá

Prus armoço tem galinha
Tem quaiada pra jantar
Água cherosa no tanque
Pra vasmicê se banhá

Leite quente au pé da vaca
Quando o dia amanhecê
Café torrado no caco
De quando in vez pra mercê

Aguardente Potiguá
Caso goste de bebê
Capim mimoso verdin
Pro seu cavalo cumê

Pra o dotô fazê lanche
Mé de abêia cum farinha
Tem da fonte milagrosa
Água fresca na quartinha

Pra vasmicê se deitá
Uma rêde bem arvinha
Leve também sua mulé
Proquê lá só tem a minha”

     Quando acabávamos de ouvir essa prosa, eu e meus irmãos sabíamos ser chegada a hora de correr para a pista (assim era denominada a rodovia asfaltada que ligava Crato a Juazeiro) e pegar o ônibus que nos levaria ao Crato, onde estudávamos. Percorríamos uma pequena e estreita estrada de terra até o ponto de ônibus. Ao final deste corredor havia uma pequena levada que nos fazia molhar os sapatos em dias de chuva. E quando tomávamos o ônibus, já tínhamos as calças meladas de barro e os sapatos Conga encharcados.
Muitas vezes o ônibus já vinha lotado e tínhamos dificuldade até para subir no lotação. E se fosse dia de feira no Crato, a coisa ficava ainda pior. Por isso nesse dia, meu pai mandava nos levar de carro. Não tivemos essa regalia de ter carro pra levar e buscar na escola. Íamos e voltávamos de ônibus, com chuva ou sem chuva.
Mas, às vezes, dávamos sorte de pegar carona com algum amigo ou conhecido do meu pai que passava no sentido Crato. Podia ser na boleia ou mesmo na carroceria de uma picape amiga. O que importava mesmo é que já estávamos economizando o dinheiro da passagem para o picolé do recreio. Tinha também a carona com seu Luiz da “casa do pintor”, quando íamos confortavelmente em seu Chevette novinho. Isto foi em 1974 e o Chevette era um
lançamento recente do mercado automobilístico. Ele sempre perguntava por meu pai e dizia ter sido seu instrutor quando este fizera o tiro de guerra, o que correspondia ao alistamento militar de hoje.
Havia também outras caronas não muito interessantes, quando nos deixava logo na entrada da cidade, onde o cidadão parava para resolver seus problemas, fazendo com que andássemos a pé muito mais que o habitual.
     Houve uma época em que a minha professora era também nossa prima e muito amiga dos meus pais. E, além disso, morava no sítio colado ao nosso. Essa sim, foi a minha melhor carona que, inclusive, me apanhava em casa. Com isso, sempre chegava no momento de começar a aula, mesmo que fora do horário estipulado. Afinal, entrava no colégio sempre junto com a minha professora Maria Zélia, que me despertou para o mundo mágico da matemática e a quem hoje dedico esta pequena crônica. São lembranças e ensinamentos ainda presentes em meu caminhar.

Marcos Barreto de Melo

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

QUANDO A MATÉRIA PRIMA DA ALMA É A LAMA. - José do Vale Pinheiro Feitosa

Ofereço este texto ao Dr. José Flávio Pinheiro Vieira pelo seu presente que nos deu apenas por existir. Também pelas nossas recentes conversas sobre tempo, espaço e personagens.


A inclinação matinal do sol, entre o galho três metros acima do solo e o próprio solo, ilumina o frágil e solitário fio da tecedura da aranha. Brilhante como uma prata polida. Tão fino e imperceptível como um único raio solar.

A casca grossa da mangueira na vizinhança onde o fio balança ainda não deu conta desta ponte iluminada. Não rompeu a fragilidade do liame. É que o endurecimento rijo do caule é um amontoado cicatricial de uma verdade há muito morta.

O fio prateado é o cruzamento entre a luz temporária, o momento do olhar e o percurso aéreo da aranha criando vias por onde andar acima do rés-do-chão. E nem os ventos animados do litoral rompem o fio deste ponto a ponto. O fio balança, quase laça, mas não quebra.

E a verdade lassa que habita sob as vestes corrompidas, debulhada em negócios, sempre com os anéis, resguardados no último artelho da mão, em oferta do ósculo humilde. A reverendíssima promessa do sótão, onde todos um dia se encontrarão, enquanto os alicerces são vendidos pedra a pedra. Até que descarnada da pétrea construção, nada mais é. Apenas cinismo e negócios.      

Mas então por todas as ruas, de todos as cordas vocais se perguntam onde se encontra a matéria prima da alma? Mas se a espiritualidade pudesse descobrir o núcleo que carrega os estandartes, que do peito grane as loas ao salvador, na matéria prima apenas lama. Tão somente esta pasta que reduz o atrito das sucessivas trocas negociais.  

Na matéria prima de lama, dada a umidade, costumam crescer os germens. E da lama se faz pântano e do pântano evolam-se os ares pestilentos. Ares que roubam a luz do sol com a enlodar o futuro da comunidade. E nas sombras se eternizam na corrupção mais abjeta.

Os corruptos de dedo em riste bradando a corrupção alheia. Tão conscientes são, tão atraídos vão, que nas sombras constroem os arabescos que disfarçam a realidade. E com estes arabescos, como tábuas da salvação, acertam as cabeças da multidão para que todos se ajoelhem diante dos mantos luminosos da sua corrupção enfeitada como fantasia.   

Por isso suas palavras ferem com a casca grossa da mangueira. Arranham a pele e geram cicatrizes. Mas ali da mangueira apenas um destino lhes espera que é tornar-se pó de madeira por duas vias. Abandonada ao solo e às chuvas e úmidas se dissolverem.

Ou apenas a celulose que lhes resta alimentar os cupins naquele agir coletivo.

E o fio da aranha, mesmo partido, logo será nova trilha prateada.


A "fotografia" - José Nilton Mariano Saraiva

Não deve existir coisa pior no mundo para o ser humano do que ser pego no “flagra”, no exato momento do cometimento de algum deslize ou da materialização (prática) de um ato excrescente, não tão convencional, que vá de encontro aos bons costumes e à normalidade. E quando tal situação ou momento é “imortalizado pela fotografia” (a tal prova provada), e posteriormente veiculada em primeira página num veículo de penetração nacional, como um jornal de grande circulação, por exemplo, o “constrangimento” de quem a praticou deve ser algo transamazônico, capaz até de fazê-lo recolher-se durante um tempo, até que a poeira baixe e os ânimos serenem. Pelo menos pra quem tem um mínimo de “semancômetro” (ou vergonha na cara).

Pois bem, como é de conhecimento público, a última eleição para a Prefeitura de Fortaleza foi pau puro, briga feia, embate acirrado, jogo bruto e pra lá de pesado, com acusações de ambas as partes: de um lado, o candidato da prefeita sainte (Luizianne Lins) e de outro, o candidato do governador do Estado (Cid Gomes). No meio, como fiel da balança e alvo de todas as atenções, quem findou levando a melhor foi o eleitor dos bairros periféricos da capital, porquanto caminhões e mais caminhões, com carradas de “dinheiro vivo”, teriam sido distribuídos na noite anterior ao pleito. E aí, por uma apertada margem de votos (teoricamente comprados) o candidato apoiado pelo senhor Governador do Estado acabou por suplantar o indicado da prefeita.

Vida que segue, compreensivelmente, dia seguinte, as manchetes (garrafais) dos jornais matutinos da capital se referiam ao seu resultado, destacando a minguada vitória de um praticamente noviço na política cearense, o médico e deputado Roberto Cláudio, criação da “grana desenfreada” e da equipe de marqueteiros da máquina governamental (sim, porque se pessoalmente trata-se de uma figura afável, esteticamente é um autentico desastre, verdadeiro “aborto da natureza”: baixinho, careca, redondo de gordo, pesando quase 200 quilos).

Pois bem, muito mais que a manchete do jornal em si, o que chamou a atenção foi a “FOTOGRAFIA” colorida de meia página (na primeira página) publicada para ilustrá-la: nela, com um sorriso de orelha a orelha e claramente turbinado por alguma substância milagrosa (excesso de álcool ???), o então assessor do Governador, ex-prefeiturável, ex-governamentável, ex-tudo e, por fim, secretário de Governo, senhor Ferrúcio Feitoza, deixara de lado a formalidade do terno e gravata e, metido numa camisa pólo amarela, carregava nos ombros, sozinho e até com certa facilidade, o peso-pesado Roberto Cláudio e seus quase 200 quilos.

Foi o bastante para se compreender o repentino destaque conseguido pelo senhor Ferrúcio Feitoza que, de uma hora pra outra passara a ser “vendido” como um dinâmico e moderno gestor, modelo de executivo a ser cortejado e imitado, tanto que houvera sido mencionado como concorrente ao cargo do agora prefeito eleito; com tal “fotografia” foi que cristalizou-se na opinião pública a certeza de que tal figura não passava de um monumental puxa-saco, bajulador asqueroso e sem nenhum escrúpulo.

Meses após, pra seu azar, através das “redes sociais” (sempre elas) o senhor Ferrúcio Feitoza foi novamente “flagrado”, como sempre sorridente, só que dessa vez dentro do carro do amigo Governador do Estado (evidentemente que no banco de carona), num desses passeios em que o chefe do executivo cearense se permite realizar sem a companhia do motorista particular e todo o seu séquito de seguranças.

O “detalhe” curioso da bendita “fotografia”: como que para corroborar o pejorativo “juízo de valor” que houvera sido emitido lá atrás a seu respeito (na época da eleição), o senhor Ferrúcio Feitoza dessa vez levava, não nos ombros, mas no próprio colo, dedicando extremada atenção, carinho e zelo, o “cachorrinho” do chefe (ninguém sabe se chegou a levar alguma “mijada”). 


PUXA (vida, haja) SACO, como pode alguém se submeter a tamanhos vexames, pelo e em nome do poder ???

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

"VELHA" e "NOVA" POLÍTICA -José Nilton Mariano Saraiva

Apesar de já ter decorrido um tempo razoável, a “bruma” que derrubou o avião do candidato Eduardo Campos (vitimando-o e à sua equipe), parece não ter ainda se dissipado, e de forma surpreendente mostra que poderá causar estragos, sim, na campanha da sucessora Marina da Silva (que houvera disparado nas pesquisas).

É que, nem bem iniciada as burocráticas investigações sobre quem era o proprietário do avião disponibilizado ao PSB e/ou ao candidato, a “coisa” tomou um rumo inesperado, porquanto restou comprovado ter havido o uso dos famigerados e abomináveis “laranjas” a fim de adquirir o próprio.

Um adendo: em Recife, terra do candidato Eduardo Campos, descobriu-se que duas empresas, a “Câmara & Vasconcelos Ltda” e a “Vasconcelos & Câmara Ltda” (isso mesmo, só trocando a posição das denominações) teriam sido usadas na transação de compra da aeronave; e aí, no endereço onde funcionaria uma delas, numa favela periférica da cidade, o repórter da TV foi encontrar um “pobre coitado” que, atarantado ante a pergunta se teria contribuído financeiramente para a compra de um avião, simplesmente mostrou-se indignado. Fato é que, extratos de depósitos bancários mostraram uma intensa movimentação de dinheiro, com transferências milionárias entre contas, objetivando a compra do avião.

Pois bem, na entrevista de 15 minutos concedida nessa quarta-feira (27) ao Jornal Nacional (ao vivo), a candidata do PSB Marina da Silva, após confirmar saber de um “empréstimo” para adquirir a aeronave, demonstrou “extrema dificuldade” em responder sobre se achava “ético” utilizar-se de “laranjas” para tal fim: e mais, já que ela se refere com tanta veemência a uma “nova política”, da qual seria a precursora, foi-lhe indagado o que isso tinha de “diferente”, em relação à “velha política” (“modus operandi”) dos adversários, que ela tanto combate e recrimina. Marina gaguejou e não convenceu na resposta. Ao repórter e tampouco aos telespectadores.

Num outro momento, enrolou-se toda para responder o “porque” de, no pleito passado, em que concorreu à eleição para Presidente (quando obteve quase 20 milhões de votos), ter ficado apenas em terceiro lugar (com diferença de 30 pontos em relação ao primeiro colocado) em sua terra natal, o Acre.  Isso seria uma espécie de “desaprovação” por parte daqueles que o conhecem mais de perto ??? Marina tergiversou e, de novo, não convenceu.

Enfim, Marina Silva, que no “debate” televisivo da noite anterior teria se saído bem, conforme seus adeptos, dessa vez mostrou-se despreparada quando questionada sobre questões prosaicas, mas que não constam da sua cartilha doméstica.

No mínimo, “baixou a guarda” e forneceu a senha para a investida dos adversários em outros confrontos frente a frente.


domingo, 24 de agosto de 2014


domingo bílis.
ele estava sentado atrás de um balcão encardido de um bar encardido. o cara atrás do balcão, olhos chorosos, reclamava de uma dor de dente infernal e de uma noite que não terminaria nunca. ele sorriu. imaginou essa noite sem fim. o copo. uma dose de algo que nunca acabasse. o cara do balcão perguntou as horas pela vigésima vez. ele disse que não importava, visto que a noite não terminaria. ela apareceu com os olhos de quem já tinha tentado outras vezes. sorriu,... ou pensou que sorria. errou o nome dele, ele não se importou. abraçou-a como se ela fosse a última oportunidade de fugir dessa noite sem fim. ela perguntou coisas, ele respondeu outras. não importava a falta de nexo. o filme continuava. ela disse que não sabia mais o que fazer. ele sugeriu outra dose de qualquer coisa. ela aceitou. ela aceitaria qualquer coisa. ele pegou os dois capacetes e seguiu em direção a moto. ele sabia que ela iria. ela reclamou do frio. sempre faz frio quando se está só, ele disse. depois da trepada ela perguntou seu nome. ele acendeu um cigarro. ela perguntou que musica era aquela. ele inventou um nome. ela dormiu. ele ainda ficou um tempo fumando outro cigarro e olhando as tatuagens nas costas dela. pensou em um mapa. pensou no cara do balcão. a noite. sem fim. a madrugada entrou pela janela pequena e ele se sentiu aliviado. ela faria café. e depois iria embora. com seus mapas nas costas. ela estava tão perdida quanto ele. pelo menos até que chegasse outra noite sem fim.


 

GUERNICA - O CUBISMO DA MORAL CAPITALISTA - José do Vale Pinheiro Feitosa

O vento aqui no litoral é o centro cinético do estar. Penteado por ele, banhado pela folhagem cascateante, o écran, no entanto, rouba-me a atenção. De salto em salto em certos endereços “internéticos”, chego a um filme da BBC (afixada pelo substantivo Londres) sobre o quadro Guernica de Pablo Picasso.

Nome reduzido de Pablo Diego José Francisco de Juan Nepomuceno Maria de los Remédios Cipriano da Santíssima Trindade Ruiz y Picasso. Esse longo e severo caminho do reacionarismo, pervertido e decadente da Espanha Imperial, dominada pela mais perversa facção da Igreja Católica Apostólica Romana. A Igreja matriz da alma inquisitória.    

O gênio do nome reduzido, fragmentando toda a pintura neoclássica dos Cavalheiros do Absolutismo não coube nas malhas sangrentas de sua Espanha. Paris era outro universo. Outro tempo, mais do que outro espaço. O poder do gênio sobre sua arte era tal que o reconhecimento público o suspendeu acima do comezinho das malhas sangrentas.

A ação do pintor e escultor derrubou todo o universo plástico daquela Europa cuja arte já era menor do que a fotografia. Uma foto dizia sobre aquele retratismo mais do que os traços e cores da herança renascentista, clássica e romântica. As marcas da luz na solução de prata eram mais perfeitas que os pincéis.

Mas não é nesta confrontação técnica que o problema do mundo se encontrava. Embora Picasso e sua era pensassem que fosse. A questão do mundo era política: a pobreza devastava as famílias e, no entanto, nunca houvera época anterior com tanta capacidade produtiva quanto as máquinas.

Picasso estava no cerne da revolução. Estava e não sabia que ela fosse política. As marchas nazifascistas nada lhes despertavam de consciência. A sua Espanha sangrava entre a força progressista da República Democrática e o reacionarismo militante da igreja medieval aliada de latifundiários e forças armadas de longos nomes com o de Picasso.

Mas, segundo a BBC, havia um antecedente político a infernizar a revolução estética de Picasso. Era igualmente Espanhol. Chamava-se Francisco Goya denunciando em sua pintura a luz maligna da destruição e da perversidade destrutiva das elites ameaçadas. E Picasso visitou sua Espanha aflita.

O famigerado surrealista Salvador Dali aderira às hostes reacionárias. Picasso foi convocado, mas recusou-se. Quando já em Paris uma bomba atingiu o Museu do Prado e seu fabuloso acervo. Picasso aceitou ser diretor do mesmo e transferiu muitas obras para Valencia. Uma das províncias republicanas.

Numa tarde o território Basco espanhol foi palco de um teste Alemão e Italiano sobre convocação de Francisco Franco o grande ditador do século XX espanhol. Bombas lançadas por aviões, arrasaram a pequena, desarmada, inofensiva, sem qualquer importância estratégica ou tática povoação de Guernica.

Nada ficou em pé. Morreu tanta gente quanto os palestinos em Gaza atualmente. Um cronista inglês descreveu a cena e suas consequências. Fotografou os escombros. Picasso viu a matéria num jornal de Paris com a foto expondo o deletério poder de destruição e de desgraça humana.   

Era 1937. Espanhóis na resistência ao poder fascista convocaram Picasso a se fazer presente com alguma manifestação no Pavilhão da República na Exposição Internacional de Paris. Picasso começou com uma série de postais cubistas, como uma história em quadrinhos que destruíam a imagem do franquismo. Mas não deu consequência a esta história.

Começou, então, a pintar o grande Painel que é Guernica. Uma construção cubista arrasadora e sem esperanças. Nela todo otimismo que pudesse existir na pós-destruição é anulado com a decomposição figurativa da maldade humana. Guernica é um profundo soco na moral, na ética e nos resultados do capitalismo triunfante, embora em sua fase destrutiva.

O efeito da pintura é politicamente revolucionário. É uma denúncia da moral argentária individualista que se assenhorou de todo o arcabouço social e econômico. Por isso, conta uma lenda, que um oficial nazista pressionando Picasso com as famosas incursões de amedrontamento, trazendo nas mãos um postal da pintura perguntou a ele: “Você fez esta pintura?” Picasso teria respondido: “Não, foram vocês!”

O fecho contínuo e não fabulado do espírito imoral do sistema capitalista. Autoridades americanas, através de um conjunto de mentiras, foram até a ONU anunciar a guerra ao Iraque. General Colin Powell se antecipando à máquina de destruição em massa termina o anúncio e vai para uma entrevista apocalíptica para iraquianos e terceiro mundistas.


Na sala em que daria a entrevista havia um grande painel reproduzindo a pintura Guernica de Picasso. Os cínicos imundos cobriram a pintura com um doce pano azul. As imagens do General não poderiam ser reportadas diante daquela denúncia.